Valor econômico, v. 16, n. 3959, 09/03/2016. Política, p. A9

Manifestantes atraem entidades de classe

Cristian Klein

Principal movimento por trás das manifestações contra o governo Dilma Rousseff, marcadas para domingo, o Vem Pra Rua (VPR) afirma ter ampliado sua rede social e política. A maior diferença do próximo protesto em relação aos quatro anteriores, realizados no ano passado, é o alinhamento de entidades de classe "de peso", que antes ficavam "em cima do muro", ou eram representadas por facções ou indivíduos isolados, mas que agora aderiram ao movimento.

De acordo com a direção do VPR, a entrada de associações comerciais, de médicos e de advogados - como seções estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Sociedade Rural Brasileira e a Associação Comercial de São Paulo - engrossou a mobilização. O exemplo maior é a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade já havia participado daúltima manifestação, em dezembro, mas não de sua organização.

Na segunda-feira, líderes do Vem Pra Rua e do Movimento Brasil Livre - segundo maior grupo organizador dos protestos - reuniram-se por três horas com o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e toda a "turma de peso" da federação, que incluía quase 200 representantes do empresariado. O movimento nega que receba financiamento do patronato, mas diz que as entidades seofereceram para mobilizar suas estruturas. A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), por exemplo, disse que enviaria um comunicado sobre a manifestação para os funcionários de 538 shoppings, espalhados por 196 cidades do país.

Com maior adesão de entidades da sociedade civil, a expectativa é a de levar um contingente recorde de pessoas às ruas. São esperados 2 milhões de manifestantes. O número de convidados a partir da página do grupo no Facebook é de 3,9 milhões - mais de quatro vezes que o da primeira manifestação, em março do ano passado. Os confirmados estão em torno de 235 mil pessoas, e ainda há quase 75 mil que se dizem interessados em comparecer. O perfil do ativista típico, no entanto, ainda é o mesmo, sem forte presença das classes populares. A maioria é de universitários ou pessoas com ensino superior completo.

Enquanto a Fiesp defendeu uma bandeira mais assertiva para o protesto - como 'Fora Dilma' ou 'Fora PT' - o Vem Pra Rua preferiu evitar o tema impeachment. A palavra sequer é mencionada no manifesto de convocação. O mote é a defesa da Operação Lava-Jato e das instituições ligadas à investigação de escândalos de corrupção, como o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Poder Judiciário. A bandeira já estava decidida há cinco semanas, e não é uma resposta à reação dos petistas e governistas quepassaram a atacar a decisão do juiz Sergio Moro, que ordenou, na sexta-feira, a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No fim de semana, porém, o episódio foi tema de uma das discussões diárias do grupo, cujo núcleo duro é formado por empresários e profissionais liberais. O discurso de Lula, após ser obrigado a depor na Polícia Federal, foi considerado ao mesmo tempo um "teatro ridículo" e "assustador". Chamou a atenção dos líderes do VPR "como um indivíduo pode ser tão hábil para se comunicar com a militância, relembrar o que foi conquistado até hoje, culpar as elites e reagrupar sua base política". Houve "perplexidade" de como Lula é "capaz de virar a história em seu favor" e "fazer com que você entre no jogo dele", caso não conheça os "fatos, as fotos", e o veja falando de sua trajetória pessoal.

Na avaliação da cúpula do movimento, uma das poucas armas dos apoiadores do governo e do PT, para desinflar o protesto, é instigar o medo. "Com declarações vagas, os 'vermelhos' estão tentando incitar a violência para esvaziar o movimento", afirma um dos organizadores, que prefere o anonimato.

Embora a direção do PT não tenha convocado manifestações para o mesmo dia, movimentos sociais ligados ao partido também chamaram, para o domingo, protestos em defesa do governo e de Lula, o que aumenta a chance de confrontos nas ruas.

Como o custo de participação dos manifestantes anti-PT cresce na medida em que sobe a probabilidade de violência, o comando do Vem Pra Rua passou a priorizar a segurança. Em São Paulo, nas últimas três semanas, já foram realizadas quatro reuniões com o grupo destacado pela Polícia Militar para acompanhar o protesto. Nesta quarta-feira, haverá uma quinta reunião. O VPR, organizado de forma bastante hierárquica, conta com três coordenadores para a área de segurança, apenas na capital paulista.

Há ainda coordenadores de captação de recursos, relações institucionais, mídia digital, entre outros. Sua página no Facebook, que contava com 600 mil seguidores no terceiro protesto, em agosto, agora tem quase 920 mil. De acordo com o contador de abrangência do VPR, que mede o alcance das publicações e vídeos postados pela internet, 23 milhões de usuários individuais entraram no Facebook do movimento ou receberam algum conteúdo lançado pelo Vem Pra Rua na última semana.

Um deles, divulgado maciçamente, foi o vídeo em que a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) faz uma defesa de Lula, após o depoimento do ex-presidente à Polícia Federal na sexta-feira. Enquanto a parlamentar fala para a câmera de seu celular, é possível ver e ouvir Lula, ao fundo, conversando ao telefone, e dizendo "Eles que enfiem no ** todo o processo".

 

O movimento, nas palavras de um dirigente, "usou e abusou" desse vídeo nas redes sociais. O Vem Pra Rua, no entanto, adotou como estratégia não utilizar a palavra impeachment para convocar a manifestação. Uma das razões é que, de acordo com pesquisas feitas com simpatizantes do VPR, existe uma aceitação quase unânime pelo 'Fora Dilma', mas não tão grande pelo impeachment, que se tornou palavra estigmatizada e associada à ascensão do vice-presidente Michel Temer, do PMDB, considerado do mesmo "balaio" do PT.