O globo, n. 30132, 05/02/2016. País, p. 3

A FACE PARALISANTE DO VÍRUS

Antônio Pedro já atendeu 16 pacientes com Guillain- Barré só este ano; síndrome está associada ao zika
Por: Ana Lucia Azevedo

 

ANA LUCIA AZEVEDO
ala@oglobo.com.br

    Jovens adultos lutam para sobreviver após desenvolver uma forma severa da síndrome de Guillain- Barré, doença neurológica que tem sido associada à infecção pelo vírus zika. Dois dos seis internados no Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense ( UFF), em Niterói, estão em estado muito grave. Todos tiveram zika no Estado do Rio e, duas semanas depois, começaram a apresentar sintomas de comprometimento do sistema nervoso. Alguns ficaram totalmente paralisados. Sua batalha é contra a doença e a falta de recursos públicos para dar assistência a vítimas do zika. Em janeiro, o hospital atendeu outros dez casos, de pacientes menos graves e que já receberam alta.

    Normalmente, não costuma receber mais de cinco por ano. A correlação entre o zika e distúrbios neurológicos, como a síndrome de Guillain- Barré, está entre os motivos de a Organização Mundial de Saúde ( OMS) ter decretado a emergência internacional. Embora só uma parcela pequena de pessoas com zika apresente distúrbios neurológicos, estes chamam atenção pela gravidade. Cientistas não sabem se condições preexistentes dos pacientes, como doenças autoimunes e uso de corticoides, poderiam ter ligação com o problema. Tampouco se haveria predisposição genética.

     

    ESPECIALISTA ESTÁ ALARMADO

    No Antônio Pedro, que, como tantos outros, sofre com a falta de recursos, funciona um laboratório de referência para doenças do sistema nervoso periférico na América Latina, como a síndrome de Guillain- Barré. Há especialistas altamente capacitados. Sobram pacientes. E faltam remédios e equipamentos. À frente do atendimento e das pesquisas sobre a relação entre zika e Guillain- Barré está o professor titular e coordenador de pesquisa e pós- graduação em Neurologia da UFF, Osvaldo Nascimento. Ele tem trocado informações com médicos que atendem vítimas de Guillain- Barré em Pernambuco e Rio Grande do Norte, e está alarmado.

    — Temos visto que os casos associados ao zika parecem ser mais severos, com lesão dos axônios ( prolongamentos dos neurônios que conduzem impulsos nervosos), do que os casos clássicos de GuillainBarré. Além disso, o número de doentes que chegam a nós aumentou muito. Só em janeiro foram seis casos graves e outros dez com sintomas menos severos, que não necessitaram de internação — afirma Nascimento, que preside o segmento da Academia Brasileira de Neurologia no Rio.

    Nascimento está entre os quase 400 pesquisadores que se uniram ontem à rede de pesquisa de zika, dengue e chicungunha criada pela Faperj para estimular e acelerar a luta contra a epidemia causada pelo Aedes aegypti.

    — Sabemos ainda muito pouco sobre como zika causa a Guillain- Barré. E tampouco o motivo de certas pessoas apresentarem a forma branda ou assintomática de zika e outras evoluírem para um quadro tão grave. Tampouco sabemos por que a doença parece evoluir de forma diferente. São quadros distintos daqueles que costumamos ver com GuillainBarré, na qual 20% evoluem com gravidade e 5% chegam a óbito, mas acontece apenas entre 0,5 e 4 pessoas num grupo de 100.000 habitantes. O que é raro está se tornando, neste surto de infecção pelo zika, frequente. Esperamos que a rede de pesquisa nos ajude a ter mais recursos e acelerar os estudos. É uma urgência — diz o médico.

    Entre os casos mais severos que Nascimento menciona está o de um jovem completamente paralisado, que respira com a ajuda de aparelhos. Ele está consciente, mas consegue mexer apenas os olhos para se comunicar.

    — É muito desesperador ver casos como esse. E temos mais um paciente na mesma situação, uma mulher. Jovens pais e mães de família são tirados de suas casas, de seus empregos por uma doença que poderia não ter acontecido, se não fosse a disseminação do vírus — frisa Nascimento.

    Em alguns pacientes com zika, a GuillainBarré compromete o sistema nervoso central, o que não costuma ser visto normalmente nesta síndrome. O tratamento desses pacientes é muito caro. E médicos como Nascimento se preocupam em como continuarão a poder atendê- los. Eles precisam de imunoglobulina e plasmaferese.

    — Só o custo por dia da UTI por paciente é de cerca de R$ 10 mil. Se você incluir os remédios, chegamos à casa dos R$ 50 mil por paciente em UTI por dia. É preciso uma ação urgente de autoridades municipais, estaduais e federais. Dos 18 leitos da UTI apenas oito são viáveis, todos ocupados com doentes graves. Se vier mais um, não podemos atender.

    A situação de falta de recursos para a Saúde atinge em cheio as vítimas do zika. E recuperar um paciente na UTI é só a primeira parte do drama. As sequelas costumam ser graves; muitas vezes, a reabilitação leva anos e demanda assistência altamente especializada.

    — Não temos como oferecer isso. Mas temos na UTI do hospital pacientes com esclerose lateral amiotrófica, uma doença paralisante, que estão internados há anos — lamenta o médico.

     

    “O que é raro está se tornando, neste surto de infecção pelo zika, frequente. Esperamos que a rede de pesquisa nos ajude a ter mais recursos. É uma urgência”
    Osvaldo Nascimento
    Especialista da UFF

     

    CONHEÇA A DOENÇA

    NEUROPATIA TEM TRATAMENTO, MAS CASOS GRAVES PODEM MATAR

    A síndrome de Guillain- Barré é uma ma doença neurológica que provoca fraqueza za muscular. O sistema imunológicoico da pessoa ataca suas as células e tecidos saudáveisudáveis por engano. O alvo é a

    mielina, membrana que envolve as fibras nervosas

    e ajuda na transmissão de sinais do cérebro para o resto do corpo. Os casos observados agora em pessoas que tiveram zika apresentam paralisia total. Os pacientes só respiram com a ajuda de aparelhos

    Médicos suspeitam de comprometimento do sistema nervoso central

     

    Causas

    Na maioria dos casos ela está associada a infecções virais agudas, como gripe, hepatite, dengue ou por citomegalovírus e, agora, pelo zika. A teoriate é que uma resposta imunológica extrema a estas doenças desencadeia os ataques aos nervos

     

    Sintomas

    Em geral aparecem entre duas e três semanas depois da infecção viral ou bacteriana e são caracterizados por uma progressiva fraqueza muscular ascendente, isto é, da parte inferior do corpo ( pernas) para a superior

    A fraqueza pode vir acompanhada de formigamento e perda de sensibilidade nos braços e pernas; dor nas costas, quadris e coxas; palpitações e taquicardia ( coração acelerado); alterações e oscilações na pressão sanguínea ( hipo ou hipertensão); enjoos, vertigens e desmaios; falta de coordenação motora; dificuldade em controlar urina e fezes

    Nos casos mais graves ocorrem paralisia, dificuldades para engolir e para respirar, podendo levar à morte por insuficiência respiratória