O globo, n. 30135, 08/02/2016. Economia, p. 13

Papel tipo exportação

Com dólar e demanda da China por produtos higiênicos, vendas de celulose ao exterior avançam
Por: GLAUCE CAVALCANTI

 

GLAUCE CAVALCANTI

glauce@ oglobo. com. br

 

O nome é eucalipto, mas, no Brasil da crise, pode ser chamado de “árvore do dinheiro”. É matéria- prima para a produção de papel e celulose. Em plena recessão econômica, e alheio à tempestade que mergulhou outras commodities em ondas de queda de preço e receita, o setor viu suas exportações engordarem em 6,1% em 2015, totalizando US$ 7,8 bilhões. Só a celulose, cujas exportações subiram 8,6% ano passado, figura em sétimo lugar na lista dos produtos campeões de vendas para o exterior no Brasil — num ranking liderado por soja, minério de ferro e óleos brutos de petróleo — mas é a única, entre esses sete primeiros, a apresentar desempenho positivo, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Pavimentando essa estrada de crescimento para papel e celulose está a expansão do consumo de papéis sanitários e embalagens, sobretudo em países emergentes. Papéis sanitários, conhecidos como tissues, é uma categoria que engloba papel higiênico, fraldas descartáveis, absorventes e guardanapos, entre outros itens afins. Não à toa, a demanda em expansão vem principalmente de países emergentes e, com destaque especial, da China. Já o segmento de embalagens cresce a reboque do avanço em consumo de alimentos e outros produtos de uso rotineiro.

Entre 2007 e 2016, segundo a Fibria, com base em dados da Risi, especializada em informações sobre a indústria global de produtos florestais, a demanda por tissues subiu 1,4% nos mercados desenvolvidos e 6,7% nos emergentes. É um segmento de grande potencial de expansão. Para se ter uma ideia, em 2013, o consumo anual de papel sanitário per capita bateu 24 quilos na América do Norte e 15 quilos na Europa Ocidental. Na América Latina, no mesmo ano, ficou em 6 quilos; na China, em 5 quilos.

 

EXCEÇÃO ENTRE ‘ COMMODITIES’, PREÇO SOBE

O Brasil é o quarto maior produtor de celulose do mundo — atrás de China, EUA e Canadá, segundo o Ibá, que reúne a indústria brasileira de árvores — e o primeiro em celulose de eucalipto. Os produtos sanitários são feitos a partir da chamada celulose de fibra curta, que pode ser produzida a partir de eucaliptos, caso do Brasil, e do pinus. O segredo do sucesso vem de uma combinação de fatores:

— Em 2015, houve aquecimento da demanda, não há sobreoferta do produto, o preço da tonelada foi reajustado quatro vezes para cima e o efeito cambial é extremamente favorável ao Brasil. Além disso, a indústria brasileira é a mais produtiva do mundo, a vantagem competitiva é grande — explica Elizabeth de Carvalhaes, presidente executiva da Ibá.

Ano passado, a tonelada da celulose chegou a valer US$ 811,17, fechando 2015 a US$ 788,91, alta de 6,25%, numa exceção entre as principais

commodities, que se desvalorizaram no ano passado. Na última terça- feira, valia US$ 773,59.

O clima favorável teve ajuda de peso da engenharia arbórea de ponta. Com isso, ao alto rendimento florestal do Brasil somou- se a vantagem cambial, conta Felipe Reis, analista do Santander:

— No Brasil, a árvore de eucalipto está pronta para o corte em sete anos. No Chile, são 18 anos. Já o pinus, usado para a produção na Europa, demora de 25 a 30 anos. Com investimentos robustos em novas e modernas linhas de produção, o Brasil avança em competitividade no mercado mundial. Há riscos de sobreoferta no futuro, mas, por ora, a tendência é de expansão.

Em 2015, o setor de papel e celulose foi o de maior crescimento de valor de mercado na Bolsa, com expansão de 59,6% ou R$ 26,6 bilhões, segundo a Economática. A Klabin, líder no segmento de papéis no Brasil, foi a que apresentou a maior alta: 66,4%, valendo R$ 23,1 bilhões em 18 de dezembro. Atrás dela, vieram Suzano Papel e Celulose (+ 61,2%) e a Fibria ( 55,1%).

Maior fabricante de celulose de eucalipto do mundo, a ação da Fibria foi a de melhor desempenho entre as mais líquidas da Bovespa, com valorização de 71,44% ano passado. O setor de papel e celulose tem três das quatro ações que apresentaram maior valorização na Bolsa.

É cenário oposto, lembra Reis, do Santander, ao enfrentado pelo setor cinco anos atrás, quando as gigantes estavam altamente endividadas.

A virada para o azul, ou verde eucalipto, vem se traduzindo em robustos investimentos em aumento de capacidade, que crescerá em 6,5 milhões de toneladas ao ano a partir de 2018. Hoje, são 17,2 milhões de toneladas, segundo o Ibá. Sempre na contramão da indústria como um todo, puxam, por consequência, abertura de novos postos de trabalho e, com geração própria de energia, entregam excedente ao mercado.

Em operação desde 2012, a jovem Eldorado Brasil — que tem como controladora a J& F Investimentos, dona da JBS — está investindo R$ 8 bilhões em uma nova linha de produção em Três Lagoas ( MS), com abertura prevista para o fim de 2018. Vai saltar das atuais 1,7 milhão de toneladas para 4 milhões de toneladas.

— A expansão da demanda mundial por celulose, com alta estimada em 1,5 milhão de toneladas em 2015, requer uma nova fábrica de grande escala a cada ano e meio — afirma José Carlos Grubisich, presidente da Eldorado Brasil.

Mais de 90% da produção da companhia vão para o mercado externo. A Ásia fica com metade do total, com uma fatia de 50% para a China.

Autossuficiente em produção de energia a partir de biomassa, a Eldorado estima chegar à produção de 510 Megawatt- hora ( MWh) quando a expansão estiver concluída. Poderá vender 240 MWh excedentes ao sistema nacional. Não é pouca coisa. Poderá representar 10% do faturamento da empresa.

A Fibria faz aporte de R$ 8,7 bilhões no projeto Horizonte 2, expansão de sua unidade também localizada em Três Lagoas, com início das operações previsto para o fim de 2017, ampliando a capacidade produtiva das atuais 5,3 milhões de toneladas para sete milhões. As obras vão gerar 40 mil empregos e, uma vez pronta, a fábrica terá três mil postos de trabalho diretos e indiretos.

— Tivemos resultados recordes em 2015, com lucro de R$ 357 milhões. A expansão para a China, apesar da desaceleração, foi de 14% em 2015 — disse Marcelo Castelli, presidente da companhia, destacando que 54% da produção são transformados em papéis sanitários.

Castelli acredita que, num mercado mais e mais competitivo, há tendência de parcerias e consolidação, mas não de aquisições, devido à competitividade em alta. A Fibria, por exemplo, fechou um acordo com a Klabin. Vai comercializar para fora da América do Sul a produção do projeto Puma, que a papeleira põe em operação no mês que vem.

O Puma, investimento de R$ 5,8 bilhões no Paraná, abre um novo negócio para a Klabin: a produção de 1,5 milhão de toneladas de celulose por ano para exportação. Hoje, toda a produção é usada diretamente pela companhia em papéis e cartões para embalagens. O projeto ficará na unidade da empresa em Ortigueira ( PR) e o valor do investimento exclui ativos florestais, melhorias em infraestrutura e impostos.

— Com Puma, vamos exportar celulose para Ásia, Europa e América do Norte. Para este ano, já vendemos 100% da produção de celulose de fibra curta e 70% de fibra longa e fluff ( usado em fraldas e absorventes), ou cerca de 80% do total — diz Fábio Schvartsman, presidente da Klabin.

De outubro a dezembro, a Klabin elevou exportações em 52% ante igual período de 2014, para 38% da produção. Em 2011, essa fatia era de apenas 19%. O lucro foi a R$ 520,6 milhões no trimestre passado, frente a prejuízo de R$ 127 milhões um ano antes.

 

VENDAS NO BRASIL EM QUEDA

O lado negativo do negócio está no mercado doméstico, que sofre as consequências da crise econômica. No Brasil, as vendas de papel caíram 4,6% ano passado e as de painéis de madeira, outro produto do setor, recuaram 11,3%.

Com grande parte de sua dívida atrelada ao dólar, a Suzano Papel e Celulose fechou o terceiro trimestre com prejuízo próximo de R$ 1 bilhão, embora a geração de receita venha melhorando. A receita líquida subiu 47,7% de janeiro a setembro de 2015, contra igual período de 2014, para R$ 7,5 bilhões. No terceiro trimestre, a companhia teve recorde de produção e de vendas.

Os resultados mais recentes ainda não foram divulgados, e a Suzano está em período de silêncio. Uma das grandes do setor, também faz apostas estratégicas. Em novembro, anunciou investimento de R$ 1,1 bilhão na modernização e ampliação da capacidade em Mucuri ( BA) e Imperatriz ( MA). As localidades receberão ainda duas fábricas de bobinas para a conversão em papel higiênico, com aporte de R$ 425 milhões. Mês passado, fechou a compra de duas máquinas para o chamado Projeto de

Tissue, com capacidade para produzir 60 mil toneladas por ano cada uma. A operação começa no segundo semestre de 2017. A Suzano estima que a demanda por tissue no Brasil cresça 5% ao ano.