O Estado de São Paulo, n. 44.694, 29/02/2016. Política, p. A6
Por: Isabela Bonfim
O Senado pretende esperar o avanço dos inquéritos sobre Delcídio Amaral (PT-MS) no Supremo Tribunal Federal (STF) para dar continuidade ao processo contra o senador no Conselho de Ética da Casa. A estratégia para protelar o julgamento do petista no Legislativo, que poderia resultar em sua cassação, é alegar falta de informação sobre os casos em tramitação na corte suprema.
Delcídio foi preso preventivamente em novembro, acusado de tentar dificultar as investigações da Operação Lava Jato. Ele foi solto em 19 de fevereiro, mas responde a três inquéritos no STF por suposto envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás. As peças das investigações são mantidas em segredo de Justiça. Embora alegue falta de dados sobre os casos, o Senado não fez nenhum requerimento de informação desde que foi protocolada a representação contra o senador no Conselho de Ética, há três meses.
A estratégia para atrasar o andamento do processo foi dada pelo Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), logo após a primeira reunião do conselho, na última quarta-feira. “O Conselho de Ética não tem como inverter o processo e fazer um julgamento político sem saber o que acontece no processo judicial. É preciso conectar as coisas”, defendeu. Segundo ele, a lógica do colegiado é avaliar como o processo político leva em conta o que está acontecendo no processo judicial. Por isso, alega, o acesso aos inquéritos seria essencial.
A interpretação de Renan segue um dos principais argumentos enviados ao Senado pelo advogado de defesa de Delcídio, Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dipp defende o direito à presunção de inocência, que admite que Delcídio não tem culpa até que seja condenado pela Justiça. A defesa caracteriza como “dano irreparável” qualquer punição no Senado, caso Delcídio seja inocentado posteriormente pelo Supremo.
Espera. Após a declaração de Renan, o posicionamento rapidamente se difundiu entre os demais senadores. Entre integrantes do conselho, predomina a avaliação de que o Senado não deve deliberar sobre a cassação de Delcídio antes de uma decisão do STF.
A ideia de alongar o processo contra Delcídio é pluripartidária. Tanto os senadores do PT quanto da oposição estão desconfortáveis com a situação de julgar um colega de trabalho. Delcídio teria ameaçado entregar outros senadores envolvidos em esquemas de corrupção em delação premiada – o que o senador desmentiu, em carta enviada aos pares. A cúpula do PMDB, que possui três senadores investigados pela Lava Jato, é a mais engajada em atrasar a tramitação do processo.
Não há consenso entre os senadores se é preciso aguardar eventual julgamento de Delcídio ou se somente uma possível denúncia do Ministério Público Federal à Justiça seria suficiente para fazer o processo no conselho andar com celeridade. O colegiado é uma instância diferente da Justiça e, ao avaliar outros casos, não atrelou suas atividades ao Judiciário.
Prazos. O presidente do conselho, João Alberto Souza (PMDB-MA), aliado de Renan, avalia que se trata de uma questão delicada. Ele não soube responder se será necessário esperar pela decisão do STF. “Vamos supor que se faça uma opção pela condenação de Delcídio agora e, mais tarde, o tribunal decida por inocentá-lo. Como fica?”, questionou.
Não há previsão para que o STF dê encaminhamento às investigações sobre Delcídio. João Alberto, que previa que o processo fosse finalizado em até 60 dias, já avalia que a tramitação possa ser mais longa caso o relator julgue necessário receber mais informações do tribunal. “Até agora, o único documento que temos contra o senador Delcídio é a degravação de uma conversa. Os senadores e o relator vão decidir se precisam solicitar mais documentos”, explicou.
PARA LEMBRAR
Atitude sem precedentes
O desfecho de processos de cassação por quebra de decoro parlamentar no Senado nunca dependeu do andamento de ações da Justiça. Os dois senadores que perderam seus mandatos a partir da Constituição de 1988 foram punidos muito antes de os tribunais julgarem os crimes a eles atribuídos. Luiz Estevão (PMDB) perdeu a cadeira de senador pelo Distrito Federal em 2000. Acusado de envolvimento no esquema de desvio de verbas das obras do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, ele só viria a ser condenado pela Justiça do Estado seis anos mais tarde, mas recorre desde então em liberdade. Demóstenes Torres (DEM-GO) perdeu o cargo em 2012. Ele era acusado de receber supostas vantagens indevidas e de defender interesses do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.