Força - tarefa para inibir o caixa dois

Hédio Ferreira Júnior

16/02/2016

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou ontem que as próximas eleições municipais poderão ser abastecidas com recursos desviados da Petrobras. Ele anunciou a criação de uma área de inteligência no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — cuja presidência assume em maio —, para que o país “não seja surpreendido” no pleito de outubro. Para o magistrado, é grande o risco de o dinheiro ilícito da propina paga por empreiteiras interessadas em fechar contratos com a estatal ser repassado a laranjas que se passarão de doadores dos partidos ou dos candidatos — a legislação permite que uma pessoa poderá doar até 10% dos rendimentos do ano anterior.

“Se de fato houve apropriação de recursos ilícitos em montantes muito significativos, pode ser que esses recursos venham para as eleições na forma de caixa dois ou até na forma disfarçada de caixa um. Tudo isso precisa ser olhado com muita cautela”, afirmou. Em São Paulo, onde participou de um evento na sede da Federação das Indústrias (Fiesp), o ministro alertou para “os escândalos todos que se acumulam, associados muitas vezes ao financiamento eleitoral”.

A declaração de Gilmar, que assumirá a presidência do TSE, foi dada um dia depois da divulgação de que o juiz federal Sergio Moro sugeriu ao Tribunal Superior Eleitoral que ouça os delatores da Operação Lava-Jato sobre desvio de recursos públicos para campanhas eleitorais do PT. Em ofício encaminhado à Corte em outubro do ano passado, Moro afirmou que há provas de que houve repasse a candidaturas do partido em troca de contratos da Petrobras. O esquema seria mascarado como doações eleitorais oficiais e também entregue como caixa dois.

Documentos de 10 ações penais em primeira instância da investigação foram encaminhados ao TSE para subsidiar um dos quatro processos que podem resultar à perda de mandato da presidente Dilma Rousseff e do seu vice, Michel Temer.

Em parecer divulgado ontem pelo Jornal Nacional, Ministério Público Eleitoral informou que a presidente Dilma pediu para que os documentos emitidos por Moro não fossem usados como provas. Segundo ela, os requisitos usados para admissão não estão presentes no texto.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, negou o argumento da defesa alegando não haver qualquer irregularidade desde que o conteúdo fosse colocado sob acesso aos acusados. Ele afirmou ainda que quer ouvir testemunhas sobre o caso.

O coordenador jurídico da campanha da presidente, Flávio Caetano, disse que as argumentações de Sérgio Moro não tratam da campanha de 2014. Já o PT afirmou que recebeu todas as doações dentro da legalidade.

“Inteligência alheia”

Gilmar Mendes criticou enfaticamente o veto às empresas de fazerem repasses nas campanhas — em 2016, pela primeira vez, o processo eleitoral seguirá esse modelo. O ministro não citou nenhum partido, mas apontou para o esquema de propinas na estatal petrolífera desmontado pela Lava-Jato. “Uma questão fácil, típica até do populismo constitucional, ‘ah, agora a gente vai resolver o problema’. ‘Ah, a causa da corrupção está no financiamento privado’. Logo, tudo o que ocorreu aí, especialmente agora no petrolão, está associado a esse fenômeno. O próprio Supremo disse que o financiamento privado é inconstitucional, então estamos absolvidos, até anistiados. Absolvidos, claro. Vamos entrar numa nova fase. Façam o que quiserem, não tomem a gente como bobos. Respeitem a inteligência alheia.”

O ministro invocou seu próprio voto no Supremo, ainda em 2015, contra a proibição imposta às pessoas jurídicas de doarem aos políticos. Ele disse que, se “o partido do governo” recebeu um terço dos desvios na Petrobras — estimados em R$ 20 bilhões —, poderá financiar suas campanhas por longos anos. “Se ele (PT) gastou na campanha presidencial (de 2014, quando Dilma Rousseff foi reeleita) R$ 360 milhões, então tem dinheiro para campanhas aí até 2038, não é? Precisamos olhar isso com cuidado.”

Para Mendes, é provável que haja tentativas de burlar a lei eleitoral e será preciso contar com a ajuda do eleitorado nessa fiscalização. “Veja que, em grande parte dos municípios, os vereadores, em princípio, não poderão gastar mais que R$ 8 mil. Essa foi a decisão do Congresso. É uma quantia pequena. Talvez tenhamos uma campanha ecológica. Essas pessoas farão campanha de bicicleta, não é? Porque não dá para comprar muitos tanques de gasolina considerando esse limite. As campanhas para prefeito não podem ultrapassar R$ 100 mil. Ora, vamos ter que lidar com isso e, de fato, informar a sociedade, divulgar quais são os limites nos 5.800 municípios brasileiros e chamar a atenção.”

Sobre os quatro pedidos de cassação de mandato da presidente Dilma e do vice Michel Temer, sob crivo do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro disse que não acredita em manobras protelatórias. “Agora que houve a citação vamos ter a apresentação das provas, a oitiva de testemunhas. Não acredito que haja manobras dilatórias. E, se houver, o TSE dispõe de mecanismo para inibir”, concluiu.

Parecer pelo arquivamento

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) parecer contrário ao prosseguimento de uma das ações que pede a cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer. Segundo ele, a “Procuradoria-Geral Eleitoral não se convenceu” de que as provas no processo, que tratam sobre suposto abuso de poder político e econômico envolvendo os Correios, autorizam a cassação do mandato. A ação apresentada pela Coligação Muda Brasil, liderada pelo PSDB, afirma que Dilma Rousseff e o vice Michel Temer teriam utilizado a empresa dos Correios para postagem indevida de propaganda eleitoral. Para Janot, ficou comprovado que o serviço foi contratado e pago pela coligação de Dilma.

 

Correio braziliense, n. 19258, 16/02/2016. Política, p. 2