O globo, n. 30131, 04/02/2016. País, p. 6

OMS em alerta com transmissão sexual do zika

Especialista diz que não há motivo para alarde no Brasil, onde o contágio pelo mosquito está disseminado

 

ANA LUCIA AZEVEDO

ala@oglobo.com.br

 

- RIO E BRASÍLIA- Se não bastasse o mosquito, agora o sexo. Cresceu ontem o receio de que o vírus zika possa ser transmitido por via sexual em escala mais frequente do que a imaginada. Porém, segundo o virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, um dos pioneiros na pesquisa do zika e o único brasileiro a integrar o comitê sobre a doença da Organização Mundial de Saúde ( OMS), não há motivo para alarde no Brasil. O mosquito é o principal meio de transmissão do zika e deve ser o foco da prevenção, afirma ele.

Pesquisador do Instituto Evandro Chagas, no Pará, Vasconcelos está em Galveston, no Texas, reunido com outros especialistas no laboratório da Universidade do Texas. Eles estudam o vírus e o desenvolvimento de uma vacina a partir de amostras coletadas no Brasil. O alerta da OMS sobre o risco de o sêmen transmitir zika soou após a divulgação da contaminação de uma pessoa de Dallas, nos Estados Unidos, por via sexual. Essa pessoa contraiu o vírus após fazer sexo com outra que chegou com sintomas de zika da Venezuela.

 

USO DE CAMISINHA

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos ( CDC) confirmou que foi contágio sexual e recomendou aos homens que viajarem para países com epidemia que usem camisinha. E aqueles que adoecerem de zika devem evitar relações sexuais por um período de quatro a oito semanas. Sugeriu ainda que gestantes devem “evitar o contato com o sêmen de homens recentemente expostos ao vírus”.

— É importante estudar com cuidado essa possível transmissão sexual — disse ontem um porta- voz da OMS.

Para Pedro Vasconcelos, essas medidas podem ser razoáveis para um país sem grande dispersão do Aedes aegypti. Mas no Brasil e em toda a América Latina, onde o mosquito está amplamente difundido, não têm impacto, porque toda a população está exposta ao risco de ser picada, meio de contágio principal.

— É praticamente impossível provar que alguém foi contaminado por via sexual nos países infestados pelo Aedes aegypti, porque o mosquito é a principal via. O vírus evoluiu para ser preferencialmente transmitido pelo mosquito — explica o virologista.

Vasconcelos explica que o zika possivelmente sofreu algum tipo de mutação que o tornou capaz de sobreviver em fluidos corporais, como o sêmen e a urina, por mais tempo. Arbovírus ( vírus transmitidos por insetos) como o zika não são disseminados dessa forma. Porém, desde 2008 sabe- se que ele pode sobreviver por algum tempo no sêmen, o suficiente para ser transmitido.

— Talvez fique por algumas semanas ativo no sêmen. O quanto exatamente, não sabemos — disse Vasconcelos.

Em 2008, um homem do Colorado contaminou a mulher com zika após voltar doente da África. A mulher jamais foi picada por mosquito, e acabou por se descobrir que o meio de contágio foi sexual. Em 2015, cientistas isolaram o vírus do sêmen de um taitiano com zika. O caso de Dallas é o terceiro comprovado no mundo.

Especialista em arbovírus — já participou do isolamento de centenas deles na Amazônia —, Vasconcelos afirma que tudo no zika é novo.

— O sexo é uma via secundária de contágio. Mas evidentemente precisa ser estudada. Como tudo sobre o zika, ainda sabemos pouco. Já sabemos que ele se mantém mais tempo no sêmen e na urina do que no sangue. Isso é novo. Por que acontece, um mistério. Assim como é um mistério como consegue afetar o desenvolvimento do sistema nervoso central de forma tão devastadora. E precisamos descobrir logo. Isso é fundamental para tratar e prevenir a infecção — destaca o cientista.

 

ANVISA AUTORIZA CINCO TESTES

No Brasil, depois de uma análise em tempo recorde, cerca de 20 dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( Anvisa) autorizou a comercialização de cinco testes, de uso em laboratório, para diagnóstico de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Três deles são capazes de detectar o vírus zika, relacionado à epidemia de microcefalia.

O tempo para o resultado varia dependendo do produto: de algumas horas a até 3 dias, segundo a Anvisa. A partir da autorização para comercializar os testes, publicada ontem no Diário Oficial da União, as empresas já podem começar a vendê- los. Os laboratórios com o aval da Anvisa são o alemão Euroimmun e o brasileiro Quibasa.

Dos cinco testes, dois detectam dengue, zika e chicungunha. Um é só para zika, outro apenas para dengue e ainda há um só para a chicungunha. A expectativa do Quibasa é que os testes autorizados pela Anvisa possam começar imediatamente a ser vendidos a laboratórios privados e públicos do país.

A metodologia usada só permite a identificação do vírus na fase aguda da infecção. O problema é que 80% dos pacientes que contraem zika não apresentam sintomas. Nesses casos, os kits de diagnóstico produzidos pelo Euroimmun serão capazes de detectar o vírus tempos depois da infecção, rastreando os anticorpos produzidos pelo organismo do doente. Os testes da Euroimmun identificam os três vírus.

 

Perguntas e respostas

 

— Como o vírus zika é transmitido?

— Na grande maioria dos casos é por meio da picada do Aedes aegypti. Em casos raros, por sexo, transfusão de sangue e, possivelmente, leite materno.

 

— Como o zika é transmitido pelo ato sexual?

— De uma forma que cientistas ainda desconhecem, ele consegue escapar do sistema de defesa humano e permanece no organismo, em fluidos corporais, por mais tempo. Curiosamente, não fica muito tempo no sangue após a infecção.

 

— Por quanto tempo ele ficaria no sêmen?

— Por algumas semanas. O tempo exato é desconhecido. Depois, é destruído.

 

— Por que o zika não é tão intensamente transmissível por sexo como outros vírus, entre eles o HIV ( o vírus da Aids)?

— Porque ele é um arbovírus, uma classe de micro- organismos que precisa do mosquito como parte do seu ciclo de vida. Os arbovírus se replicam dentro do mosquito antes de infectar alguém. Esses vírus não sobrevivem muito tempo nos fluidos corporais humanos. São atacados pelo sistema imunológico e somem.

 

— O vírus da Aids é diferente?

— Ele é de uma classe totalmente diferente de vírus, um lentivírus. O HIV ataca justamente o sistema imunológico humano e pode permanecer nos fluidos corporais por toda a vida de uma pessoa infectada.

 

—E o vírus ebola?

— Ele também é muito diferente do zika. É um filovírus que se transmite justamente pelos fluidos corporais. Está adaptado a sobreviver nos fluidos por mais tempo, mas menos que o HIV.

 

— Quais as formas de se proteger da doença?

— O mais importante é eliminar os criadouros de mosquito. De 80% a 90% dos criadouros do mosquito estão dentro de casa. O repelente é uma medida de proteção importante, mas não deve ser a única. Deve ser reaplicado ao longo do dia. A pessoa deve proteger pés, pernas e braços com tecidos grossos.

 

— O que deve fazer a pessoa com sintomas da doença?

— Deve repousar e beber muita água e outros líquidos, para evitar desidratação. Não existe tratamento específico. Porém, o Ministério da Saúde recomenda procurar um serviço de saúde para atendimento e tratar os sintomas. Grávidas devem fazer pré- natal e relatar qualquer alteração durante a gestação.