Valor econômico, v. 16, n. 3960, 10/03/2016. Política, p. A9

PT apresenta projeto para revogar decisão do STF sobre prisões

Raphael Di Cunto

Thiago Resende

Em reação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou que a Justiça pode executar prisões após a condenação criminal em segunda instância, sem precisar aguardar o trânsito em julgado das sentenças, o PT apresentou projeto de lei na Câmara dos Deputados para revogar a decisão e recuperar o efeito suspensivo dos recursos.

A proposta, do deputado Wadih Damous (PT-RJ), espécie de guru jurídico da bancada e conselheiro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu apoio de PMDB, PR, PTB e PSC e terá a urgência votada no plenário da Câmara na próxima semana. "Tem que ser dado o direito de defesa. A Constituição não foi mudada", diz o líder do PT, Afonso Florence (BA). A oposição é inicialmente contra, mas ainda não tem posição fechada.

Se aprovado, o projeto revogará o impacto da decisão do Supremo, que em fevereiro mudou, por sete votos a quatro, a jurisprudência de que é preciso aguardar o julgamento de todos os recursos - o chamado trânsito em julgado - para aplicar a sentença criminal e passou a permitir a execução provisória da pena se confirmada pela segunda instância do Judiciário.

A mudança levou, por exemplo, o ex-senador e empresário Luiz Estevão, condenado em 2006 por corrupção ativa, estelionato, peculato, formação de quadrilha e uso de documento falso, mas que recorria em liberdade, à prisão. Dois dos crimes, contudo, já estão prescritos.

Pelo projeto, os recursos extraordinário - interposto ao STF - e especial - ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) - voltarão a ter efeito suspensivo e impedirão a execução da pena. Além de partidos, o texto é apoiado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade da qual o petista foi presidente no Rio de Janeiro.

Conforme mostrou o Valor, a decisão tem sido aplicada em outras situações, como de juízes do trabalho que determinaram a quitação de dívidas antes do julgamento de todos os recursos. Damous diz que o projeto não tem efeito sobre outras áreas porque esta foi uma interpretação da Justiça do Trabalho sobre o tema que não foi abordada pelo STF.

Para o petista, que é autor de projeto para mudar a legislação sobre delação premiada com o objetivo de coibir os "abusos" da Lava-Jato, a interpretação do STF foi equivocada. "Dentre as conquistas da Carta de 1988 está a da presunção de inocência, em que o indivíduo jamais poderá ser tratado pelo Poder Público como se culpado fosse até decisão definitiva, transitada em julgado, irrecorrível", diz

Já o líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR), diz que a presunção da inocência se mantêm na primeira e segunda instância do Judiciário e que os tribunais superiores avaliam apenas se foram cumpridas todas as leis, sem a análise de provas. "Esse projeto é encomendado para garantir a impunidade dos investigados no petrolão, para soltar os companheiros e evitar delações", acusa.

Outros partidos de oposição, contudo, ainda não fecharam questão sobre o projeto, criticado por juízes e promotores. O líder do DEM, Pauderney Avelino (AM), diz que a legenda aplaude a decisão do Supremo, que eliminou a "procrastinação ad eternum" das sentenças, mas que precisaria estudar o projeto para falar sobre o mérito. O PSDB não manifestou posição.

Além do PT, apoiaram o requerimento de urgência - que permite votar o projeto direto em plenário, pulando a lenta tramitação nas comissões da Câmara - partidos da base e independentes. Marcelo Aro (PHS-MG), líder do bloco que reúne 78 deputados de PP, PTB, PHS e PSC, afirma que o tema é importantíssimo. "Até então todos tinham o direito de responder ao processo em liberdade, não há porque mudar isso."

O líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), argumenta que a sentença provisória deve ser a exceção. "A presunção da inocência é uma garantia do cidadão contra um erro do Estado. É preferível que um culpado passe três anos à espera do julgamento do recurso para ser preso do que um inocente fique três anos preso à espera da Justiça."

 

Maurício Quintella (AL), líder do PR, defende que há muita influência política e local nos tribunais regionais no Brasil. "Nos países em que há essa regra [de execução] na segunda instância, a taxa de alteração das decisões é baixa. No Brasil é de 25%, um número muito alto", afirma.