Valor econômico, v. 16, n. 3965, 17/03/2016. Política, p. A5

Escuta mostra mostra ação de Dilma a favor de Lula

André Guilherme Vieira

Cristiane Agostine

Letícia Casado

O áudio de uma conversa telefônica entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gravada ontem pela Polícia Federal (PF) com autorização do juiz Sergio Moro, revela a preocupação de Dilma com a possibilidade de Lula ser preso pela Lava-Jato, segundo a interpretação da força-tarefa da operação.

Moro: juiz que conduz a Lava-Jato retirou sigilo da investigação sobre Lula

Na conversa, captada na manhã de ontem, Dilma diz a Lula que enviará a ele o documento de posse para o cargo de ministro da Casa Civil, para usar "em caso de necessidade". No cargo de ministro, Lula tem prerrogativa de foro e só pode ser preso ou investigado com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), ficando fora do alcance das investigações conduzidas em Curitiba. A nomeação de Lula foi formalizada ontem, em edição extraordinária do Diário Oficial.

"Lula, deixa eu te falar uma coisa. Seguinte: eu tô mandando o [funcionário] Messias junto com o papel pra gente ter ele e só use em caso de necessidade, que é o termo de posse", diz a presidente. "Ah, tá bom. Tá bom", responde Lula.

A interceptação telefônica foi realizada às 13h32 pela PF, duas horas depois de Moro ter determinado a interrupção das escutas sobre Lula, às 11h12m. Pouco depois, às 11h44m, a diretora da secretaria da 13ªVara comunicou o juiz que avisou por telefone o delegado Luciano Lima sobre a ordem para o encerramento da escuta telefônica do petista. Em nota, a PF informou que, ao ser notificada, comunicou à companhia telefônica e ainda houve interceptações até o cumprimento da decisão. "Encerrado o sinal fornecido pela companhia, cabe ao juiz decidir pela utilização da prova ".

Desde fevereiro, a PF monitorava os telefones dos investigados na 24 ªfase da Lava-Jato, a "Aletheia", deflagrada em 4 de março e que tem o ex-presidente como o alvo principal.

Na decisão em que autorizou a divulgação das interceptações telefônicas, Moro diz que pelo teor dos diálogos captados, o ex-presidente tentou "influenciar ou obter auxílio" de autoridades do Ministério Público ou da Magistratura para beneficiá-lo. O juiz afirma que foram gravadas referências "à obtenção de alguma influência" junto à ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, "provavelmente para obtenção de decisão favorável ao ex-presidente", e do presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, contra "a imaginária prisão" do ex-presidente.

Segundo Moro, o ex-presidente "já sabia ou pelo menos desconfiava" de que estaria sendo monitorado pela PF, o que teria comprometido "a espontaneidade e a credibilidade" das conversas. O juiz afirma ainda no despacho que "alguns diálogos "sugerem que o petista "tinha conhecimento antecipado de buscas efetivas".

O magistrado diz que é importante dar transparência à investigação sobre Lula "ainda mais em um cenário de aparentes tentativas de obstrução à justiça" e citou o caso do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), preso por obstruir as investigações.

Na conversa gravada no dia 4 de março, quando foi levado coercitivamente para depor aos investigadores, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, Lula pediu para que a presidente Dilma pressionasse a ministra Rosa Weber

para tentar tirar do juiz Moro as investigações contra ele. Na ocasião, Lula falou ao então ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, que conversasse com Dilma sobre a ministra.

Lula disse a Wagner: "Ela [Dilma] está falando dessa reunião, ô Wagner, eu queria que você visse agora, falar com 'ela', já que 'ela' tá aí, falar o negócio da Rosa Weber, que tá na mão dela decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram", afirmou o petista.

Em conversa com a presidente, Lula afirmou que estava assustado com "República de Curitiba" e criticou Moro por fazer um "espetáculo de pirotecnia" contra ele. O petista disse que Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Congresso estão "acovardados" e que o juiz Moro quis se antecipar ao pedido apresentado à Suprema Corte, que estava sob análise de Rosa Weber, para tentar impedir as investigações da Lava-Jato e do Ministério Público de São Paulo. "Nós temos um presidente daCâmara f**, um presidente do Senado f**, não sei quantos parlamentares ameaçados e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar", disse o ex-presidente da República.

Lula contou a Dilma uma ideia para resistir à Lava-Jato, com a antecipação da campanha de 2018. Durante a conversa telefônica com Dilma, monitorada pela PF, Lula também critica a linha de investigação da operação policial que atribui ao ex-presidente conhecimento e participação no esquema de desvio de recursos em diretorias da Petrobras. "A tese deles é de que tudo que estáacontecendo foi uma quadrilha montada em 2003 [primeiro ano do primeiro mandato de Lula] e, portanto, ela perdura até hoje, sabe, e dentro do Palácio, até de dentro do Palácio".

Em outro telefonema, Lula disse ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que é preciso pressionar os auditores da Receita Federal e acompanhar o que o órgão realiza em parceria com a Polícia Federal. Ele pede que Barbosa pressione os responsáveis pela investigação da Receita Federal "porque era preciso você chamar o responsável e falar que p* que é essa?". Barbosa diz a Lula que já pediu justificativas aos responsáveis. Em nota, "o mnistério da Fazenda e a Receita Federal dispõem de instrumentos institucionais que podem ser acionados por qualquer contribuinte para apurar eventuais excessos ou desvios de conduta de seus servidores", afirma o texto.

A força-tarefa da Lava-Jato suspeita que Lula tentava barrar as investigações da operação.

Os indícios decorrem das conversas interceptadas com autorização judicial. Em uma delas, entre Lula e o diretor do Instituto Lula, Paulo Vannuchi, o ex-presidente diz que o ministro da Justiça, Eugênio Aragão, "deveria cumprir papel de homem" no ministério. "O problema é o seguinte, Paulinho, nós temos que comprar essa briga, eu sei que é difícil, sabe? Eu as vezes fico pensando que o Aragão deveria cumprir um papel de homem naquela p*, porque o Aragão parece nosso amigo, parece, parece, parece, mas tá sempre dizendo 'olha'...", diz Lula.

Segundo a PF, "há indícios de que Luiz Inácio Lula da Silva esteja se referindo ao senhor ministro da Justiça Eugênio José Guilherme de Aragão, o qual também é subprocurador geral da República".

Aragão foi nomeado na segunda-feira em substituição a Wellington César Lima e Silva, que não poderia manter o cargo porque é promotor de Justiça, segundo entendimento do STF.

 

Nas conversas transcritas, é revelada uma articulação entre Dilma e Lula para uma reforma maior no ministério. No dia 8 de março, em uma conversa com um interlocutor identificado apenas como "Roberto Carlos", o ex-presidente afirma que havia sido sondado para voltar ao governo, em um contexto em que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci voltaria ao cargo, em lugar do atual ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.

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Data da posse de ex-presidente na Casa Civil é antecipada para hoje

Leandra Peres

Lucas Marchesini

O dia da posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na chefia da Casa Civil da Presidência da República, marcado para terça-feira, foi alterado para hoje às 10 horas depois de divulgados áudios gravados pela Polícia Federal de conversas entre a presidente Dilma e o novo ministro da Casa Civil, Lula, tratando do envio do termo de posse ao ex-presidente para usar em caso denecessidade.

Em nota oficial, o Planalto disse que a divulgação das conversas "afronta direitos e garantias da Presidência da República", que houve "flagrante violação da lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz autor do vazamento" e avisa que tomará medidas judiciais e cabíveis contra o juiz Sergio Moro, que liberou as gravações.

Segundo informações, o ex-presidente Lula não deve participar da posse, que será coletiva, quando também assumem os ministros da Justiça, Eugênio Aragão, da Aviação Civil, Mauro Lopes, e Jaques Wagner, do gabinete pessoal da presidente.

O Planalto disse que a conversa entre Lula e a presidente Dilma Rousseff faz referência ao termo de posse do novo ministro porque Lula "não sabia ainda se compareceria à cerimônia de posse" e que o documento só seria usado "se confirmada a ausência do ministro". O protocolo de posse de ministros de Estado, no entanto, não é esse. Normalmente a presidente assina o termo de posse dos novos integrantes do governo nas cerimônias de posse e depois a nomeação é publicada no "Diário Oficial da União".

"Assim, em que pese o teor republicano da conversa, [a presidente] repudia com veemência sua divulgação que afronta direitos e garantias da Presidência da República", informa a nota oficial. "Todas as medidas judiciais e administrativas cabíveis serão adotadas para a reparação da flagrante violação da lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz autor do vazamento", conclui a nota.

Após a divulgação das gravações, a presidente se reuniu na Alvorada com a cúpula de seu ministério que estava em Brasília. Os ministros da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, das Secretarias de Governo, Ricardo Berzoini, e de Comunicação, Edinho Silva, além do assessor especial, Giles Azevedo ajudaram a definir a reação oficial. Também participou do encontro o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Jorge Messias, citado no diálogo da presidente como quem levou o termo de posse a Lula.

 

À noite, o PSB ingressou com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental no STF para tentar impedir a posse de Lula com o argumento de que a nomeação visa impedir a ação da Justiça.