Estado de São Paulo, n. 44.685, 20/02/2016. Política, p. A6

FHC diz não ter relação com empresa

Ex-presidente afirma que suas remessas ao exterior foram legais, feitas por meio de bancos, e lamenta o ‘uso político de questão pessoal’

Por: Pedro Venceslau

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reafirmou ontem que nunca utilizou qualquer empresa, exceto bancos, para fazer remessas de recursos a pessoas no exterior e lamentou o “uso político de uma questão pessoal” no episódio envolvendo a jornalista Mirian Dutra, com quem ele teve um relacionamento extraconjugal nos anos 1980 e 1990.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Mirian disse que FHC teria usado uma empresa, a Brasif Exportação e Importação, que foi concessionária até 2006 das lojas duty free em aeroportos brasileiros, para enviar dinheiro a ela entre 2002 e 2006. “Todas as remessas internacionais que realizou obedeceram estritamente à lei, foram feitas a partir de contas bancárias declaradas e com recursos próprios resultantes de seu trabalho. Não tem fundamento, portanto,qualquer ilação de ilegalidade.O presidente lamenta o uso político de uma questão pessoal”, declarou a assessoria do ex-presidente em nota.

 

Erro. Em nota divulgada anteontem, o ex-presidente Fernando Henrique afirmara que, “com referência à empresa citada no noticiário (Brasif), trata se de um contrato feito há mais de 13 anos, sobre o qual não tenho condições de me manifestar enquanto a referida empresa não fizer os esclarecimentos que considerar necessários”.

Por causa da referência à empresa Brasif feita pelo ex-presidente na nota, o Estado publicou em sua edição de ontem que Fernando Henrique admitia ter firmado contrato com a empresa, uma interpretação equivocada do texto.

Na nota anterior, FHC também afirmou que fez dois testes de DNA nos Estados Unidos para reconhecimento de paternidade do filho de Mirian, Tomás.

“Para nossa surpresa, o primeiro teste deu negativo, daí o segundo, que também comprovou que não sou pai biológico de Tomas”, disse. “A despeito disso, procurei manter as mesmas relações afetivas e materiais com o Tomás. Daí que tivesse continuado a pagar sua matrícula e sustento em prestigiada universidade americana.

Da mesma forma,doei um apartamento a ele em Barcelona, bem como alguns recursos para fazer os estudos de mestrado e, quando possível, atendo-o nas necessidades afetivas.” Segundo FHC, “os recursos para tanto provieram de rendas legítimas” de seu trabalho, “depositadas em contas legais e declaradas ao IR,mantidas no Banco do Brasil em NY/ Miami ou no Novo Banco, Madri, quando não em bancos no Brasil”.

 

Indicação. Ontem, a Brasif S.A. informou que a jornalista Mirian Dutra foi contratada para realizar “pesquisas sobre preços em lojas e freeshops” na Europa,mas negou que o ex-presidente Fernando Henrique tenha participado da decisão.

À Folha, a jornalista afirmou que assinou contrato fictício de trabalho com a Brasif e que foi por esse expediente que FHC teria enviado remessas de US$ 3.000 mensais como forma de “suplementar” sua renda.

Segundo a Brasif, o jornalista Fernando Lemos, cunhado de Mirian,morto em 2012, foi o responsável pela indicação. “O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não teve qualquer participação nessa contratação, tampouco fez qualquer depósito na Eurotrade ou em qualquer outra empresa da Brasif”, disse a empresa, por meio de nota.

A jornalista reconhece que, apesar de ter assinado o contrato de trabalho, nunca trabalhou para a empresa.

 

TRECHO

“A Eurotrade Ltd., plataforma logística internacional das operações da Brasif Duty Free Shop, contratou, em dezembro de 2002, a jornalista Mirian Dutra para realizar pesquisas sobre os preços em lojas e free shops na Europa...

... O jornalista Fernando Lemos, cunhado da jornalista, indicou-a para tal contratação; o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não teve qualquer participação nessa contratação, tampouco fez qualquer depósito na Eurotrade ou em outra empresa da Brasif.

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Caso do tucano está em ‘estudo preliminar’, afirma Cardozo

Segundo o ministro da Justiça, Polícia Federal analisará ‘aspectos técnicos e jurídicos’ das remessas feitas por FHC

Por: Alfredo Mergulhão / Constança Rezende

 

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou ontem que a Polícia Federal analisará “aspectos técnicos e jurídicos” a respeito do envio de dinheiro ao exterior por parte do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para cobrir despesas da jornalista Mirian Dutra, com que teve relacionamento extraconjugal nos anos 1980 e 1990. Sobre a possibilidade de abertura de inquérito policial, ele disse que a “palavra técnica final” será da PF.

“Há um estudo preliminar para ver se vai abrir a investigação. Estamos analisando”, disse Cardozo durante visita ao Rio.

Segundo Mirian, a Brasif Exportação e Importação foi usada para repassar US$ 3.000 mensais a ela entre 2002 e 2006. FHC diz não ter relação com a empresa. O caso foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo.

Cardozo classificou como “uma prática comum” o procedimento de análise de indícios. “Saiu uma matéria, eu sou informado dela, a minha assessoria olha, a PF olha. Se chega uma representação, aí nós analisamos”, afirmou o ministro após a apresentação de militares das Forças Armadas no Colégio Estadual André Maurois, no Leblon, zona sul do Rio. A atividade fez parte do Dia de Combate à Zika em escolas de todo o País.

Mais tarde, em evento-teste para os Jogos Olímpicos no Parque Aquático Maria Lenk (Barra da Tijuca, zona oeste), o ministro declarou que não foi adotado um procedimento específico contra o ex-presidente.

“Isto não vale apenas para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas para todos os brasileiros e brasileiras. Aquilo que for de competência da PF e tiver indícios de prática criminosa, dentro de situações que são puníveis, tudo será absolutamente investigado. Então, essa (investigação) não é uma situação diferenciada, atípica”, disse.

Cardozo afirmou que os procedimentos para abertura de investigações pela PF serão os mesmos de sempre. “Não importa para mim se são pessoas aliadas à base governista, de partidos que mantêm boa relação com o governo ou se são oposicionistas. Nós fazemos os mesmos procedimentos, sem a busca de factoides, sem a busca de exposição de imagem”, disse.

Segundo ministro, caso seja observada situação que exija apuração, ela será feita com “total autonomia e dentro de um princípio muito importante nas investigações criminais, que é o da impessoalidade”. O Instituto Fernando Henrique Cardoso não comentou as declarações do ministro.

 

Crítica. A argumentação apresentada pela defesa da presidente Dilma Rousseff na ação pelo impeachment levada pelo PSDB ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), protocolada anteontem, foi repetida por Cardozo na passagem pelo Rio. Ele foi enfático na crítica à chapa tucana derrotada em 2014, a quem acusou de fazer “busca desesperada para tentar deslegitimar um processo que foi legítimo”.

 

“Desde o dia seguinte ao resultado das eleições, setores da oposição tentaram, primeiro, dizer que a eleição não foi correta depois dizer que a máquina eleitoral não funcionou. Tudo se tenta o tempo inteiro para tentar se ganhar, fora da urna, o que evidentemente a democracia consagrou nas eleições. As ações propostas no TSE são evidentemente expressão disso”, afirmou o ministro.

Cardozo disse que o Ministério da Justiça fará análise para verificar as implicações da decisão do STF que alterou a jurisprudência e permitirá a execução de pena a partir de decisão judicial de 2.ª instância. “Todos nós temos nossa opinião. Mas decisões judiciais se cumprem.”

 

Sob análise

“Há um estudo preliminar para ver se vai abrir a investigação. Estamos analisando. (Análise) é uma prática comum”

José Eduardo Cardozo

MINISTRO DA JUSTIÇA

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Justiça decreta prisão de ex-governador de Roraima

Procuradoria pediu início da execução penal de Neudo Campos com base em nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Por: Vanessa Vieira

 

Um dia após o Supremo Tribunal Federal mudar a jurisprudência para permitir o início da execução penal de condenados em 2.ª instância, a Justiça Federal em Roraima decretou a prisão do ex-governador do Estado Neudo Campos (PP).

Desde a noite de quinta-feira dois carros da Polícia Federal permaneciam estacionados em frente à casa da governadora de Roraima, Suely Campos (PP), mulher de Neudo.

As viaturas foram deslocadas paraa residência, na região central de Boa Vista, capital do Estado, para tentar cumprir mandado de prisão contra o seu marido.

Até a conclusão desta edição, o mandado não havia sido cumprido, segundo o Ministério Público Federal. Os agentes da PF não encontraram Neudo nem na sua residência nem em seu local de trabalho.

Na manhã de ontem, por volta das 6h30 (horário local), dois policiais chegaram a entrar na casa da governadora, mas saíram minutos depois. Todos os carros que deixavam a residência eram revistados pela polícia.

“O MPF-RR aguardava com cautela a execução da pena respeitando o sigilo decretado pela Justiça. O pedido, assinado pelo procurador da República Carlos Augusto Guarilha, segue a nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que admitiu a execução da pena criminal após a decisão de segunda instância, independentemente da pendência de recursos direcionados aos tribunais superiores”,informou o Ministério Público Federal em nota.

 

‘Gafanhotos’. O ex-governador e atual consultor especial da governadoria foi condenado por envolvimento no esquema de desvio de verba pública conhecido como “Escândalo dos Gafanhotos”, que consistia, segundo denúncia do Ministério Público, no cadastramento de funcionários fantasmas na folha de pagamento do Estado e do extinto Departamento de Estradas e Rodagem de Roraima (DER) para distribuição dos salários a deputados estaduais e outras autoridades em troca de apoio político.

A condenação na primeira instância foi parcialmente mantida em 2009 pelo TRF da 1.ª Região,resultando em uma sentença de dez anos e oito meses de reclusão em regime inicialmente fechado. Em seguida, a defesa apresentou recursos ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para tentar reverter a condenação.

Neudo Campos respondia em liberdade porque o STF até então entendia pela impossibilidade de execução da sentença penal condenatória antes do julgamento definitivo de todos os recursos interpostos. Na quarta-feira, no entanto, o Supremo mudou a sua jurisprudência, passando a admitir que, depois da decisão da 2.ª instância, seja iniciado o cumprimento da pena privativa de liberdade, mesmo que pendente o julgamento de recursos às cortes superiores.

O entendimento foi o de que esses recursos visam apenas tratar de matéria de direito, e não discutir fatos e provas.

“Com essa guinada jurisprudencial do STF é possível falar que chegou a hora de Neudo Ribeiro Campos cumprir a pena de prisão que lhe foi aplicada neste processo por decisão do TRF da 1.ª Região”, destaca um dos trechos do pedido de execução de pena.

O advogado de Neudo Campos, Frederico Leite, não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

 

Governo

A reportagem procurou o governo de Suely Campos (PP). A assessoria informou que uma nota oficial sobre o assunto seria divulgada, o que não havia ocorrido até a conclusão desta edição.

 

Condenado.Neudo Campos em Brasília, quando exercia mandato de deputado federal, em 2009