Valor econômico, v. 16, n. 3965, 17/03/2016. Política, p. A8

Dilma anuncia Lula no ministério e rebate críticas

Leandra Peres

Lucas Marchesini

A presidente Dilma Rousseff anunciou pessoalmente a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Casa Civil da Presidência da República. Numa entrevista fora da agenda concedida no fim da tarde, a presidente, que se referiu a Lula durante a maior parte da entrevista como "o presidente", rebateu críticas de que esteja abrindo mão de poder, afirmou que o futuro ministro fortalecerá seu governo e negou esteja desconfortável em trabalhar ao lado do o ex-presidente.

A posse de Lula está marcada para hoje às 10h. No início da noite, uma edição extraordinária do "Diário Oficial da União" (DOU) trouxe a sua nomeação formal. Também ontem, depois que o juiz Sergio Moro suspendeu o sigilo da 24ª fase da Operação Lava-Jato, diálogos gravados da presidente com Lula indicam que Dilma já havia dado posse ao ex-presidente no início da tarde e dito a ele que o termo de posse só deveria ser usado "se fosse necessário", indicando que o governo já trabalhava para garantir o foroprivilegiado ao ex-presidente, apesar das negativas de Dilma durante a entrevista coletiva.

"Há seis anos vocês tentam me separar do Lula. A minha relação com ele não é de poderes ou de superpoderes. É uma sólida relação de quem constrói um projeto juntos. Ele terá poderes para fazer tudo o que seja necessário para ajudar o país", disse a presidente.

Dilma negou que haja qualquer desconforto de sua parte em nomear um ministro que é visto como figura política de mais expressão que a própria presidente e que vem sendo tratado como uma espécie de primeiro-ministro. "[O Lula] me deixa muito confortável. Temos seis anos de trabalho cotidiano juntos, durante a segunda fase do governo dele. Estou muito feliz com a vinda dele", garantiu Dilma.

A presidente explicou que Lula é um hábil negociador político e que trabalhará para retomar o crescimento da economia, a estabilidade fiscal e controlar a inflação. Na avaliação de Dilma, as críticas à nomeação são uma sombra ao fato de que a vinda do ex-presidente "fortalece o meu governo".

Ela explicou que o ex-presidente tinha dúvidas em assumir o cargo por causa de "confrontos" que a oposição poderia fazer a respeito da situação jurídica de Lula e negou que ele tenha feito exigências para entrar no governo. Nomeado ministro, Lula deixa de ser investigado pelo juiz Sergio Moro e passa a ter foro privilegiado, com o processo analisado pelo Supremo Tribunal Federal. "Prerrogativa de foro não é impedir investigação. A troco de que vou achar que uma investigação do juiz Sergio Moro é melhor queuma investigação do Supremo?" questionou a presidente.

Dilma repetiu o argumento que o governo vem usando de forma recorrente sobre a vinda de Lula para o governo que é basicamente o seguinte: o ex-presidente não foge da Justiça, pois continuará sendo investigado. O que muda é apenas o juiz que preside o inquérito.

A presidente, assim como havia feito após a condução coercitiva de Lula para depor à Polícia Federal, defendeu o ex-presidente das denúncias.

A presidente também hipotecou seu apoio ao ministro da Educação, Aloizio Mercadante, citado na delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) como tentando evitar o acordo do parlamentar com o Ministério

Público. "O ministro Mercadante deu explicações satisfatórias. Não tenho porque não manter minha confiança", disse Dilma. A presidente, assim como o ministro, observou que parte da conversa entre Mercadante e o assessor do senador Delcídio, quando o ministro diz que não tratará da delação premiada, não foi transcrita integralmente.

Assim que a nomeação do ex-presidente foi confirmada, uma manifestação contra a indicação foi convocada pelas redes sociais. Primeiro, parlamentares se aglomeraram em frente ao Planalto a partir das 17h. Uma hora depois, cerca de 1.500 pessoas protestavam no local, de acordo com a Polícia Militar. Entre diversas faixas, os manifestantes empunhavam uma que lembrava umaantiga frase de Lula, na qual dizia que "pobre quando rouba vai preso, rico quando rouba vira ministro". Os gritos contra o governo podiam ser ouvidos de dentro dos salões de cerimônia do Planalto, mas a presidente Dilma Rousseff já havia saído para o Palácio da Alvorada quando a manifestação reuniu o maior número de pessoas.

 

A edição extra do "Diário Oficial" publicou também as nomeações do sub-procurador Eugenio Aragão como ministro da Justiça, do deputado Mauro Lopes (PMDB-MG) como ministro da Secretaria de Aviação Civil, além de Jaques Wagner, para a chefia de gabinete da presidente, com status de ministro.

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'Todos' os implicados serão investigados, afirma Janot

Assis Moreira

 

O procurador-geral da Republica, Rodrigo Janot, assegurou ontem em Paris que todos os personagens, incluindo a presidente Dilma Rousseff, poderão serão investigados se houver indícios contra eles nas recentes delações premiadas na Operação Lava-Jato.

Após conferência ministerial contra suborno, Janot só concordou em falar depois da insistência dos jornalistas para que confirmasse a abertura de investigações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG) e outros políticos.

"Ministério Público não fala o que vai fazer. Explica o que fez. Temos o material que estamos examinando. Se houver indício a gente vai abrir investigação independente de quem seja", afirmou. "Estamos numa República. República é isso, ninguém tem privilégio nem tratamento diferenciado."

Perguntado se ele se referia tambem à presidente Dilma Rousseff, respondeu: "Todos, todos são iguais [perante a lei]." Janot deixou claro que se referia não só à delação do senador Delcídio do Amaral, mas a outras também.

Quase no mesmo momento em que Lula era anunciado como ministro, em Brasília, Janot completava seu discurso em francês, em Paris, garantindo que "nesse momento o Brasil segue o caminho do combate à corrupção".

Um jornalista perguntou se a vida de Lula ficará mais fácil ao assumir um ministério, numa referência ao fato de obter foto privilegiado. "Não sei", respondeu.

Sobre o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, que algumas publicações acusam de ter atrapalhado obtenção de provas no mensalão, Janot foi incisivo na defesa de seu ex-auxiliar na Procuradoria-Geral. "Eu nunca soube de um ato sequer [dele] para atrapalhar o mensalão", afirmou.

Janot revelou que a Justiça brasileira demanda indenização de € 5,5 bilhões (R$ 23,3 bilhões) de empresas e pessoas físicas envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras. Além disso, o Brasil já recuperou em torno de € 1 bilhão (R$ 4,23 bilhões) graças à cooperação internacional, o que inclui dinheiro congelado no exterior. Desse dinheiro, cerca de € 200 milhões (R$ 847,1 milhões) já foram repatriados ao país.

"A independência do Ministério Público, garantida pela Constituição, tem um papel importante sobre a ajuda internacional durante a Operação Lava-Jato", afirmou o procurador. "É a investigação mais importante contra a corrupção e a lavagem de dinheiro da história do Brasil."

Janot enumerou o que as autoridades judiciárias já fizeram 600 inquirições, incluindo seis procedimentos civis de improbidade administrativa contra 34 pessoas físicas e 16 empresas. Destacou ainda que foram efetuadas 137 prisões, 103 demandas de ajuda internacional, 49 acordos de delação premiada, negociação de duas equipes de investigação com a Suíça e Itália no combate à corrupção.

A Suíça prepara-se para repatriar mais uma soma importante envolvendo dinheiro bloqueado da corrupção que atingiu a Petrobras. O tema será discutido hoje em Berna, capital suíça, entre Janot e seu colega Michel Lauber.

 

Conforme Janot, "com certeza" a soma a ser repatriada vai ser bem superior aos US$ 120 milhões já devolvidos pela Suíça em 2015. Brasil e a Suíça preparam o primeiro grupo de investigação comum na luta contra a corrupção.