O Estado de São Paulo, n. 44.690, 25/02/2016. Economia, p. B5

 ‘Governo precisa mudar a trajetória da dívida pública’

ENTREVISTA - Armando Castelar

Para Castelar, sem medidas efetivas, é muito provável que nota do País seja rebaixada novamente

Por: Luiz Guilherme Gerbelli

 

Na avaliação do coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/ FGV), Armando Castelar, a economia brasileira precisa de medidas concretas para evitar que a relação dívida/PIB continue avançando. Com as condições atuais, afirma Castelar, é provável que o País desça mais um degrau na escala das agências de classificação de risco.

“Quando se olha as questões que estão colocadas na mesa, a chance de um cenário pior é maior do que as condições que a agência coloca para tirar o outlook negativo”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

 

Como o sr. analisa o rebaixamento do País?

A decisão era esperada porque o rating estava em revisão. As outras duas agências (Standard & Poor’s e Fitch) fizeram a revisão da nota do Brasil e já tinham uma perspectiva negativa. A confirmação de uma redução de dois níveis e a perspectiva negativa, num certo sentido, confirmam o pior cenário. Não significa que a decisão vai se refletir nos preços dos ativos porque, como o rebaixamento já era esperado, os preços refletiram essa piora antes. Um rating de uma agência é como um laudo médico, e o comunicado da Moody’s foi muito claro de que a economia do País está enferma.

 

Como o sr. vê os próximos capítulos da política econômica?

A Moody’s diz basicamente o seguinte: a dívida vai aumentar muito e não existe nada na mesa no sentido de evitar isso. O rebaixamento reflete a dinâmica esperada para essa dívida. Quando se olha as questões que estão colocadas na mesa, a chance de um cenário pior é maior do que as condições que a agência coloca para tirar o outlook negativo. O que a gente vê é que não existe uma proposta sobre questões que mudem de uma maneira significativa a trajetória da dívida pública no horizonte que a agência considera, entre 2016 e 2018. Então, muito provavelmente eu acho que o País vai ter mais um downgrade.

 

Quais seriam as consequências de um novo rebaixamento?

Obviamente, o custo de financiamento externo do Brasil vai piorar, e a imagem do País fica bastante complicada. As três agências estão com o outlook negativo no Brasil e com uma análise muito consistente sobre os motivos dessa piora rápida.

 

O sr. poderia detalhar quais medidas concretas podem ser adotadas para evitar um novo rebaixamento?

A mensagem é muito clara. A dinâmica da dívida é explosiva. Ela está subindo muito rápido. Quanto mais ela sobe, mais ela contribui para o déficit e, portanto, mais rapidamente a dívida vai subir. Então, para reverter, precisamos de medidas que efetivamente fizessem com que a dívida subisse menos do que o previsto no exercício da Moody’s, que é até conservador perto do que a gente vê no mercado. Precisamos de medidas significativas que acelerassem o crescimento econômico – é sempre bom lembrar que o PIB está no denominador dessa razão – ou fizessem uma contenção do gasto significativa.

 

A equipe econômica fala no retorno da CPMF e na reforma da Previdência.

A CPMF é muito pouco e traz implicações para o crescimento. A reforma da Previdência poderia ter um impacto positivo, mas ela teria de ser significativa e num horizonte não muito longo. Não adianta fazer uma reforma da Previdência que começa em 2017, porque até lá já explodiu. O que a gente vê é que o governo não tem nenhum projeto para a Previdência.

 

O sr. falou sobre a necessidade de acelerar o crescimento. Qual é a previsão para 2016?

No ano passado, revisamos o nosso número para uma queda do PIB de 3,7%, e este ano, para um recuo de 3,4%. Com relação a 2016, o risco é para baixo. Acredito que estamos num processo de deterioração de expectativa e confiança que se reforçou em várias divisões. Você começa a ver quebra de empresa, aumento do desemprego e a falta de resposta de política econômica. A queda de 3,4% pode acabar se mostrando uma previsão otimista.

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País tem de reduzir o gasto público, diz IIF

Por: Karla Spotorno

 

A perspectiva negativa dada pela Moody’s à nota soberana do Brasil preocupa mais do que o duplo rebaixamento anunciado ontem pela agência internacional, na avaliação do economista- chefe do Departamento sobre América Latina do Institute of International Finance (IIF), Ramón Aracena.OIIF reúne os maiores bancos globais.

O economista entende que, apesar de ser esperada após a perda do grau de investimento imposta pela Fitch em dezembro e pela Standard& Poor’s em setembro passado, a ação tende a encarecer as emissões brasileiras e o refinanciamento no exterior.

Aracena afirma que os analistas econômicos vão prestar atenção agora sobre o que vão fazer as autoridades. Na avaliação do economista, o Brasil ficou sem opção e precisa reduzir o gasto público e realizar reformas.

A tarefa não é fácil, visto que há uma crise política no País, diz, além de uma falência de políticas públicas.

Questionado se a crise global não tem um peso preponderante no ciclo recessivo no qual o Brasil entrou, Aracena afirma que o cenário global não justifica a situação da economia brasileira. Segundo ele, outros países que são igualmente afetados pelo ciclo de preços baixos das commodities e pela desaceleração da China seguem crescendo.

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Planalto diz que agência ignorou ‘bons sinais’

Segundo Ministério da Fazenda, rebaixamento não muda ‘compromisso com ajuste fiscal’ para estabilizar dívida pública

Por: Carla Araújo, Tânia Monteiro e Lorenna Rodrigues

 

A notícia do rebaixamento da nota de risco brasileira pela Moody’s não surpreendeu a equipe econômica, mas, no Planalto, o corte da nota foi considerado “precipitado”. Para interlocutores da presidente Dilma Rousseff, a agência decidiu “ignorar” sinais positivos, como a melhora do setor externo. A notícia desagradou à presidente, que não só está pessoalmente empenhada, mas tem pedido cooperação da sua equipe para conseguir reverter o quadro econômico e trabalhar para retomar o crescimento.

A expectativa do governo é de que, até o fim deste ano, o País consiga recuperar as notas de crédito tanto da Moody’s, como da Standard& Poor’s (S&P) e da Fitch, que já haviam rebaixado a nota do Brasil – uma hipótese considerada impossível pelo mercado.

Em nota, o Ministério da Fazenda reiterou que a posição das agências “não altera o comprometimento com o ajuste fiscal, necessário para estabilizar a trajetória da dívida pública e recuperação da economia brasileira no médio prazo”. “Todas essas iniciativas de caráter estrutural favorecerão a reversão das incertezas quanto à trajetória fiscal e a retomada da confiança dos agentes, condição importante para a retomada dos investimentos”, diz o texto.

A Fazenda destacou que o governo vem fazendo, desde o ano passado, um esforço para redução de gastos e recuperação de receitas. Até o fim de março, o governo quer encaminhar as propostas de reequilíbrio fiscal, como a previsão de limite para a expansão das despesas públicas e a criação de uma lei de responsabilidade fiscal estadual. Até o fim de abril, seguirá a reforma da Previdência.

O coordenador-geral de Operações da Dívida Pública, José Franco, tentou tranquilizar os mercados ao dizer que o órgão já havia se preparado para esse cenário e que não haverá fuga de investidores do Brasil depois do rebaixamento. “Há algumas medidas de caráter estruturante que estão sendo tomadas, esperamos ter resultado para que o grau de crédito volte a ser o que o Brasil merece”, frisou.

BC. O rebaixamento pela Moody’s pode até não ser tangível em termos numéricos, mas afeta a confiança de agentes econômicos, como empresários e investidores. E a retomada da credibilidade é o ponto-chave para o renascimento econômico doméstico, conforme a visão do Banco Central enfatizada nos últimos meses.

Ontem, o chefe do Departamento Econômico da instituição, Tulio Maciel, avaliou que o impacto desse novo downgrade do Brasil deve ser pequeno sobre o mercado de empréstimos.

“A absorção já ocorreu por outras agências”, minimizou. / COLABORARAM RACHEL GAMARSKI e CÉLIA FROUFE

 

Otimismo

“Há algumas medidas de caráter estruturante que estão sendo tomadas, esperamos ter resultado para que o grau de crédito volte a ser o que o Brasil merece.”

José Franco

COORDENADOR-GERAL DE OPERAÇÕES DA DÍVIDA PÚBLICA

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Para oposição, País não tem perspectiva

Por: Igor Gadelha e Ricardo Brito

 

Líderes de partidos da oposição na Câmara dos Deputados aproveitaram a perda do grau de investimento do Brasil pela Moody’s para criticar o governo. Para opositores, o rebaixamento do País pela 3.ª grande agência de classificação de risco reforça a necessidade de afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo.

O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou que a decisão da agência mostra que o Brasil não tem perspectiva. Para ele, o projeto de Dilma é se manter no poder e as agências percebem esse movimento. “É o pior sinal possível e, ao contrário do que o PT gosta de afirmar, a responsabilidade por mais esse rebaixamento é exclusivo do governo brasileiro, dos inúmeros equívocos do governo do PT”, disse Aécio, ao destacar que a decisão não decorre de crise internacional porque ela “não existe”.

“Dilma fez o Brasil receber o selo de caloteiro. A superação dessa crise só se dará com a saída dela do governo”, defendeu também o líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR). “Hoje ela não tem mais nenhuma credibilidade para aprovar um ajuste fiscal no Congresso”.

O Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a retirada do selo de bom pagador do Brasil é reflexo da demorado País em tomaras medidas de que precisa para reverter as expectativas. “O governo precisa ter claras as iniciativas, senão não vamos romper com este cenário de inércia. E é um horror porque o Brasil, durante mais de 50 anos, foi o que mais cresceu no mundo.”

Senadores relacionados:

  • Aécio Neves
  • Renan Calheiros

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados
  • Congresso Nacional
  • Senado Federal