Valor econômico, v. 16, n. 3967, 21/03/2016. Política, p. A3

Esforço fiscal de Estados é neutralizado

Marta Watanabe

Estevão Taiar

Mesmo com a retração da economia e a queda real da arrecadação, alguns Estados conseguiram transformar o déficit primário de 2014 em superávit no ano passado. De um grupo de 22 Estados, oito - Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí e Tocantins - viraram o resultado. Com saldo negativo conjunto de R$ 5,53 bilhões em 2014, esses Estadosencerraram 2015 no azul, com R$ 1,73 bilhão de superávit primário total.

O esforço fiscal é uma das contrapartidas que o governo irá exigir dos Estados em troca do alongamento do prazo para pagamento da dívida com a União. No ano passado, porém, o esforço de Estados que conseguiram virar o sinal e tirar o resultado primário do vermelho foi neutralizado em boa parte pelos que fizeram o caminho inverso.

Juntos, Bahia, Minas Gerais e Sergipe, por exemplo, fecharam 2015 com R$ 3,87 bilhões de resultado negativo, depois de superávit de R$ 2,39 bilhões em 2014. No total dos 22 Estados, o resultado melhorou, mas não saiu do déficit - de R$ 9,51 bilhões em 2014 e de R$ 6,64 bilhões no ano passado. Se os caminhos foram diversos em relação ao resultado primário, nosinvestimentos o rumo foi quase sempre o mesmo. A redução de investimentos, medida pela despesa primária de capital, foi generalizada. A rubrica, que somou R$ 65,14 bilhões em 2014, recuou para R$ 44,23 bilhões em 2015.

"Os Estados, ao contrário do governo federal, não podem expandir o endividamento de forma discricionária. A queda das receitas obrigou os governos estaduais a postergarem pagamentos e cortarem investimentos", diz o economista Pedro Jucá Maciel, assessor econômico do Senado. Ou seja: os ajustes foram de "má qualidade", argumenta, já que os investimentos são um dos principais fatores que geram o crescimento econômico de longo prazo.

"Você precisa de estradas, ferrovias, água, esgoto. Essas condições são mínimas para que haja a possibilidade de crescimento econômico. Até dá para estimular economia sem investimentos, mas o crescimento chega ao limite. Ao cortar investimentos, o governo está minando a capacidade de ampliar a estrutura e com isso crescer de forma sustentável no futuro", diz.

Combinado ao corte nos investimentos, o aumento nos gastos com pessoal contribuiu para a piora da qualidade do ajuste fiscal. Em dez Estados, as despesas desse tipo cresceram acima da inflação. Em outros seis, o aumento ficou na casa dos 10%, próximo dos 10,67% anotados pelo IPCA no ano passado. Segundo Maciel, a legislação "torna praticamente inviável que o governo demita qualquer funcionário" do setor público.

"Nenhum país tem conceito tão rígido de estabilidade do setor público quanto o Brasil", diz o economista. Além disso, aumentos de salários negociados por governos anteriores cobram a sua conta nos atuais mandatos. "É como fazer bondade com o chapéu alheio", afirma. Para que eventuais novos ajustes sejam de "melhor qualidade", ele sugere "uma grande reforma estrutural, da Constituição mesmo", que permita maior flexibilidade nos gastos com pessoal. "O fator mais importante é controlar esse componente", afirma.

No Amazonas, onde o déficit de R$ 837,08 milhões deu lugar a superávit de R$ 5,59 milhões, os investimentos "sofreram" com a retração da economia, diz o secretário de Planejamento do Estado, Thomaz Nogueira. "Tivemos que manter a máquina funcionando e honrar a folha de pagamento. Tivemos que sacrificar alguns investimentos, que agora estão indo em menor velocidade."

Com 95% da arrecadação do ICMS recolhido em Manaus, o Estado do Amazonas teve suas receitas comprometidas com a queda de 16,8% da produção física no polo industrial da capital. A arrecadação de tributos do Estado caiu 4,1% em termos nominais, para R$ 7,06 bilhões no ano passado. A despesa corrente teve crescimento abaixo da inflação, de 2,6%, mas foram os investimentos que fizeram diferença. Caíram a menos da metade, de R$ 1,93 bilhão em 2014 para R$ 810 milhões no ano passado.

Para este ano, Nogueira acredita num crescimento de receitas pelo menos igual à inflação. A expectativa é ter ingressos extraordinários com concessões de estradas, como na duplicação da AM-010, que liga a capital a Taquatiara. Os estudos de potencial de arrecadação e o modelo de captação de recursos privados - concessão clássica ou parceria público-privada (PPP) - ainda não estão definidos. A contenção dos gastos, diz o secretário, foi conseguida com medidas como revisão de contratos, unificação de gastos públicos e criação de um comitê que controla e acompanha as despesas por secretaria.

Alguns Estados contam com o alongamento da dívida com a União por mais 20 anos para melhorar o resultado primário neste ano. Julio Bueno, secretário de Fazenda do Rio, diz que são necessários R$ 19 bilhões de ingressos adicionais este ano para evitar que o resultado total, incluindo despesas financeiras, entre no negativo e para que o Estado volte a ter maior capacidade de investimento.

"Como resolvo isso? Preciso de receitas extraordinárias", diz ele. O secretário reconhece que trata-se de uma tarefa "difícil" já que não depende apenas do Estado. Nas estimativas de Bueno, os R$ 19 bilhões viriam da postergação de despesas e também da entrada de novos recursos. Ele contabiliza R$ 5 bilhões relacionados à dívida com a União, que teria prazo maior de pagamento, R$ 3,5 bilhões de operações de crédito a serem autorizadas e R$ 3 bilhões com venda de folha, securitização de dívida e medidas de redução de custeio e aumento de receitas.

Os demais R$ 6,5 bilhões, devem vir da renegociação de demais financiamentos, incluindo as operações de crédito com o BNDES e os juros pagos do valor devido à União.

A negociação da dívida deve fazer grande diferença para as contas do governo fluminense, diz Bueno, que também conta com a liberação da operação de crédito relacionada à Resolução 15/2015, aprovada pelo Senado no ano passado, para ressarcimento de entes que tiveram perdas com royalties.

Além de apresentar déficit primário - R$ 3,96 bilhões em 2015 e R$ 7,34 bilhões no ano anterior - o Estado também chegou, no ano passado, a um índice de endividamento de 197,88%, muito perto do teto de 200% estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Para este ano, as perspectivas para receitas ordinárias não são muito animadores. Segundo Bueno, espera-se queda no recebimento de royalties e avanço de 5,3% nominais no recolhimento de ICMS em relação ao ano passado.

Em comparação com 2014, o Rio teve a terceira menor queda de investimentos (14%) no ano passado, perdendo apenas para Bahia e Pará. Passados os Jogos Olímpicos, no entanto, a tendência é que "haja grande queda dos investimentos e da atividade econômica", diz Maciel, assessor do Senado. "Por causa da Olimpíada, os gastos do Rio não são tão discricionários."

Na Bahia, o secretário de Fazenda, Manoel Vitório, também conta com a "ajuda" da renegociação da dívida. A expectativa, diz, é conseguir abater cerca de R$ 500 milhões anuais no fluxo de despesas com pagamento de amortizações e juros. Isso inclui não somente o efeito do alongamento da dívida por mais 20 anos quanto a renegociação das operações de crédito com o BNDES contratadas até dezembro do ano passado. O desembolso anual do Estado com o serviço da dívida é de R$ 1,6 bilhão.

Mesmo sem considerar o impacto das despesas financeiras, o Estado sentiu os efeitos da retração econômica em 2015. No ano passado o governo baiano fechou o ano com déficit de R$ 570,5 milhões, depois de superávit de R$ 1,13 bilhão em 2014.

Segundo os relatórios fiscais, a receita tributária baiana cresceu 5,5% em termos nominais em 2015, com perda, portanto, para a inflação de 10,67% medida pelo IPCA. Além da perda real na arrecadação, a Fazenda destaca que houve frustração de R$ 1,5 bilhão em convênios que deixaram de ser repassados pela União no ano passado. "Sabíamos que ia chover, mas não que ia haver um temporal", diz o secretário. Com despesa de pessoal de 47,61% da receita corrente líquida em 2015, o Estado ultrapassou o limite prudencial estabelecido na legislação fiscal (46,55%).

O quadro, diz Vitório, levou ao esforço no corte de gastos, que permitiu queda de R$ 256 milhões na despesa de custeio no ano passado, contra 2014. Segundo os secretário, a primeira redução em dez anos. Os investimentos também caíram no período, de R$ 2,54 bilhões para R$ 2,29 bilhões.

 

Em 2016, diz o secretário baiano, a situação segue difícil. Em janeiro a transferência de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) ficou abaixo em termos nominais da recebida em igual mês de 2015, em R$ 100 milhões. A arrecadação de ICMS veio com elevação de 6,2%, mas ainda perdendo da inflação. O governo do Estado contingenciou este ano R$ 1,03 bilhão do orçamento, mas o secretário diz que funcionários e fornecedores têm sido pagos em dia.