O Estado de São Paulo, n. 44.690, 25/02/2016. Política, p. A4

Santana omitiu empresas no exterior da Receita e retificou IR após Lava Jato

Acarajé. Segundo dados oficiais, marqueteiro da presidente Dilma Rousseff não declarou, de 2010 a 2014, uma série de operações financeiras feitas fora do País e somente corrigiu os dados enviados ao Fisco no ano passado, quando já estava no alvo da força-tarefa

Por: Ricardo Brandt / Mateus Coutinho / Fausto Macedo

 

O ex-marqueteiro do PT João Santana, responsável pelas campanhas presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva (2006) e de Dilma Rousseff (2010 e 2014), omitiu de suas declarações de Imposto de Renda de pessoa física de 2010 a 2014 a participação em cinco empresas mantidas por ele no exterior, entre elas a Shellbill Finance S/A, offshore usada para receber US$ 7,5 milhões da Odebrecht e do lobista Zwi Skornicki, conforme a Operação Lava Jato.

No ano passado, após a operação ter mirado em Santana, ele retificou as declarações de Imposto de Renda de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014. O marqueteiro incluiu em sua prestação de contas à Receita a participação societária em empresas de comunicação constituídas em El Salvador, República Dominicana, Panamá e Argentina.

A retificação ocorreu em meio ao avanço da Lava Jato, quando o marqueteiro e supostos repasses de propinas de empreiteiras ao PT - cliente dele -, em forma de doação eleitoral, já eram alvo da Polícia Federal.

Os dados tributários de Santana constam de documento produzido pela Receita e encartado nos autos da Operação Acarajé, deflagrada segunda-feira, por ordem do juiz federal Sérgio Moro. Santana e sua mulher, Mônica Moura, estão presos. O rastreamento da Receita atendeu à ordem de Moro, que deferiu a quebra de sigilo fiscal do casal no período de 1.º de janeiro de 2004 a 21 de setembro de 2015.

No relatório, Santana e Mônica constam como “indiciados”. São alvo do mesmo procedimento duas agências do casal, a Polis Propaganda e Marketing e a Santana & Associados Marketing e Propaganda. Qualquer contribuinte pode, a qualquer tempo, adotar tal procedimento, mas chamou a atenção dos investigadores o fato de Santana ter feito a retificação em 2015.

Na declaração de 2010, o marqueteiro registrou participação na Polistepeque Comunicaciony Marketing S.A., em El Salvador e constituída em 4 de junho de 2009, com capital de US$ 2 mil. Santana informou ao Fisco que detém 60% do capital da empresa (US$ 1,2 mil).

Na mesma declaração, segundo relatório da Receita, Santana incluiu sociedade na Polis Caribe Comunicacion Y Marketing, localizada na República Dominicana, no valor de R$ 3.383,10.

Na declaração de 2013 ele acrescentou participação no capital da Polis America S.A., no Panamá, cujo capital social é de US$ 10 mil. A Polis America, segundo o próprio marqueteiro, foi constituída em 11 de junho de 2013 e sua participação é de 60% do capital social (US$ 6 mil).

Além das empresas no exterior que foram acrescentadas na declaração retificadora, Santana declarou ser proprietário da Polis Propaganda, na Argentina, aberta em 1.º de abril de 2003, com capital social de R$ 80 mil - sua parte é de 90%.

A Receita destaca ainda um empréstimo de R$ 2 milhões que Santana fez à mulher, Mônica, em 2011, período em que o marqueteiro apresentou movimentação financeira de R$ 92.288,28. “Portanto, estes recursos não circularam por sua conta corrente. Esta dívida foi baixada no ano de 2012, sem mencionar a forma que foi quitada”, informa o relatório.

 

Dinheiro em espécie. A Receita aponta que nas declarações apresentadas destacam-se sempre os altos valores relativos a dinheiro em espécie - R$ 200 mil (2010); R$ 300 mil (2011); R$ 300 mil (2012); R$ 300 mil (2013); R$ 300 mil (2013).

Outro fato que chamou a atenção se refere à Declaração de Operações com Cartões de Crédito, por meio da qual as administradoras de cartão de crédito estão obrigadas a prestar informações sobre operações, usuários de seus serviços e os montantes movimentados.

“O contribuinte apresentou em 2011 e 2012 valores elevados de gastos com cartão de crédito e baixa ou nenhuma movimentação financeira; portanto, estes valores não estão circulando pela conta bancária do contribuinte”, diz o relatório. Em 2011 Santana gastou R$ 328.734,78 e apresentou R$ 8.152,17 de movimentação financeira. Em 2012, R$ 520.118,23 foram gastos, embora o marqueteiro não tenha registrado movimentação financeira no período.

A defesa do casal João Santana e Mônica Moura não foi localizada para comentar o relatório da Receita Federal.

 

APURAÇÃO

Prisão

O marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, tiveram a prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro na segunda-feira, no âmbito da 23ª fase da Lava Jato, batizada de Operação Acarajé. O casal, que estava fora do Brasil, se apresentou anteontem em Curitiba, onde está detido

 

US$ 7,5 mi foi o valor dos repasses sob suspeita feitos a Santana por Zwi Skornicki e pela Odebrecht

 

Pagamentos no exterior

No pedido de prisão do marqueteiro, Moro diz que a conta Shellbill, controlada por Santana, recebeu pagamentos do intermediador de propinas da Petrobrás Zwi Skornick – também preso na Acarajé – e de offshores que teriam sido usadas pela Odebrecht para repassar propinas a agentes da estatal. Para o juiz, Santana pode ter recebido esses valores – oriundos de desvios na Petrobrás – como remuneração por serviços prestados ao PT.

 

R$ 100 mi foi o valor bloqueado de João Santana, da mulher dele e das agências controladas pelo casal

 

Omissão

Santana omitiu de suas declarações de Imposto de Renda Pessoa Física a participação em cinco empresas mantidas por ele no exterior, entre elas a offshore Shellbill e a conta em nome dela. Segundo o juiz Sérgio Moro, os fatos relacionados ao marqueteiro configuram crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de divisas no âmbito do esquema de desvios instalado na Petrobrás.

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PF investiga apartamento em Nova York

Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

A Polícia Federal investiga um apartamento em Nova York que seria do casal João Santana e Mônica Moura, na 19.ª Avenida. O imóvel está registrado em nome de uma empresa aberta por eles, em 2009, em El Salvador. “Foram identificadas diversas mensagens nas quais Mônica Regina Cunha Moura indica como endereço um apartamento em Nova York - 245 19th Ave Apt 8W, New York”, informa relatório da PF assinado pelo delegado Filipe Hille Pace.

A propriedade da empresa Polistepeque, em nome de Santana e Mônica, foi incluída no Imposto de Renda do casal em 2015, quando eles retificaram suas declarações de 2010 a 2014.

 

Carro. Em janeiro de 2013, Mônica comprou um automóvel modelo Range Rover (da marca Land Rover), por R$ 365 mil, na mesma revendedora, em São Paulo, onde o doleiro Alberto Youssef e o lobista Fernando “Baiano” Soares adquiriram caminhonetes - modelo SUV - do mesmo modelo para presentear dos ex-diretores da Petrobrás, delatores da Operação Lava Jato.

Ontem, um gerente da concessionária, que se identificou apenas como Luis Cláudio, confirmou a venda da Range Rover à mulher do marqueteiro do PT. Ele disse que nenhum funcionário da loja é orientado a “levantar a capivara” do cliente que chega disposto a comprar um carro e tem dinheiro para isso.  Além disso, afirmou também que ninguém conheceria Mônica, Alberto Youssef e Fernando Baiano, porque, na época, o nome de nenhum dos três tinha ainda aparecido na Operação Lava Jato.

O gerente acrescentou que o carro de Mônica foi retirado de uma loja localizada na Rua Colômbia./ R.B. e F.M.

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Mônica confessa conta no exterior, mas nega recursos ilícitos

Segundo advogado, mulher de João Santana afirmou em depoimento que recebeu pagamentos por ‘trabalho honesto’

Por: Ricardo Brandt / Mateus Coutinho / Fausto Macedo

 

A mulher do marqueteiro João Santana, Mônica Moura, confessou à Polícia Federal, em depoimento de mais de quatro horas ontem, em Curitiba, o uso da conta não declarada em nome da offshore Shellbill Finance S/A, mas negou o recebimento de recursos ilícitos. Segundo ela, os valores não possuem ligação com campanhas eleitorais feitas por ela no Brasil.

“A Mônica conseguiu demonstrar cada movimentação dessa conta, cada movimentação dos recursos no exterior”, afirmou o criminalista Fábio Tofic, defensor do casal de marqueteiros do PT presos pela Operação Acarajé - 23.ª fase da Lava Jato. Os dois são investigados pelo recebimento de pelo menos US$ 7,5 milhões, entre 2012 e 2014, de dinheiro fruto da corrupção na Petrobras.

Os valores foram parar na conta da Shellbill, ocultada no banco Heritage, na Suíça. “Está claro que a Mônica e o João estão presos por manutenção de conta não declarada no exterior. Um crime pelo qual não existe uma pessoa presa neste país. Não vou dizer que é um crime leve, mas é um crime que não enseja a prisão de qualquer cidadão”, afirmou Tofic, ao deixar o prédio da Superintendência da PF, em Curitiba.

 

Legal . Segundo o defensor, Mônica declarou que o casal recebeu “recursos lícitos pelo trabalho honesto que fizeram ao longo de anos”. “Não são lavadores de dinheiro, não são corruptos e nunca tiveram contrato com o poder público, gostem ou não dos clientes deles.”

A mulher de Santana afirmou aos delegados da Lava Jato que os recursos não envolvem dinheiro de campanha no Brasil. “Os recursos são lícitos e não envolvem dinheiro de campanha brasileira”, relatou Tofic.

Para a Lava Jato, há elementos para apontar que os recursos movimentados e não declarados por Santana e pela mulher dele podem ter relação com o esquema de propina controlado pelo PT, PMDB e PP na Petrobras e que a fortuna de mais de R$ 70 milhões do casal está diretamente relacionada aos serviços prestados ao partido e às suas campanhas.

“O depoimento dela é claríssimo, detalha tintim por tintim e não deixa dúvida. De modo que, agora, a menos que a ideia da polícia e do Ministério Público seja usar o depoimento para comprovar uma teoria preconcebida, o que se espera é que essa prisão seja revogada.”

Tofic ressaltou que vai apresentar um pedido para que seja revogada a prisão do casal. “Não existe nenhum elemento que sustente hoje a teoria criada pela polícia e pelo Ministério Público de que esses recursos seriam provenientes de corrupção, de que eles saberiam que é proveniente de corrupção ou de campanhas brasileiras.”

Tofic reclamou que o “depoimento foi riquíssimo e ficou reduzido a três páginas”. “O depoimento foi extremamente detalhado. Foi um depoimento rico em detalhes, nos prometeram que era um depoimento que estava sendo gravado, o que nos encheu de conforto, porque o depoimento gravado consegue demonstrar a riqueza de detalhes que foi dada.  Ao final do depoimento essa notícia de que estava sendo gravado não foi confirmada, o que nos encheu de surpresa.”

O depoimento de Santana ficou marcado para as 9h30 de hoje, em Curitiba, onde o casal permanece preso. / R.B., M.C. e F.M.