O globo, n. 30129, 02/02/2016. País, p. 3

ZIKA, EMERGÊNCIA MUNDIAL

OMS amplia combate à doença que pode provocar microcefalia; governo admite 'absoluta perplexidade'
Por: ANA LUCIA AZEVEDO LETICIA FERNANDES

     

    ANA LUCIA AZEVEDO E LETICIA FERNANDES

    opais@oglobo.com.br

     

    -RIO E BRASÍLIA- Um evento extraordinário que ameaça a saúde pública global e precisa de medidas urgentes de controle. Com essas palavras, a diretora da Organização Mundial de Saúde ( OMS), Margaret Chan, anunciou ontem, em Genebra, a decretação de uma emergência internacional de saúde pública ( Pheic, na sigla em inglês) para a microcefalia associada ao vírus zika.

    Emergências internacionais são eventos raros, para casos extremos, como o do vírus ebola. O decreto tem força de lei e costuma ser seguido pelos países. A decisão já era esperada e destacou mais a microcefalia do que o vírus zika. Isto é, a microcefalia precisa ser controlada, seja ou não o zika a sua causa. A OMS optou pela emergência após ouvir o parecer de um comitê de 18 especialistas internacionais.

    Na prática, o decreto de emergência mobiliza recursos, padroniza pesquisas e notificações e prioriza medidas de controle. A OMS anunciou que pesquisas sobre microcefalia começam em duas semanas. Segundo Chan, o comitê focou na forte associação entre a infecção por zika e o aumento de casos de microcefalia, outras deformações congênitas e complicações neurológicas, como a síndrome de Guillan- Barré.

    — Os especialistas viram que a correlação entre a infecção por zika durante a gestação e a microcefalia é uma suspeita muito forte, embora não tenha sido cientificamente comprovada. Todos concordam com a necessidade urgente de coordenar esforços internacionais para investigar essa correlação — disse Chan.

     

    “ABSOLUTA PERPLEXIDADE"

    Restrições a viagens e ao comércio para o Brasil e outros países não foram recomendadas, exceto o adiamento de viagens para grávidas, como destacou Chan. Se não for possível, elas devem usar repelentes e roupas adequadas.

    Em Brasília, depois de participar de uma reunião ministerial de emergência com a presidente Dilma Rousseff, o ministro Jaques Wagner ( Casa Civil) disse que o governo encara com “absoluta perplexidade” a situação da saúde pública no país, com a proliferação dos casos de vírus zika. Wagner negou que a epidemia possa atrapalhar o cronograma das Olimpíadas, mas admitiu que pode haver “um recolhimento” do público estrangeiro. E admitiu que não é recomendado que mulheres grávidas fiquem expostas à doença:

    — Todo mundo se recolhe. Hoje, deve haver um recolhimento em relação aos países que têm o vírus, não só o Brasil. (...) Se não for uma mulher gravida, o risco é zero, zero no sentido de um mal maior. Mas o risco grave é para mulheres grávidas, aí não é recomendável ( vir às Olimpíadas), evidentemente.

    Na entrevista, ao falar da perplexidade, o ministro chegou a fazer uma comparação com o surgimento do ebola:

    — Estamos na fase da mais absoluta perplexidade, é a primeira vez que tem associação do zika vírus com a microcefalia. É novo para todos os pesquisadores, para a própria OMS. Mal comparando, isso é como surgiu o vírus do ebola — afirmou o ministro.

    A presidente Dilma gravou um pronunciamento de TV ontem fazendo um chamamento da população no combate ao vírus zika. A petista dirá que há uma guerra coletiva contra o Aedes aegypti, e que o mosquito “não é maior do que o país”. Ainda não há uma data exata para a veiculação do pronunciamento.

    Marcelo Castro, o ministro da Saúde, que semana passada disse que o país estava “perdendo feio” a luta contra o Aedes, ontem considerou que o “Brasil tem sido um protagonista” no engajamento internacional contra o vírus.

    Para especialistas, a emergência internacional beneficiará o Brasil, pois acelerará as pesquisas de vacinas e testes, ajudará na vigilância sanitária e poderá assegurar que os demais países atingidos pelo zika também consigam controlar o mosquito — sem isso, ele pode voltar mesmo que seja erradicado aqui.

    Foi destacada pelo comitê de especialistas a velocidade com que o zika se espalha e a ampla distribuição do mosquito Aedes aegypti no mundo. Outros pontos que levaram à decisão foi a falta de testes de diagnóstico confiáveis, de uma vacina e de imunidade da população.

    — Nenhum país tem condição de combater sozinho uma ameaça dessas. É necessário decretar a emergência e ter uma resposta internacional coordenada. Eu aceitei a recomendação do comitê. Sendo assim, o surto de microcefalia e outras doenças neurológicas no Brasil, em seguida outro na Polinésia Francesa, em 2014, constituem uma emergência internacional — disse Margareth Chan.

    Segundo ela, a medida de prevenção mais importante é o controle dos focos de mosquito. As pessoas devem evitar o inseto. Em especial, as grávidas. Tem destaque a determinação de que as gestantes devem receber ajuda para “materiais para reduzir o risco de exposição”.

    A virologista Clarissa Damaso, do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da UFRJ, observou que claramente o foco da organização são os surtos de microcefalia.

    — Esse teste é crucial para estudar a correção entre o vírus e a microcefalia — afirmou a pesquisadora.

     

    O QUE A OMS DECIDIU
     
    MICROCEFALIA E DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS: - A notificação precisa ser aperfeiçoada e padronizada; - Serão estudados novos surtos de microcefalia para determinar se há uma relação de causa e efeito com o zika e outros fatores.

     

    TRANSMISSÃO DO VÍRUS ZIKA:- Aperfeiçoamento da notificação da infecção por zika, com padronização; - Prioridade no desenvolvimento de novos testes de diagnóstico; - Aumento da troca de informação entre os países; - Estímulo ao engajamento da população no combate ao mosquito transmissor; - Controle do mosquito e medidas apropriadas para proteger a população devem ser “agressivamente” promovidos; - Garantir a mulheres em idade reprodutiva e, em particular, a gestantes a informação e os meios necessários para reduzir o risco de exposição ao mosquito; - Gestantes expostas ao zika deverão ter acompanhamento antes e depois do parto com “as melhores informações e políticas nacionais possíveis”.

     

    MEDIDAS DE LONGO PRAZO:- Pesquisa e desenvolvimento de vacinas e medicamentos; - Os serviços de saúde devem estar preparados para atender síndromes neurológicas e malformações congênitas.

     

    VIAGENS INTERNACIONAIS:- Não deve haver restrições para viagens e comércio com países e territórios afetados pelo zika; - Viajantes para áreas de transmissão de zika devem receber informações sobre risco; - Medidas de desinsetização de aviões e aeroportos devem ser implementadas.

     

    TROCA DE INFORMAÇÕES ENTRE OS PAÍSES:- De agora em diante, todas as informações relativas à microcefalia e ao zika devem ser compartilhadas com a Organização Mundial de Saúde.

     
    Senado Federal - Praça dos Três Poderes - Brasília DF - CEP 70165-900 - Fone: (61)3303-4141