O globo, n. 30128, 01/02/2016. País, p. 3

LULA VISITOU TRÍPLEX

Petista admite ida a prédio com executivo da OAS, mas nega ser dono do imóvel; promotor vê incoerência

 

SÃO PAULO - O ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem, em nota divulgada pelo Instituto Lula, que visitou o tríplex no edifício Solaris, na praia das Astúrias, no Guarujá, apesar de ter negado novamente ser dono do imóvel. Na nota, o petista disse que esteve no apartamento, junto com o então presidente da construtora OAS, Léo Pinheiro, condenado na LavaJato a 16 anos pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A visita ocorreu um ano após a OAS concluir a construção do edifício.

A nota diz que Lula esteve uma única vez no edifício, embora, em depoimento ao Ministério Público estadual, o zelador do prédio, José Afonso Pinheiro, tenha afirmado que o ex- presidente foi ao local duas vezes. Na ocasião da visita, segundo o instituto, Lula e sua mulher, Marisa, avaliaram que o imóvel “não se adequava às necessidades e características da família, nas condições em que se encontrava”.

A nota do petista dá a entender que, depois da visita de Lula e de Marisa, a OAS decidiu fazer uma reforma no tríplex para adequá- lo às necessidades da família. O Instituto Lula diz que a família desistiu do apartamento, em 26 de novembro de 2015, porque, “mesmo tendo sido realizadas reformas e modificações no imóvel ( que naturalmente seriam incorporadas ao valor final da compra), as notícias infundadas, boatos e ilações romperam a privacidade necessária ao uso familiar do apartamento”.

Em depoimento ao MP, o engenheiro Armando Dagre, da Talento Construtora, contratada pela OAS para fazer as reformas, disse que a obra custou R$ 777 mil. A obra incluiu a instalação de um elevador privativo. A assessoria do ex- presidente reconhece que Marisa e Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do casal, estiveram na unidade durante a reforma, sem especificar quantas vezes. “Em nenhum momento Lula ou seus familiares utilizaram o apartamento para qualquer finalidade.”

 

“ESCÂNDALO A PARTIR DE INVENCIONICES”

O Instituto Lula afirmou na nota que os adversários do petista e a imprensa “tentam criar um escândalo a partir de invencionices”. A nota tem o título de “Os documentos do Guarujá: desmontando a farsa”. O Instituto Lula afirma que Lula está processando jornalistas do GLOBO em grau de recurso, mas não deixa claro que o ex- presidente perdeu em primeira instância. E que ele só desistiu do imóvel após a publicação de reportagem do jornal, em agosto do ano passado. O MP de São Paulo investiga ocultação de patrimônio por parte do ex- presidente com relação ao imóvel, e a força- tarefa da Operação Lava- Jato põe o tríplex numa lista de 11 apartamentos suspeitos de terem sido usados para lavar dinheiro de contratos da Petrobras.

Na nota, Lula diz agora que, quando Marisa Letícia se associou à Bancoop ( Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo), em 2005, escolheu um apartamento comum, e não o tríplex. No termo de adesão à Bancoop, divulgado junto com a nota, está escrito que o casal ficaria com a unidade 141 do edifício, um apartamento de três quartos. Essa unidade é padrão do prédio, com 82,5 metros quadrados, de acordo com o instituto. Até então, a defesa do expresidente afirmava apenas que Marisa Letícia tinha cotas no empreendimento, não vinculadas a qualquer apartamento.

O promotor Cássio Conserino, do Ministério Público de São Paulo, que apura o caso do tríplex, disse ontem à noite que viu incoerência nas explicações apresentadas pelo Instituto Lula.

— É incoerente com as próprias notas do instituto. Antes diziam que tinham uma cota e agora eles têm uma unidade habitacional específica. Eles não sabem o que têm — disse o promotor.

O instituto acrescenta ainda que, até setembro de 2009, a família Lula investiu R$ 179.650,80 ( R$ 286.479,32 em valores de hoje) no apartamento. Afirma também que, naquela época, a Bancoop passava por uma crise e transferiu empreendimentos para incorporadoras, entre elas a OAS. Quando a OAS assumiu o prédio do Guarujá, Marisa Letícia deixou de fazer os pagamentos mensais porque não recebeu mais boletos da Bancoop, e também não fez a adesão ao contrato com a nova incorporadora. Por isso, perdeu a reserva do 141.

Entre 2009 e 2014, pelo que diz a nota, a família de Lula não teria tentado receber de volta os R$ 179.650,80 que havia pago à Bancoop. Ao todo, 6 mil cooperados perderam dinheiro na operação da Bancoop. Segundo o Instituto Lula, só em 2014, um ano após a obra ser concluída, o ex- presidente e a sua mulher visitaram, junto com Léo Pinheiro, uma unidade à venda no prédio: o tríplex 164- A, de 215 metros quadrados.

Ainda na versão de Lula, a desistência do apartamento ocorreu em 26 de novembro de 2015, por causa das notícias sobre o imóvel. O documento de desistência assinado por Marisa e encaminhado pelo Instituto Lula tem a data de 2009, e os valores que o casal teria direito de receber de volta são os da época ( sem correção pela inflação). Segundo o instituto, “como se trata de um formulário padrão, criado na ocasião em que os associados foram chamados a optar entre requerer a cota ou aderir ao contrato com a OAS ( entre setembro e outubro de 2009), ao final do documento consta o ano de 2009”. O dinheiro ainda não começou a ser devolvido.

Lula também alega que não ocultou patrimônio, como acusa o promotor Cássio Conserino, porque declarou, em seu Imposto de Renda, a “cota- parte” da Bancoop que possuía.

 

CONHEÇA O DOCUMENTO

O documento que a ex- primeira- dama Marisa Letícia diz ter assinado em 26 de novembro de 2015, desistindo do apartamento no Guarujá, é datado de 2009. Na verdade, ela usou, seis anos depois, o termo de desistência apresentado pela Bancoop, em 2009, a todos os donos de cotas no empreendimento, com dados e valores da época