O globo, n. 30128, 01/02/2016. Artigos, p. 13

Data venia

Por: PAULO DELGADO

 

Não foram poucas as operações da Polícia Federal e as investidas do Ministério Público e do Judiciário que, desrespeitando normas básicas do direito, do profissionalismo e da perícia exigidos numa investigação criminal, produziram réus ilegais em nosso país. Punir sem desrespeitar a lei, apurar e julgar sem conduta traiçoeira, deve ser o ponto central de uma justiça relevante. Capaz de proceder com elevada competência e sem a preocupação de influenciar ou exigir o inteiro teor da decisão da instância hierarquicamente superior. Nenhum juiz deve se sentir intimidado pelo desejo da promotoria de condenar. Nenhum promotor deve se sentir confortável atuando acima da lei.

O Judiciário vem sendo cada vez mais protagonista de ações necessárias ao aperfeiçoamento do estado de direito e do princípio da justiça para todos. Compete, infelizmente, ainda, com sua boa imagem, os adicionais de salário e as regalias concedidas a juízes e procuradores capazes de deixar com vergonha deputados e senadores com menos vergonha.

No Judiciário, superou tanto o Parlamento e o Executivo, que espero que não seja esse o motivo da atração de tantos jovens para a carreira de juiz e procurador.

A questão juridicamente relevante de toda a polêmica envolvendo investigação criminal no mundo da política, que nos obriga a meditar, não é tanto o direito à crítica que recebem os envolvidos ou citados, baseados na ideia da transparência e da publicidade dos atos oficiais. Ou a insistência com que correntes políticas, a favor ou contra a forma da investigação, baseiam suas opiniões, usando exasperados argumentos postos na conta da liberdade de expressão. Para os que possuem poderes premonitórios e já estão seguros da existência da condenação de todos, o pleno direito à livre manifestação é o princípio usado para encaixar ali, desde já, a sua fúria. Para quem o juízo crítico se deixa seduzir de outro modo, e sabe bem as voltas que o mundo dá, a discrição da Justiça em relação ao que pode e deve fazer, ajudaria bem. O que conta mesmo é que, no mundo atual, para alguém se sentir habilitado a fazer o que quiser como prefere — seja político, juiz, empresário, delegado, advogado, promotor, jornalista etc. —, uma independência muito clara em relação aos fatos e à lei é uma independência sem futuro.

As leis, de uma maneira geral, servem para os que não a entendem ou para os que encontram vantagens em desobedecê- la. É muito difícil encontrar neutralidade na forma de entender e aplicar a lei. Não é possível, assim, achar que é legal só porque você quer que seja legal. Ou que, se tenho poder, não preciso de lei. Há inclusive uma piada antiga que diz que um júri consiste numa reunião de pessoas para dizer quem é o melhor advogado, o de defesa ou o de acusação.

Quando o crime e a Justiça, numa investigação, precisam andar tão perto, é preciso torcer para que um não contamine o outro, através de inquérito que exale repulsa em relação a qualquer pessoa.