O globo, n. 30130, 03/02/2016. País, p. 7

Obituário - Luiz Felipe Lampreia

Chanceler do governo FH, aos 74 anos

 

Crítico do governo do PT, diplomata escreveu artigos contra a entrada da Venezuela no Mercosul e contra o fim das negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas ( Alca)

 

-BRASÍLIA-

 

A objetividade e o pragmatismo sempre foram marcantes no embaixador Luiz Felipe Lampreia. Quando era ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso ( PSDB), Lampreia não gostava de conversas longas. Costumava resolver tudo em menos de meia hora, enquanto ouvia cantos gregorianos em seu gabinete.

Nascido no Rio em 19 de outubro de 1941, ingressou no Instituto Rio Branco em 1962. Serviu em Portugal, em Paramaribo, no Suriname, e em Genebra, na Suíça — neste posto como representante do Brasil na Organização Mundial do Comércio ( OMC) —, até ser convidado por Fernando Henrique Cardoso a assumir a pasta das Relações Exteriores, de 1995 a 2001.

Crítico ao governo do PT, Lampreia escreveu artigos contra a entrada da Venezuela no Mercosul e os passos dados pelo seu sucessor, Celso Amorim, no Itamaraty. Um deles foi o fim das negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas ( Alca).

Apesar das divergências, Lampreia sempre teve o Estado como prioridade. Assim, há cerca de um mês, assinou, junto com mais 40 embaixadores aposentados de todas as tendências políticas, um manifesto em favor do governo brasileiro num impasse com Israel. As autoridades israelenses tornaram público o nome do líder de assentamentos em territórios palestinos, Dani Dayan, para ser embaixador em Brasília, antes mesmo da concessão do agrément, ou seja, da autorização do governo brasileiro, que já deixou claro que não concederá o agrément.

Mesmo aposentado, Lampreia nunca parou. Mantinha um blog no GLOBO, escrevia artigos e participava de debates e entrevistas sobre política externa com frequência. Era vinculado ao Centro Brasileiro de Relações Internacionais ( Cebri) e presidente do Conselho de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro ( Firjan).

Bastante respeitado entre colegas e representantes da classe produtiva brasileira, o diplomata também fazia parte de conselhos de administração de instituições e empresas nacionais e estrangeiras. São exemplos a Partex Oil and Gas, a Souza Cruz, a Coca- Cola e o banco português Caixa Geral de Depósitos.

Celso Amorim, ex- ministro de Relações Exteriores do governo Lula, lamentou a morte de Lampreia. “Com tristeza tomei conhecimento do falecimento do ministro Luiz Felipe Lampreia, a quem sempre tive em alta consideração como profissional e colega. Lampreia e eu mantínhamos relação de respeito e lealdade recíprocos, nas várias posições que ocupamos, independentemente de nossas eventuais diferenças políticas. Recentemente, tive o prazer de ver seu nome em um abaixo- assinado, que eu só viria a firmar mais tarde, sobre a questão do pedido de agrément do embaixador israelense. Sucedi Luiz Felipe Lampreia como embaixador em Genebra ( inclusive no sistema Gatt/ OMC), secretáriogeral e ministro das Relações Exteriores ( e vice- versa). Posso dar testemunho da elevada reputação de que gozava entre seus pares de outros países”.

 

DILMA DIVULGA NOTA DE PESAR

O Itamaraty e a presidente Dilma Rousseff divulgaram notas. “Neste momento de grande pesar, transmito minhas condolências aos familiares e amigos do exministro, recordando sua contribuição para o Brasil, ao longo de quase quatro décadas de trabalho dedicado ao serviço público”, diz o texto de Dilma. “Os funcionários do ministério que, no Brasil e no exterior, sempre admiraram as qualidades pessoais e profissionais do embaixador Luiz Felipe Lampreia, unem- se no sentimento de perda e dor pela partida prematura do ex- chefe, colega e amigo, e transmitem aos seus familiares os seus mais sentidos pêsames e a certeza de que a sua memória e o seu o exemplo continuarão presentes no Itamaraty”, diz trecho da nota do Itamaraty.

— Era um grande diplomata, um colega e um amigo. E até mesmo um correligionário botafoguense — afirmou Luiz Augusto de Castro Neves, ex- embaixador do Brasil no Paraguai, China e Japão.

Castro Neves ressaltou a contribuição de Lampreia para os estudos das relações internacionais no Brasil pela criação do Conselho Brasileiro de Relações Internacionais. Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, disse que Luiz Felipe Lampreia ajudou o ex- presidente Fernando Henrique Cardoso a projetar o Brasil no cenário internacional:

— Foi um funcionário exemplar, dedicado inteiramente à política externa e ao Itamaraty. Todos nós perdemos um amigo e um grande diplomata.

José Botafogo Gonçalves, ex- ministro de Indústria e Comércio e ex- embaixador do Brasil na Argentina, disse que Lampreia representa a diplomacia que não se sujeita a interesses partidários.

— Tinha com ele uma grande amizade, respeito, carinho. É uma perda muito grande para a diplomacia brasileira e para a intelectualidade. Ele dedicou sua vida à diplomacia — declarou.

O sociólogo e diplomata Luiz Felipe Lampreia morreu ontem, aos 74 anos, após uma parada cardíaca, um mês depois de ter alta do Hospital Samaritano, no Rio. Ele havia sido internado para tratar um tumor de pulmão. A família não informou o local do sepultamento.