Título: Modelo para o mundo árabe
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 03/10/2011, Mundo, p. 12

Com uma bem-sucedida democracia, comandada por um partido islâmico, e bons resultados na economia, o país assume o papel de líder entre as nações do Oriente Médio Em um cenário de revoluções contra políticas autoritárias e conflitos internos que marcam o mundo árabe, a força de um país estável e em pleno desenvolvimento econômico impera. A Turquia assume um papel inédito de liderança no Oriente Médio. Enquanto, nos últimos anos, o foco do governo turco estava na entrada do país na União Europeia, sem nenhuma resposta positiva no horizonte, agora parece ser a hora de olhar para o outro lado e se unir aos vizinhos ¿ e mostrar seu poder. A experiência turca, de ter um partido islâmico no comando da nação, torna-se extremamente relevante para a região neste momento atual de transformação democrática.Com a eclosão da Primavera Árabe e o possível reconhecimento do Estado palestino pela Organização das Nações Unidas (ONU), o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, reeleito nas eleições gerais de junho passado, aproveita a recente popularidade e coloca seus interesses nas mesas de negociação.

Com uma população de 72 milhões, o segundo maior contingente nas forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a 16ª maior economia no mundo e uma democracia estável, a Turquia consegue ter um bom relacionamento com os vizinhos árabes. Ao contrário dos regimes que passaram por revoltas ou enfrentam a insatisfação da população, os turcos experimentam crescimento político, econômico, diplomático e militar. "O que é mais importante para os Estados árabes são as lições que eles podem aprender com a Turquia. O Partido da Justiça e do Desenvolvimento, que tem raízes islâmicas, transformou-se, mudou as instituições democráticas e criou um espaço no meio político sem fazer dele um sistema religioso. E, com essa fórmula, a economia cresceu bastante", explica Ramazan Kilinc, professor-assistente de ciência política da Universidade de Nebraska-Omaha.

O atual primeiro-ministro levou um tom moderado para a política interna e aumentou o investimento estrangeiro e o comércio internacional. "A renda per capita quadruplicou na última década e a Turquia investiu significativamente na política externa", afirma Kilinc. O governo investiu mais na diplomacia e no papel de moderador no cenário, como fez em 2010 na questão nuclear do Irã, ao lado do Brasil. Nos últimos meses, com as mudanças na região e o rompimento com Israel ¿ devido ao fato de a nação hebraica ter se recusado a pedir desculpas pelo ataque a uma frota humanitária que partiu da Turquia rumo a Gaza ¿, a administração de Erdogan ficou ainda mais em evidência. "Tudo isso atraiu a atenção do povo árabe e fez com que a influência turca aumentasse na região", completa o especialista turco.

Discurso Erdogan conseguiu se distanciar dos regimes autoritários alvos da Primavera Árabe, especialmente os da Síria e da Líbia, e tornou-se popular no mundo árabe ao defender os interesses palestinos diante da Liga Árabe nas últimas semanas.

"A Turquia tem um sentimento de grandeza e a vontade de ter um papel maior no cenário internacional. Deve funcionar como um irmão mais velho para outros países muçulmanos. A manobra da liderança, por enquanto, é mais baseada nas conversas do que em algo concreto e substancial", observa Umut Uzer, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Utah.

A habilidade de Erdogan de falar em público e liderar grupos sempre marcou sua história. Ele foi um importante jogador de futebol, conseguiu entrar na política por meio do Partido da Justiça e do Desenvolvimento e chegou a ser preso pelos militares por declamar um poema em praça pública.

Agora, muitos especialistas o comparam com o ex-presidente egípcio e ícone da região Abdel Nasser. "Ele não quer necessariamente se tornar uma superliderança na região, mas aproveita-se da popularidade. Erdogan é o único líder político, atualmente, cuja influência e carisma ultrapassam as fronteiras nacionais. Isso é um fenômeno, uma raridade no Oriente Médio. Sua estratégia de política externa promove estabilidade e interação econômica. Ele está seguindo os passos de muitos líderes europeus em termos de cooperação e integração para reduzir a tensão na vizinhança", aponta Ihsan Dagi, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Técnica do Oriente Médio.

Por outro lado, as tensões com Israel podem envolver a Turquia em outros problemas. Recentemente, por exemplo, Ancara condenou a exploração de gás e petróleo no litoral de Chipre, realizada em conjunto com os israelenses, e chegou a ameaçar enviar navios militares ao local.

"A tensão é real e perigosa. Ela ameaça a paz no Mediterrâneo. Faz apenas dois anos que a Turquia estava mediando um acordo entre Israel e Síria. Agora, precisa de mediação para tratar as suas diferenças. Eu acredito que os israelenses estão levando os turcos para mergulhar no território barrento do Oriente Médio. E Erdogan está usando a tensão para aumentar seu apelo nas massas árabes", afirma Dagi.

Encontro com Dilma

A Turquia é o destino final da presidente Dilma Rousseff na viagem internacional que ela iniciou ontem pela Bélgica. O outro país a ser visitado é a Bulgária. Dilma chegará a Ancara na sexta-feira, quando se reunirá com o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, e com o presidente turco, Abdullah Gül. Depois da visita ao país, Dilma voltará ao Brasil no sábado.

A Turquia tem um sentimento de grandeza e a vontade de ter um papel maior no cenário internacional. Deve funcionar como um irmão mais velho para outros países muçulmanos" Umut Uzer, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Utah

Erdogan é o único líder político, atualmente, cuja influência e carisma ultrapassam as fronteiras nacionais. Isso é um fenômeno, uma raridade no Oriente Médio" Ihsan Dagi, professor da Universidade Técnica do Oriente Médio