Valor econômico, v. 16, n. 3966, 18/03/2016. Política, p. A5

Justiça suspende posse de Lula na Casa Civil

Carolina Oms

Letícia Casado

Maíra Magro

Bruno Peres

A nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, empossado ontem na Casa Civil, foi suspensa pela Justiça. Duas decisões judiciais de primeira instância sustaram o ato, e uma delas, do juiz da 4ª Vara da Justiça Federal, Itagiba Catta Preta, de Brasília, foi revogada ainda na noite de ontem. Permanece em vigor a da juíza da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Regina Coeli Formisano.

O desembargador e presidente do Tribunal Regional da Primeira Região (TRF-1), Cândido Ribeiro, suspendeu a liminar concedida por Catta Preta. Em sua decisão, ele afirmou que a suspensão da posse acarreta "grave lesão à ordem e à economia públicas, visto que agrava ainda mais a crise política" e disse que a decisão é "nítida ingerência jurisdicional na esfera de outro poder".

Itagiba havia deferido liminar do advogado Enio Meregalli Júnior. Regina Coeli atendeu ao advogado Thiago Schettino Godim Coutinho, alegando que a nomeação teria como finalidade blindar o ex-presidente de investigações que tramitam no âmbito Operação Lava-Jato.

O Supremo Tribunal Federal já recebeu, até o momento, dez ações contra a posse. O ministro Teori Zavascki é relator de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada pelo PSB e outra feita do PSDB. O ministro pediu informações à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Procuradoria-Geral da República (PGR), e deu prazo de cinco dias para que as partes se manifestem. O ministro Gilmar Mendes é relator de quatro petições realizadas por advogados.

Gilmar também é relator de recursos impetrados pelo PPS, PSDB e o advogado Carlos Antônio de Freitas. Ainda não há decisão sobre essas ações, mas Mendes já afirmou que a nomeação de Lula para a Casa Civil foi uma manobra utilizada para retirar seu processo de Curitiba.

Questionado sobre as ações, ele disse que ainda não havia visto o material, mas, antes mesmo da primeira liminar contra Lula sair, em Brasília, afirmou que a suspensão da nomeação poderia ser feita pela primeira instância. "Recentemente nós tivemos esse incidente com o ministro da Justiça", disse Gilmar a jornalistas, em uma alusão ao processo que impediu que Wellington César Lima e Silva assumisse a pasta.

O advogado Rafael Evandro Fachinello também ajuizou uma ação cautelar no STF, que foi negada pelo ministro Marco Aurélio Mello. Ele já entrou com recurso.

O PPS afirma que a nomeação do ex-presidente teria sido feita com "desvio de finalidade" e argumenta que com a ida de Lula para o ministério Casa Civil "pretende-se alterar o juízo competente para apreciar pedido de prisão". Já os advogados Afonso Assis Ribeiro, Gustavo Kanffer e Flávio Henrique Costa Pereira, na ação do PSDB, afirmam que a nomeação "tem a exclusiva finalidade de alterar - artificialmente - a competência para julgamento criminal do ex-presidente" e esse "desvio de finalidade caracteriza uma clara afronta aos preceitos fundamentais da moralidade e da impessoalidade da administração pública".

Advogados reunidos em movimentos de oposição entraram com mais de 50 ações populares na Justiça Federal em diferentes Estados pedindo a anulação da posse do ex-presidente. Em uma dessas ações, a juíza Ivani Silva da Luz, da 22ª Vara Federal de Brasília, deu 48 horas para a AGU se manifestar. O governo então recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando conflito de competência, para que todas as ações sobre o assunto sejam julgadas por Ivani Silva da Luz, que recebeu a primeira ação. Assim, o Executivo tenta evitar ser surpreendido a todo momento com ações em diferentes instâncias judiciais e enterrar o assunto a partir de uma decisão única.

 

O pedido é assinado por advogados integrantes de dois grupos de oposição, denominados Associação Pátria Brasil e Advogados Unidos Contra a Corrupção. Paulo Fernando Melo da Costa, um dos autores, diz que a posse seria irregular porque Lula teria sido nomeado com o objetivo de ter foro privilegiado. Ele também cita suposta obstrução à Justiça e fraude processual por parte do ex-presidente. (Com agências noticiosas)

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Celso de Mello classifica declarações sobre Supremo como "insulto"

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, classificou ontem como "insulto" declarações feitas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a Corte em conversa telefônica interceptada pela Lava-Jato e divulgada na quarta-feira. O ministro disse que a fala de Lula é "absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa" e que o ex-presidente "ofendeu, gravemente, a dignidade institucional do Poder Judiciário, imputando a este Tribunal a grosseira e injusta qualificação de ser uma 'Suprema Corte totalmente acovardada'".

Em pronunciamento lido no plenário do Supremo, Mello afirmou que a reação de Lula é "torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e o receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes", disse.

Às 13h de sexta-feira, dia 4, depois de ser alvo de condução coercitiva dos federais em São Paulo, Lula conversou por telefone com a presidente Dilma Rousseff. "Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um parlamento totalmente acovardado".

Segundo o ministro, Lula reagiu assim por temer o "império da lei e o receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes". "A República, além de não admitir privilégios, repudia a outorga de favores especiais e rejeita a concessão de tratamentos diferenciados aos detentores do poder ou a quem quer que seja", disse Mello.

Lula foi alvo de escuta telefônica de 26 de fevereiro a 16 de março. Neste período, ele citou o nome da ministra Rosa Weber em cinco ligações - era ela a relatora de recursos que questionavam a competência do juiz federal Sergio Moro, que conduz a Lava-Jato, para investigar Lula, pois havia uma investigação em São Paulo - que acabou remetida pela Justiça estadual ao magistrado federal.

Depois que Mello encerrou seu pronunciamento, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, disse que a Corte tem a elevada missão de manter a supremacia da Constituição e o Estado Democrático de Direito. "Tenho certeza de que os juízes dessa Casa não faltarão com os cidadãos brasileiros".

Outro crítico das declarações do ex-presidente, o ministro Gilmar Mendes ponderou que a conversa de Dilma com Lula que menciona "termo de posse" pode caracterizar obstrução de justiça. Dilma disse a seu antecessor que entregaria a ele termo de posse no ministério para usar "em caso de necessidade".

"Se houver avaliação de que se trata de medida para descredenciar a justiça, certamente está nos tipos de crime de responsabilidade", disse Gilmar Mendes.

Em sessão do Superior Tribunal de Justiça realizada ontem, o ministro João Otávio Noronha fez dura crítica a Lula. "Esta Casa é uma Casa de juízes íntegros, que não recebem doação de empreiteiras. Esta Casa não se alia com políticos da América do Sul, concedendo benefícios a ditadores e a grupos políticos que estrangulam a liberdade".

 

Durante a cerimônia de posse de Lula na Casa Civil, Dilma disse que o termo precisava ser assinado pelo ex-presidente e era a isso a que se referia na ligação, porque ele talvez não participasse da solenidade.

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Ex-presidente rebate críticas em carta aberta

 

O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva divulgou na noite de ontem uma carta aberta na qual faz considerações sobre sua relação com o Poder Judiciário e disse confiar na Justiça. Lula foi criticado publicamente nesta tarde por ministros do Supremo Tribunal Federal por causa de declarações suas grampeadas no âmbito da Operação Lava-Jato.

Na carta, Lula diz acreditar "nas instituições democráticas, na relação independente e harmônica entre os Poderes da República, conforme estabelecido na Constituição Federal".

O ex-presidente afirma que espera dos integrantes do Poder Judiciário "isenção e firmeza para distribuir a Justiça e garantir o cumprimento da lei e o respeito inarredável ao estado de direito".

Ele diz ainda acreditar "nos critérios da impessoalidade, imparcialidade e equilíbrio que norteiam os magistrados incumbidos desta nobre missão".

O ex-presidente afirma que sempre que foi necessário, recorreu ao Supremo "especialmente nestas últimas semanas, para garantir direitos e prerrogativas que não me alcançam exclusivamente, mas a cada cidadão e a toda a sociedade".

E, enquanto exerceu a presidência, demonstrou "apreço e respeito pelo Judiciário".

"Não o fiz apenas por palavras, mas mantendo uma relação cotidiana de respeito, diálogo e cooperação; na prática, que é o critério mais justo da verdade." Sob o manto de processos conhecidos primeiro pela imprensa e só depois pelos diretamente e legalmente interessados, foram praticado atos injustificáveis de violência contra minha pessoa e de minha família.

 

O ex-presidente ressalta que me teve subtraídos "direitos fundamentais por agentes do Estado". Afirma que não espera que ministros e ministras da Suprema Corte "compartilhem minhas posições pessoais e políticas", mas, diz, não se conforma que "palavras extraídas ilegalmente de conversas pessoais tornem-se objeto de juízos derrogatórios sobre meu caráter".