Título: Aos 21 anos, Código será atualizado
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Fonte: Correio Braziliense, 03/10/2011, Cidades, p. 24

O Código de Defesa do Consumidor, há 21 anos em vigor, imprimiu melhorias significativas na vida dos cidadãos brasileiros. Com um texto claro e abrangente, a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como CDC, modificou as relações de consumo e impôs mais transparência e respeito entre fornecedores e clientes. Nessas duas décadas, ocorreram muitas outras transformações no mercado que não decorreram somente da legislação, mas do avanço da tecnologia. As compras pela internet e a recente ascensão da classe C, que expandiu o consumo das famílias antes de baixa renda, fazem parte desse cenário, não previsto pelos legisladores que elaboraram o Código.

A falta de previsão legal dessa nova realidade motivou um movimento para reformar o CDC. Prevista desde o ano passado, a atualização está mais perto do que nunca de sair do papel. A estimativa é que a comissão de juristas destacada exclusivamente para rever o que precisa ser atualizado entregue os trabalhos no próximo dia 19.

O grupo de especialistas foi criado em dezembro do ano passado pelo presidente do Senado, José Sarney. Eles receberam a incumbência de apresentar versões para um anteprojeto dentro de um prazo de 80 dias. No entanto, até a data-limite, 13 de junho, os trabalhos não estavam concluídos. Houve a necessidade de realizar mais reuniões, debates e audiências públicas sobre o tema e de ouvir também a população, o que motivou a prorrogação do prazo de fechamento da proposta.

Tramitação O promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, Leonardo Bessa, que integra a comissão, explica que as versões preliminares ficaram prontas em junho e trazem três novidades: nas áreas de comércio eletrônico, no processo de superendividamento e também sobre as ações coletivas (veja quadro). "Nesta semana ainda faremos as últimas audiências e, logo depois, vamos nos reunir para avaliar quais pontos serão modificados e sugestões serão acolhidas", afirma.

Depois de pronto, o documento segue para o senador Sarney, que o levará, na forma de projeto de lei, para avaliação da Casa. "Provavelmente, a tramitação será rápida. O que estamos fazendo é incluir o que falta no Código. Não é o fim do mundo, as pessoas hoje conseguem ter os direitos reconhecidos de forma indireta, mas vamos detalhar para tornar o processo mais rápido. É um instrumento que conta a favor", resume Bessa.

Para ele, as modificações feitas ao longo dos anos por deputados e senadores no Congresso Nacional não foram significativas. "Há uma que trata sobre contratos de adesão, que é preciso ter um tamanho mínimo para a letra, número 12. A lei já dizia que precisava ser legível, mas não detalhava o tamanho. Veja, não foi ruim, mas não mudou nada", argumenta.

Tardin, presidente do Ibedec: lei corre o risco de não ser aplicada

Interferências O advogado Geraldo Tardin, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo das Relações de Consumo (Ibedec), também acredita que a intervenção dos legisladores não foi capaz de trazer melhorias para a lei que está em vigor. Segundo ele, os 236 projetos que hoje tramitam na Câmara dos Deputados para reformar o Código poderiam torná-lo menos eficiente. "Depois da Lei Maria da Penha, é o Código de Defesa do Consumidor que possui maior simbolismo. As pessoas sabem o que é. Mas, se ele começar a focar em diversos assuntos de forma muito específica, se tornará uma codificação gigante, que ninguém vai aplicar", diz.

Para Tardin, os assuntos que estão sendo incluídos graças ao projeto de revisão da lei são extremamente relevantes. "Na época em que o CDC foi criado, o acesso ao crédito não existia assim como é hoje. Não percebíamos essa massificação dos contratos também. Os bancos aproveitaram esse momento em que 33 milhões de famílias passaram da classe D para a C e ficaram endividadas", explica. Segundo ele, é preciso que essas empresas financeiras sejam responsabilizadas, caso comprometam a vida de famílias oferecendo empréstimos sem analisar se o cliente tem condições de se livrar daquela dívida.

Palavra de especialista Orientar o consumo

Apesar de a comissão de juristas não estar discutindo a ampliação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) para serviços públicos, essa seria uma questão muito interessante de se abordar. Os serviços prestados pelo governo são essenciais e, a princípio, a regra é enxergar a situação como uma relação administrativa tributária. Significa que o Estado é remunerado, mas isso ocorre por meio de imposto. Por esse motivo, a relação é vista de forma diferente do que ir simplesmente a uma loja e comprar qualquer coisa. Mas seria possível que ele passasse a abranger, basta ter regulamentação. A ideia é: se é tão essencial que não podemos ficar sem esse serviço, se pagamos por ele, por que não usar o CDC para orientar essa relação de consumo?

José Galvão, professor de direito do consumidor do UniCeub