Título: Às ordens da Fifa
Autor: Pinto, Paulo Silva
Fonte: Correio Braziliense, 04/10/2011, Política, p. 2/3

Após encontro da presidente Dilma com lideranças da entidade máxima do futebol, o ministro do Esporte admite que o governo vai rever pontos do projeto da Lei Geral da Copa e deve liberar a venda de bebidas alcoólicas nos estádios

Bruxelas ¿ O governo brasileiro já aceita mudar o projeto da Lei Geral da Copa de 2014, enviado ao Congresso há duas semanas. O ministro do Esporte, Orlando Silva, disse ontem que o Planalto está disposto a rever a redação da proposta para atender exigências da Fifa, a entidade máxima do futebol mundial, principalmente sobre os direitos de transmissão de televisão e venda de bebidas alcoólicas nos estádios. A declaração foi feita ao lado do secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, logo após uma reunião que os dois tiveram com a presidente Dilma Rousseff. Ela está no país para a V Cúpula Brasil-União Europeia, e decidiu receber pela primeira vez um dirigente da Fifa.

A reunião, que ocorreu no hotel onde a delegação brasileira está hospedada, foi acertada de última hora. Até sexta-feira, não era certa a ida do ministro do Esporte a Bruxelas ¿ o nome dele nem sequer constava na lista de autoridades da viagem. Após grande insistência por parte da Fifa, Dilma concordou em abrir o diálogo. Ficou acertada uma nova reunião para a próxima semana.

No fim do mês, segundo Valcke, o presidente da entidade, Joseph Blatter, deverá ir a Brasília para se encontrar com Dilma. Ele disse que haverá uma declaração conjunta de ambos, e até mesmo uma entrevista coletiva à imprensa, sobre "o acordo que estão concluindo e que assinarão entre o Brasil e a Fifa".

Os dirigentes da Fifa estão preocupados com várias das regras previstas para o Mundial de 2014: a meia-entrada para estudantes e idosos; a proibição de vender bebidas em estádios; a oferta de voos internos e de hospedagem a preços que não sejam muito elevados; e o uso de imagens dos jogos por empresas que não pagaram por direitos de transmissão (veja quadro ao lado).

Ao lado de Valcke, o ministro do Esporte procurou deixar claro que o governo não tem responsabilidade sobre a maior parte dessas questões. A venda de bebidas, disse, faz parte do regulamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a partir de um acordo com o Ministério Público. A meia-entrada de estudantes é assunto tratado em leis estaduais. "A própria Fifa, tenho certeza, pautará esse diálogo com os governos locais. E de nossa parte o que for possível colaborar para o ambiente ficar mais harmônico nós faremos", disse ele.

O uso de imagens é o ponto com mais chances de avançar, segundo Orlando Silva. "O acesso à informação está garantido pelo flagrante jornalístico. A preocupação relativa à manipulação desse acesso (jornalístico) às imagens, seja com fins comerciais, seja para divulgação em outros países, não é só da Fifa, é uma preocupação nossa. Esse é um exemplo de que a redação pode ser aperfeiçoada para evitar manipulação", afirmou o ministro do Esporte. Ele disse também que o projeto poderá ser alterado para garantir que o credenciamento de jornalistas caberá à Fifa e que o governo brasileiro indenizará a Fifa se causar prejuízos à entidade, por ação ou omissão.

"Foi a primeira vez que nós, da Fifa, tivemos a oportunidade de nos expressar e de trocar informações com a presidente, a senhora Rousseff. Tivemos a oportunidade de dizer que ou nós trabalhamos juntos, e isso será um ganha-ganha, ou não trabalhamos juntos, e ambos perdemos: a Fifa e o Brasil", disse o secretário-geral da Fifa.

Valcke afirmou que não há dúvidas na Fifa quanto à obrigação de cumprir leis locais. "Temos que garantir que a Constituição Brasileira seja aplicada assim como os direitos da Fifa sejam protegidos." Ele ponderou que é preciso lembrar que a Copa é um evento único, sobre o qual não devem ser aplicadas algumas regras que valem para outros eventos. "Vocês têm de entender que a Copa do Mundo é financiada por parceiros privados e nós nunca, nunca colocamos nós, ou colocamos eles, em uma situação negativa em relação a esses compromissos. Vamos proteger nossos parceiros comerciais, TVs e patrocinadores tanto quanto pudermos. E está claro que isso será parte da discussão", afirmou.

Estádios O secretário-geral da Fifa disse que não há preocupação em relação aos estádios, que estarão prontos até a Copa, ainda que nem todos, talvez, para a Copa das Confederações, em 2013. No dia 20, a Fifa anunciará em que cidades serão realizados todos os jogos, da abertura à final. "Eu já sei quais são. Mas cabe ao comitê executivo dar a palavra final."

A preocupação da Fifa é quanto à falta de infraestrutura e às dimensões continentais do país. O secretário-geral da Fifa quer que seja garantida na Copa a oferta de passagens aéreas internas e hospedagem a preços razoáveis. E deixou subentendido que o governo precisa trabalhar para isso. "É preciso ter a possibilidade de voar de Recife a Porto Alegre sem problemas. Se seu time está indo de uma cidade para outra, é preciso assegurar que seja simples se deslocar, e aliás que não seja caro." Perguntado se tinha certeza de que a Copa ocorrerá no Brasil de acordo com os padrões da Fifa, ele hesitou: "De acordo com as regras da Fifa, eu não sei".

As divergências

Estatuto do Idoso Fifa Suspensão das meias-entradas para todos os torcedores. Governo A presidente Dilma bate o pé e diz que a meia-entrada para idosos é uma conquista social.

Estudantes Fifa Entrada inteira para todos os torcedores. Governo A presidente Dilma alega que a meia-entrada para estudantes é regida por legislações estaduais, não havendo espaço para interferência do governo federal.

Bebidas alcoólicas Fifa A entidade quer que a venda de bebidas alcóolicas seja permitida nos estádios em dias de jogos. Governo Dilma concordou em retirar, do Estatuto do Torcedor, a proibição de venda nos estádios. Mas a Fifa quer que, na lei, fique claro que a venda será permitida, o que, na análise da entidade máxima do futebol, está apenas subentendido.

Pirataria Fifa Cobra penas duras para quem piratear símbolos da Copa do Mundo. Governo A Lei Geral da Copa prevê penas de três meses a um ano de reclusão. No entanto, o acordo ainda não saiu porque a Fifa acha que reclusão de até um ano não é coercitiva e pede uma punição maior. O governo brasileiro alega que essa é a pena prevista para os casos de pirataria no país.

Direitos de transmissão Fifa Defende que o governo não deve interferir na distribuição das imagens da Copa do Mundo. Governo Avalia que a emissora detentora dos direitos de transmissão deve repassar para as demais emissoras, até duas horas após a realização do jogo, 6% do tempo total de duração da partida. A Fifa sabe que essa regra (obrigatoriedade de distribuir 6% das imagens) é universal no caso de grandes eventos. Questiona apenas o prazo máximo de duas horas para essa distribuição. O governo brasileiro quer evitar o monopólio.

Direitos do consumidor Fifa A entidade quer liberdade total se precisar alterar datas e horários dos jogos. Governo Dilma defende que, nesses casos, com base no Estatuto do Torcedor, quem comprou o ingresso terá de ser ressarcido ou ter o direito de entrar no evento remarcado sem a necessidade de comprar uma nova entrada.

Colaborou Paulo de Tarso Lyra