O globo, n. 30129, 02/02/2016. País, p. 4

LULA E SEUS PARENTES FORAM MAIS DE CEM VEZES A SÍTIO

Segundo ‘ Época’, seguranças receberam 968 diárias para trabalhar no local

BRASÍLIA - Seguranças do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva estiveram 111 vezes em Atibaia, no interior de São Paulo, ao longo dos últimos quatro anos, indicando que as visitas de Lula ao local eram frequentes. Na cidade fica um sítio utilizado pelo ex- presidente e reformado pela Odebrecht, empreiteira investigada na Operação Lava- Jato. As informações são da revista “Época”, que teve acesso a relatórios da Presidência da República sobre viagens de servidores que ficam à disposição de Lula.

A legislação permite que ex- presidentes tenham direito a quatro servidores para segurança e apoio pessoal, além de dois veículos oficiais com motoristas. As despesas são custeadas pela Presidência. Com posse desses dados, é possível saber a frequência com que Lula ia a Atibaia. O sítio está em nome de amigos da família, um deles sócio de Fábio Luís, filho de Lula. Lula nega ser dono da propriedade rural.

Os relatórios da Presidência cobrem o período de 2012 a 11 de janeiro deste ano. Ao longo desses quatro anos, há diárias em Atibaia pagas em nome de sete servidores. Segundo “Época”, foram, ao todo, 968 diárias que custaram R$ 189 mil. Os servidores pernoitaram 283 vezes. Em alguns casos, tiveram de alternar turno, para que sempre houvesse alguém na cidade à disposição de Lula. Em geral, as viagens eram de São Bernardo do Campo, onde Lula mora, para Atibaia, e depois de Atibaia para São Bernardo do Campo.

VISITAS DURANTE A COPA

No começo, em 2012, as viagens eram mais curtas. O ápice das visitas, segundo a revista, foi entre junho e julho de 2014, período da Copa. Lula teria assistido a jogos lá. Nessa época, os servidores passaram seis fins de semana seguidos em Atibaia.

Houve seis casos de deslocamento de servidores enquanto Lula estava deixando ou retornando o país. Segundo “Época”, a Polícia Federal registrou, por exemplo, saída de Lula do país em 13 de março de 2013. Apesar de Lula estar no exterior naquela ocasião, o Planalto registrou que o objetivo da viagem do servidor era “compor a equipe de segurança do Sr ExPresidente da República”.

Procurado pelo GLOBO, o Instituto Lula voltou a dizer que o sítio é de amigos da família e que o ex- presidente e sua mulher, Marisa Letícia, viajam ao local para passar dias de descanso. O Instituto Lula também informou que a Lei 7.474, de 8 de maio de 1986, define que o provimento de servidores a serviço dos ex- presidentes é para segurança e apoio pessoal. Assim, não há nada que os obrigue a seguir o ex- presidente, podendo acompanhar apenas seus familiares.

O programa eleitoral do PT que vai ao ar hoje, em cadeia de rádio e TV, fará a defesa do ex- presidente Lula.

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Desistência levou a prejuízo de R$ 100 mil

Demora de seis anos levou Lula a peder dinheiro; MP desconfia da versão

Por: THIAGO HERDY

thiago. herdy@ sp. oglobo. com. br

 

SÃO PAULO - Ao desistir de comprar o tríplex do condomínio Solaris, no Guarujá, o ex- presidente Lula teve prejuízo de ao menos R$ 100 mil. Isso porque sua família demorou seis anos para optar pela devolução de valores investidos entre 2005 e 2009, quando os cooperados foram obrigados a decidir entre receber valores de volta ou pagar mais para ter o apartamento concluído pela empreiteira OAS.

Em nota divulgada domingo, o Instituto Lula informou que a ex- primeira dama assinou em novembro de 2015 termo concordando em receber R$ 188,2 mil de restituição, divididos em 36 parcelas de R$ 5.227,99. Com isso, a família do ex- presidente terá valores totalmente restituídos apenas ao final de 2018, o que aumenta o prejuízo estimado com o negócio.

A própria família de Lula calculou em R$ 286 mil o total investido pelo casal em uma unidade do edifício, se considerada a correção monetária até os dias atuais, o que permite chegar ao valor de prejuízo de quase R$ 100 mil, se considerada estimativa conservadora.

INVESTIMENTO DE R$ 777 MIL

O Ministério Público de São Paulo suspeita que Lula usaria o crédito que tinha no Solaris para obter o tríplex 164- A do mesmo edifício, que teria sido submetido a reforma para atender ao ex- presidente, mas que ele desistiu após a revelação pelo GLOBO dos detalhes das intervenções da OAS. Apenas em móveis e equipamentos, a construtora teria gasto aproximadamente R$ 777 mil.

Em depoimento ao Ministério Público, o engenheiro Armando Dagre, sócio da Talento Construtora, disse que “praticamente” refez o tríplex 164- A, entre abril e setembro de 2014. Ele disse ter tido contato com a ex- primeira dama Marisa Letícia, que visitava o local. Segundo ele, o contrato para reforma incluiu novo acabamento, uma outra piscina, mudança da escada e instalação de elevador privativo, que custou R$ 62,5 mil.

Em depoimento, dois funcionários do edifício — um zelador e uma funcionária da portaria — relataram ter visto Lula e a ex- primeira- dama visitando a reforma do apartamento. Anteontem, após evitar comentar os depoimentos, Lula admitiu ter visitado o apartamento ao lado do presidente da OAS, Léo Pinheiro, preso pela Lava- Jato.

Na nota divulgada domingo, Lula disse ter desistido de adquir ir um imóvel no prédio, sob a alegação de que notícias divulgadas pela imprensa sobre o edifício teriam “rompido a privacidade necessária ao uso familiar do apartamento”. Na nota, o expresidente argumentou que os valores de reformas e modificações “naturalmente seriam incorporadas ao valor final da compra”, tese que o MP paulista questiona.

Pelo terceiro dia, O GLOBO perguntou à OAS por que ela permitiu que a família de Lula decidisse seis anos depois se ficaria ou não com um apartamento.

O prazo para fazer esta opção era 8 de novembro de 2009, exatos 30 dias depois da formalização da transferência do empreendimento da Bancoop para a OAS. A construtora não quis se manifestar.

No domingo, o Instituto Lula disse que adversários do ex- presidente e imprensa “tentam criar um escândalo a partir de invencionices”. Lula nega que era dono do tríplex e ressalva que quando a sua mulher se associou à Bancoop, em 2005, escolheu um apartamento comum do prédio e não o tríplex.

 

Perguntas sem resposta

– Por que Lula sustentou por tanto tempo possuir apenas uma cota no edifício, sem nunca mencionar um número de apartamento, como fez agora?

 

– Por que demorou seis anos para decidir se ficaria com o imóvel, se os demais mutuários tiveram apenas um mês para fazer essa opção, em 2009, de acordo com decisão da assembleia de cooperados da Bancoop?

 

– Por que a OAS fez uma reforma de R$ 770 mil apenas no tríplex 164- A, se a unidade ainda não tinha um destinatário definido?

 

– Por que o então presidente da OAS, Léo Pinheiro, acompanhou pessoalmente o casal em visita ao apartamento?

 

– Por que a mulher de Lula, Marisa Letícia, acompanhou a reforma do apartamento, se ainda não havia decidido comprá- lo?

 

– Por que Lula não contestou O GLOBO quando, em 2010, o jornal informou que o então presidente esperava pela conclusão de um tríplex no Guarujá e não um apartamento simples, de 82,5 metros quadrados?

 

– Por que funcionários do condomínio eram orientados a evitar citar o nome de Lula ao serem perguntados sobre o apartamento?