O globo, n. 30129, 02/02/2016. País, p. 8

Impeachment: Cunha acusa STF de intervir na Câmara

Peemedebista entra com recurso contra decisão da Corte de definir rito para processo de afastamento
Por: CAROLINA BRÍGIDO

 

CAROLINA BRÍGIDO

carolina@ bsb. oglobo. com. br

 

- BRASÍLIA- O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), apresentou ontem ao Supremo Tribunal Federal ( STF) recurso contra a decisão que a Corte tomou em dezembro, quando definiu o rito para o andamento do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Na peça, Cunha acusa o STF de intromissão indevida no funcionamento da Câmara, prejudicando a atuação dos parlamentares.

“Nunca na história do Supremo Tribunal Federal se decidiu por uma intervenção tão profunda no funcionamento interno da Câmara dos Deputados, restringindo, inclusive, o direito dos parlamentares”, diz o texto do recurso.

A regra é que o STF analise os chamados embargos de declaração apenas depois de publicado o acórdão do julgamento, o que ainda não aconteceu. Cunha explica ter entrado antes com o recurso diante da gravidade da situação. Em tese, o Supremo não pode modificar os efeitos de uma decisão ao julgar embargos de declaração. Esse tipo de recurso existe apenas para esclarecer pontos obscuros da decisão. Ainda assim, Cunha pede que o STF mude a decisão tomada em dezembro.

“A decisão proferida tem gerado inúmeras interpretações divergentes, contraditórias e obscuras, a ponto até mesmo de impedir o regular funcionamento da Câmara dos Deputados nos próximos meses”, diz o texto.

No documento, Cunha questiona três pontos principais. O primeiro é a decisão do STF de não permitir candidatura avulsa na disputa pela composição da Comissão do Impeachment. De acordo com o STF, apenas os líderes partidários podem indicar os membros dessa comissão, que seriam aprovados ou não pelo plenário da Câmara. Segundo Cunha, o Regimento Interno da Câmara determina que os integrantes da comissão sejam eleitos, e não indicados. Portanto, a chapa avulsa deveria ser permitida.

“Com efeito, a chapa avulsa é da tradição do Poder Legislativo e se constitui induvidosamente como matéria ‘ interna corporis’. É muito grave essa intervenção determinada por essa Suprema Corte em assuntos internos do Poder Legislativo. Esse ineditismo na decisão proferida pode acarretar consequências maiores do que o casuísmo desse julgamento”, diz a defesa da Câmara.

Caso seja mantida a proibição da chapa avulsa, Cunha pede que ele mesmo possa indicar os integrantes da comissão, caso o plenário rejeite sucessivamente os nomes apresentados pelos líderes.

Outro ponto contestado é que a eleição para a comissão seja por voto aberto, não secreto. A defesa argumenta que o voto secreto é a regra geral, porque “preserva a escolha dos votantes”. Por fim, Cunha questiona a decisão do STF de conferir ao Senado o poder de arquivar o processo de impeachment, mesmo que ele tenha sido aberto pela Câmara. O recurso pede que o Senado se limite a autorizar a abertura do processo, sem poder de veto.

Cunha ( PMDB- RJ), disse que não tomará atitude em relação à comissão especial do impeachment enquanto os embargos não forem julgados: “Não faremos nada enquanto não julgar o embargo”, escreveu ele pelo celular. ( Colaborou Isabel Braga)

 

“Nunca na história do STF se decidiu por intervenção tão profunda no funcionamento interno da Câmara dos Deputados”

Trecho do recurso de Cunha

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LADO A LADO COM O INIMIGO

Janot e Eduardo Cunha sentam em cadeiras próximas no Supremo, mas nem se cumprimentam. No discurso, procurador não menciona o presidente da Câmara e ressalta Operação Lava- Jato
Por: CAROLINA BRÍGIDO / EVANDRO ÉBOLI

 

CAROLINA BRÍGIDO

EVANDRO ÉBOLI

opais@oglobo.com.br

 

- BRASÍLIA Uma regra de cerimonial pôs ontem lado a lado acusador e acusado. Na sessão de abertura do ano do Judiciário no Supremo Tribunal Federal, o procurador- geral da República, Rodrigo Janot, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDBRJ), sentaram- se juntos, mas não trocaram sequer uma palavra. Cunha ainda passou pelo constrangimento de ouvir Janot cumprimentar todas as outras autoridades presentes, mas ignorá- lo totalmente na saudação protocolar.

Cunha foi denunciado na Operação Lava- Jato por Janot, que também pediu ao STF seu afastamento do cargo de presidente da Câmara.

Janot saudou o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL) — que, como Cunha, é investigado na LavaJato —, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que representava a presidente Dilma Rousseff. Sobre Cunha, nenhuma menção. Após o discurso, Cunha também não aplaudiu o procurador, como os demais.

Em reunião ontem, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB) reforçou a recomendação da Procuradoria Geral da República que pede o afastamento de Cunha da presidência da Câmara. Para a OAB, a saída de Cunha é necessária para evitar o desgaste da instituição por conta das investigações contra ele.

À noite, Cunha disse que não se sentiu constrangido na cerimônia:

— A mim nada ( constrangeu), absolutamente nada. Estou representando a institucionalidade, a Casa. Apenas cumpri meu papel — disse Cunha, em rápida entrevista ao deixar a Câmara.

No discurso, Janot apresentou um balanço da Lava- Jato. Segundo ele, os crimes denunciados apontam pagamento de propina no total de R$ 6,4 bilhões. Do dinheiro desviado, R$ 2,8 bilhões foram recuperados e R$ 659 milhões são objeto de repatriação. Até agora houve 80 condenações e as penas impostas somam 783 anos de prisão. Na presença de Cunha, o chefe do Ministério Público avisou que a instituição continuará atenta para evitar que alguém se apodere do patrimônio público.

— Os poderes político e econômico e os setores da sociedade civil hão de entender que o país adentrou em nova fase da qual os holofotes não serão desligados e serão, constantemente, direcionados à observância estrita do ordenamento jurídico. O que é público é de todos; não é e não deve ser de alguém — disse Janot.

Ele defendeu o MP, dizendo que a instituição é independente, séria e imparcial. Recentemente, a defesa de Cunha acusou procuradores de deturpar a transcrição de depoimentos.

— Por natureza, não compactuamos ou tergiversamos com ilícito, com autoritarismo, com interesse velado. Buscamos, simples e só, de forma clara e objetiva, a verdade dos fatos e não de factoides, e o seu enquadramento jurídico. Sem evasivas, sem cortinas de fumaça. A atuação ministerial sempre se pautará por impessoalidade, juridicidade, apartidarismo, tecnicismo e pela estreita observância dos direitos e garantias fundamentais, em especial daqueles que, chamados pela Justiça, devem responder por seus atos.

Sem citar nomes, Janot também alertou para análises distorcidas que fazem da atuação do MPF. Ele disse que a instituição é imparcial e, em uma investigação, é possível o oferecimento de denúncia, quando há indícios suficientes de crime, e também o pedido de arquivamento, caso não haja comprovação dos ilícitos.

Foram abertas 36 ações criminais contra 169 pessoas por crimes contra o sistema financeiro, corrupção, tráfico de drogas e lavagem.

O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, reclamou dos cortes impostos no orçamento dos tribunais.

 

“Não compactuamos ou tergiversamos com ilícito, com autoritarismo, com interesse velado”
Rodrigo Janot
Procurador- geral da República

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