O globo, n. 30.188, 01/04/2016. País, p. 4

Dilma compara clima de intolerância ao nazismo

Presidente diz que todos os governos praticaram atos iguais ao seu
 

 

CATARINA ALENCASTRO,

EDUARDO BARRETTO E

SIMONE IGLESIASpais@ oglobo. com. br

 

- BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff subiu o tom no discurso para artistas e intelectuais contra o impeachment no Palácio do Planalto e comparou o clima de intolerância vivido no Brasil atualmente ao nazismo. Ela criticou a pediatra gaúcha que recusou- se a a continuar a atender uma criança porque sua mãe é petista, e afirmou que as pessoas não devem ser marcadas pelo que pensam. Dilma argumentou que os brasileiros nunca tiveram “esse lado fascista”.

— Outro dia, uma pessoa me disse que isso parece muito com o nazismo. Primeiro você bota uma estrela no peito e diz: é judeu. Depois você bota no campo de concentração. Essa intolerância não pode ocorrer — disse Dilma, sob aplausos.

No sexto discurso de defesa de seu mandato desde que a crise política recrudesceu, com a divulgação dos grampos telefônicos de conversas dela com o ex- presidente Lula há duas semanas, Dilma reafirmou que há um “golpe” em curso. Ontem ela pontuou que o impeachment está previsto na Constituição, mas que é preciso haver crime de responsabilidade para que essa previsão seja usada.

— Impeachment sem crime é golpe — frisou.

 

DEFESA DA DEMOCRACIA

Pela primeira vez, ela se ateve a explicar o que foram as pedaladas fiscais ( objeto do processo em tramitação na Câmara) e disse que há um “golpe travestido de legalidade”.

— Meu impeachment com base nisso ( as chamadas pedaladas fiscais) significaria que todos os governos anteriores ao meu teriam de ter sofrido impeachment. Porque todos eles, sem exceção, praticaram atos iguais ao que eu pratiquei. E sempre com respaldo legal — disse a presidente.

Dilma insistiu na linha de “defesa da democracia” no país:

— Não se negocia aspectos da democracia. Nós sabemos que ela é um valor para todos nós aqui, que ela é fundamental para preservar, garantir e defender esse país, para fazêlo um país de todos os brasileiros e brasileiras. Essa unidade que nós aqui construímos em torno do não vai ter golpe vai ser uma das pedras fundamentais da retomada do crescimento e da reconstrução de uma sociedade melhor.

A presidente também apelou para o feminismo, ao afirmar que as mulheres não são frágeis, e que ela, especialmente, não é frágil e que é uma honra ter nascido mulher. Dilma voltou a criticar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que deflagrou o processo de impeachment, dizendo que ele só o fez porque “o governo se recusou a participar de qualquer farsa na comissão de ética que o julgava”. E também fez uma crítica indireta ao vice Michel Temer, que vem adotando o discurso de que é preciso unificar o país. Faz parte da estratégia do governo associar Cunha e Temer como uma dupla que age com o mesmo objetivo: ascender ao poder.

— Não adianta alguns falarem “vamos unir o país”. Não se une o país desta forma; não se une o país destilando ódio, rancor, raiva e perseguição — disse Dilma.

A presidente começou sua fala de meia hora relembrando do tempo em que, ao lutar contra a ditadura militar, foi presa e torturada. Na semana passada, Dilma reuniu mais de 400 juristas no Planalto, quando recebeu manifestos de apoio à legitimidade de seu governo.

A atriz Letícia Sabatella digiuse à presidente dizendo ser oposição ao seu governo, mas criticou o “golpe” à democracia.

— Esse ódio é fomentado por um plano maquiavélico de tomada de poder na marra — disse Letícia.

 

RISCO DE CADÁVER

Também participaram do evento de ontem, entre outros, a cantora Beth Carvalho, os atores Osmar Prado Sabatella, e Sérgio Mamberti, os escritores Raduan Nassar e Fernando Morais, o diretor de teatro Aderbal Freire Filho e a cineasta Anna Muylaert, do filme “Que horas ela volta?”. Durante a cerimônia, apareceram depoimentos em vídeo do ator americano Danny Glover, do neurocientista Miguel Nicolelis e da economista Maria da Conceição Tavares.

O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, pediu diálogo entre todos os partidos e setores da sociedade para impedir que o pior aconteça em meio à divisão impulsionada pelo processo de impeachment da presidente Dilma. Ele afirmou que não isenta ninguém de criar o atual ambiente de acirramento e sugeriu conversa “antes que apareça o primeiro cadáver”:

— A radicalização não está no seu auge e se algo não for feito urgentemente vai piorar. Vamos esperar o primeiro cadáver? Porque ele vai existir.