Valor econômico, v. 16, n. 3962, 14/03/2016. Política, p. A6

Protestos reúnem 3,4 milhões em  todo País

Victória Mantoan

Estevão Taiar

Ivone Santana

Uma massa de pessoas protagonizou nas principais cidades do país, ontem, o maior ato político registrado contra um governo federal na história brasileira, superior a manifestações como a campanha das "Diretas Já" em 1984 e o impeachment de Fernando Collor em 1992. Segundo estimativas coletadas pelas polícias militares estaduais, 3,4 milhões de pessoas participaram dosprotestos em 262 cidades, em um cálculo que não considera a multidão na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, onde não houve levantamentos confiáveis sobre o comparecimento. A compilação foi feita pelo site de notícias "G1".

De acordo com a Polícia Militar paulista, a manifestação em São Paulo teria reunido 1,4 milhão de pessoas. Segundo o Instituto Datafolha, foram 500 mil os que ocuparam a Avenida Paulista.

Do mesmo modo que no ano passado, os principais alvos das manifestações foram a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT. Ao longo da avenida, bandeiras e cartazes faziam alusão aos principais personagens acusados no esquema de corrupção na Petrobras apurado pela Operação Lava-Jato. Sergio Moro, juiz titular da 13ª Vara Federal, foi constantemente citado como exemplo a ser seguido, a tal ponto que o magistrado decidiu se manifestar por nota. Sua foto estava presente em inúmeros cartazes e sua imagem estampava máscaras usadas pelos manifestantes.

"É importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas", afirmou Moro em seu comunicado. O juiz pediu ainda que os dirigentes políticos "se comprometam com o combate à corrupção, reforçando nossas instituições e cortando, sem exceção, na própria carne".

O magistrado, que no próximo dia 17 completa dois anos na condução das investigações em Curitiba, disse, no comunicado, que "não há futuro com a corrupção sistêmica que destrói nossa democracia, nosso bem-estar econômico e nossa dignidade como país".

"Fiquei tocado pelo apoio às investigações da assim denominada Operação Lava-Jato. Apesar das referências ao meu nome, tributo a bondade do Povo brasileiro ao êxito até o momento de um trabalho institucional robusto que envolve a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e todas as instâncias do Poder Judiciário", afirmou o juiz. Em Curitiba, a manifestação reuniu 200 mil pessoas, de acordo com cálculo da PM paranaense.

Maria Del Pilar de Sosa Marchi, de 75 anos, subiu de bengala pela Alameda Campinas, que cruza a Paulista, com ajuda, para chegar à manifestação contra o governo. Ela diz que decidiu comparecer porque é preciso "mudar esse país". "Vivi muito tempo para ver isso passar para os meus netos", afirmou.

O evento na avenida Paulista chamou atenção pela presença empresarial, a começar do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Paulo Skaf, filiado ao PMDB, partido pelo qual concorreu ao governo do Estado de São Paulo nas últimas eleições. Paulo Skaf afirmou que a mudança no comando do governo, com a saída do PT, é necessária para renascer a esperança e recuperar a confiança.

Questionando sobre se seu partido, na figura do vice-presidente Michel Temer, é que seria capaz de protagonizar a melhora no clima econômico, Skaf disse que não é momento de pensar em partidos ou parlamentares. "Não estou aqui para 'fulanizar' essa questão." Também estava no ato o presidente da Federação das Associações Comerciais de São Paulo, Alencar Burti.

A região no entorno da avenida Paulista ficou totalmente repleta de manifestantes. O trânsito ficou caótico, ruas e avenidas foram bloqueadas pelas autoridades de trânsito. No metrô, as cabines que vendem bilhetes não deram conta da demanda de passageiros.

Ao contrário da expectativa popular, as catracas não foram liberadas, provocando longas filas para a compra de bilhetes. Passageiros reclamavam que não houve reforço de funcionários para fazer a cobrança.

O Movimento Brasil Livre montou um palco em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), um dos principais locais de encontro das lideranças oposicionistas. Mais de 2 km da avenida Paulista e 25 quarteirões foram tomados por uma massa de pessoas. Os mais entusiasmados começaram a chegar pela manhã. Às 13h, o movimento já era intenso, embora o protesto estivesse marcado para as 15h.

O trecho de maior concentração de pessoas era entre o Masp e a Fiesp. Na frente do prédio da Fiesp se destacava o pato amarelo gigante, lançado ano passado pela indústria, com o refrão "Não vou pagar o pato", para reforçar a campanha contra os aumentos de impostos.

Próximo ao pato, os bonecos gigantes representando Lula vestido de presidiário e a presidente Dilma com uma faixa com a palavra"Impeachment".

Líder do Movimento Brasil Livre, Kim Kataguiri afirmou ao Valor que os manifestantes que compareceram à avenida Paulista enxergam agora a chance real de a presidente Dilma não chegar ao fim de seu mandato. "Pela primeira vez, temos uma perspectiva de mudança muito clara no horizonte de curto prazo. Então, os discursos são muito mais voltados para um Brasil pós-Dilma e menos em criticar o governo, até porque o governo já acabou", afirmou.

Manifestações pelo afastamento aconteceram inclusive no exterior. Em Buenos Aires, cerca de 80 manifestantes se reuniram diante do Obelisco, no centro da capital argentina. A maioria era composta por estudantes de medicina.

Em Washington, a capital americana, o protesto ocorreu em frente ao consulado brasileiro. Algumas dezenas de pessoas, com camisas nas cores verde e amarelo, bandeiras e cartazes, se manifestaram por cerca de duas horas.

Alvo de investigação de promotores paulistas e também da Lava-Jato, o condomínio Solaris, em Guarujá (a 86 km de São Paulo), onde está a cobertura tríplex supostamente de interesse do ex-presidente Lula, foi palco de manifestações no domingo. O ato, organizado por integrantes do Movimento Brasil Livre, reuniu cerca de 2,5 mil pessoas, segundo a Polícia Militar. O endereço passou a ser reconhecido nacionalmente após promotores relacionarem o imóvel à família do ex-presidente. A assessoria de Lula nega que a cobertura seja da família.

Na multidão da Paulista, nem todos estavam a favor do impeachment. Petista convicta, Thais Mozer, de 38 anos, tem uma empresa de uniforme para eventos e resolveu vender as camisetas do Brasil que encalharam na Copa de 2014, depois da derrota para a Alemanha. "Sou petista, sou de esquerda", disse. Amiga de Thais, a psicóloga Julia Melo, de 32 anos, tentou cruzar a Paulista com uma camiseta laranja, quase vermelha, e foi ofendida por manifestantes que a confundiram com uma militante petista. Julia resolveu colocar uma camiseta preta. A psicóloga afirmou que seu último voto para a eleição presidencial foi em 2002, para Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Também na venda das camisetas, o cozinheiro Orlando Tejo, de 36 anos, disse sempre votar no PT e que em 2014 fez uma música em apoio à campanha de Dilma que "viralizou". O petista também reclamou do governo. "Dilma está atrapalhada demais", afirmou.(Colaboraram André Guilherme Vieira e Cristiane Agostine, com agências noticiosas)