O globo, n. 30.188, 01/04/2016. País, p. 7

‘ Não tem para onde correr’

CÂMERA INDISCRETA
Sem saber que era gravado, ministro do STF critica PMDB e cenário político

Sem saber que estava sendo gravado, o ministro do STF Luís Roberto Barroso criticou o PMDB e a crise política: “Meu Deus do céu, essa é a nossa alternativa de poder”, disse, referindo- se aos líderes peemedebistas. Em meio à crise política e às discussões sobre o impeachment, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal ( STF), lamentou ontem a falta de alternativa para comandar o país e citou a foto publicada pelos jornais de quarta- feira, em que caciques do PMDB anunciaram a debandada do governo. A declaração foi dada a alunos da Fundação Lemann, recebidos em audiência por Barroso no STF. O encontro estava sendo transmitido pelo sistema interno de TV da Corte, sem o ministro saber. Quando percebeu, pediu a interrupção do sinal.

— Quando, anteontem, o jornal exibia que o PMDB desembarcou do governo e mostrava as pessoas que erguiam as mãos, eu olhei e: Meu Deus do céu, essa é a nossa alternativa de poder! Não vou fulanizar, mas quem viu a foto sabe do que estou falando — disse Barroso.

Na foto mencionada estão íderes do partido, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( RJ), o senador Romero Jucá ( RR) e o ex- ministro da Aviação Eliseu Padilha.

— O problema da política neste momento, eu diria, é a falta de alternativa. Não tem para onde correr. Isso é um desastre. Porque, numa sociedade democrática, a política é um gênero de primeira necessidade. A política morreu. Talvez eu tenha exagerado, mas ela está gravemente enferma. É preciso mudar — concluiu.

A conversa ocorreu no plenário da Primeira Turma do STF. Ao saber que estava sendo filmado, Barroso se mostrou contrariado.

— Pede para desgravar. Tá transmitindo, paciência, mas para não ter uma fita — declarou: — Mas quem é que está assistindo isso? Podia ter avisado mais rápido, né?

Antes de saber da transmissão, o ministro criticou o sistema político brasileiro. — Nós nos perdemos em muitos caminhos diferentes. A política morreu. Nós temos um sistema político que não tem o mínimo de legitimidade democrática, deu uma centralidade imensa ao dinheiro e à necessidade de financiamento e se tornou um espaço de corrupção generalizada.

Durante o encontro, ele se certificou de que havia só alunos no recinto.

— Estou falando aqui em um ambiente acadêmico, como se eu estivesse falando com os meus alunos — ressaltou.

Na conversa, ele disse que o modelo político “é um desastre”, particularmente, a forma de eleição para a Câmara dos Deputados, feita em eleição por voto proporcional em lista aberta.

— Menos de 10% dos candidatos são eleitos com votação própria. Nesse sistema, o eleitor não sabe quem ele elegeu, porque 90% dos eleitos não foram eleitos com voto próprio. E o eleito não sabe quem o elegeu pela mesma razão. É um sistema em que o eleitor não tem de quem cobrar e o eleito não tem a quem prestar contas, não pode funcionar — criticou.