Valor econômico, v. 16, n. 3962, 14/03/2016. Política, p. A8

Aliados reconhecem que chance de destituição cresceu

Thiago Resende

Mesmo entre os mais alinhados ao governo na Câmara há o prognóstico de que a presidente Dilma Rousseff será destituída. A adesão recorde aos protestos contra a condução do país e a tendência do PMDB anunciar rompimento devem sacramentar a abertura de processo de impeachment, o que deixaria a palavra final ao Senado. O PT, no entanto, minimizou o movimento nas ruas ontem e não crê num contágio do pedido de afastamento da presidente por causa dos protestos.

Nos bastidores, alguns líderes da base aliada, contudo, afirmam não enxergar chance de o Palácio do Planalto conseguir 172 deputados contra o andamento do processo. Esse é o mínimo para impedir o avanço do impeachment no Congresso Nacional. Desde a semana passada, cresceu na Câmara a avaliação de que Dilma perdeu as condições políticas de permanecer no cargo. A ala oposicionista do PMDB, PR, PP e PSD inflou.

Uma fonte pemedebista confirma que o partido deve deixar o governo em 30 dias e assumir uma posição em favor do impeachment de Dilma. O líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), não quis comentar os acontecimentos do último fim de semana que, para governistas, agravaram a crise política.

Líder do PSD, Rogério Rosso (DF), afirmou que, "pelo tamanho da manifestação, a história política do Brasil começa a mudar". Na semana em que o andamento do pedido de impeachment da presidente Dilma será destravado, "o governo chega ao ápice da instabilidade política, com um recado muito claro das ruas e realmente leva a reflexão de todo o Brasil do futuro do país a partir de agora".

Contestando as estimativas divulgadas de adesão aos protestos, o líder do PT, Afonso Florence (BA), disse que a manifestação contra o governo foi "expressiva, demonstra que a oposição tem seu tamanho, mas que não cresceu em relação aos movimentos anteriores".

Para contrastar com as posições críticas à Dilma e ao PT, lideranças da sigla programaram ações em capitais brasileiras em defesa do mandato da presidente e acusam a oposição de tentar promover um golpe. "Já assistimos esse filme de quebra institucional, de alianças para o Brasil viver uma ditadura e nós não vamos viver mais isso", declarou o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), em ato em Porto Alegre.

Os líderes do PCdoB e do PDT - vistos como principais bancadas de apoio à Dilma junto com o PT - sustentam uma resposta rápida do Palácio do Planalto diante do agravamento da crise política. Daniel Almeida, deputado da Bahia que comanda o PCdoB, sugere que a presidente faça um "pacto pela salvação nacional", construído com a sociedade civil, lideranças políticas, inclusive da oposição, e o setor empresarial. Weverton Rocha (MA), líder do PDT, defende uma redefinição do espaço de partidos aliados no governo. Ou seja, distribuir cargos de acordo com os votos que terá para tentar barrar o processo de impeachment no Congresso Nacional.

Florence quer ações no sentido contrário ao do ajuste fiscal. Abandonar a meta de superávit primário, fazer um orçamento mais realista com liberação de dinheiro para melhorar serviços públicos e gerar emprego e renda. A expectativa dele é que o ambiente econômico melhore em 30 dias e, assim, o PMDB "vai indicar querer ficar no governo".

 

Oposicionistas, no entanto, avaliam que o "governo já acabou", como disse o deputado Lúcio Vieira Lima (BA), da ala do PMDB que defende o impeachment de Dilma. Na quinta-feira, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desafeto do Palácio do Planalto, planeja retomar esta  semana o rito do processo que pode destituir a presidente. Ele aguarda o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrar o julgamento sobre os passos do pedido de afastamento. "O povo brasileiro deu o recado e não quer mais o PT no governo. Agora é o Congresso Nacional instalar a comissão do impeachment o mais rápido possível e resolver esse problema", disse o líder do DEM, Pauderney Avelino (AM).

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Nomeação de Lula pode ser único anteparo a impeachment

Raymundo Costa

As manifestações convocadas para o domingo superaram as expectativas de seus organizadores e devem acelerar o andamento do impeachment do mandato da presidente Dilma Rousseff. Só a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o ministério pode retardar esse processo, mas há dúvidas se a medida terá efeito de longo prazo e será suficiente para mudar odesfecho esperado.

Antes da avalanche em que se transformaram as manifestações de ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já havia decidido deflagrar o impeachment nesta semana, independentemente da decisão a ser tomada, na quarta-feira, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre os ritos processuais a serem obedecidos pelo Congresso. Mas dizia que as ruas seriam "muito importantes". Agora o deputado sente-se bem mais à vontade para imprimir o ritmo que leve a uma decisão em 45 dias.

A presidente está isolada e não tem mais condições para articular uma saída para a crise, tanto que convidou Lula para coordenar a política do governo. A última conversa entre os dois foi dramática. Ela reconheceu que não sabe mais o que fazer, não tem diálogo com o Congresso, os empresários não acreditam nela e que tudo o que tenta fazer dá errado. Enfim, só Lula poderiarecompor as bases de apoio de que necessita o governo.

Lula lembrou que fez indicações como a de Henrique Meirelles, mas que Dilma ora não gostava de um ora de outro. Mas decidiu fazer consultas - PT, CUT, MST, ministros, Instituto Lula. O mais provável é que espere pela decisão sobre sua prisão provisória, pedida por um promotor de São Paulo. Ele só pode aceitar se o pedido for recusado. Mas tem dúvidas se é o melhor a fazer no momento.

O tamanho da pressão sobre Lula pode ser medido num diálogo recente do ex-presidente com um amigo: do jeito que está, não tem 2018 para ninguém. Por essa avaliação, Lula teria dois anos e meio para estancar a crise e quem sabe até reverter as expectativas econômicas. Esse é o ponto de vista dominante no PT, mas alguns dos principais aliados do ex-presidente, como os senadores do PMDB, acham que é tarde demais e periga Lula "morrer abraçado" com a presidente da República. Não resolveria 2016 e comprometeria 2018. Sem falar que leva a crise para dentro do governo.

Se o ex-presidente concordar em voltar para Brasília, resta saber qual Lula entrará no governo, se o "Lula 1" do primeiro mandato ou o "Lula 2" da marolinha de 2008 em diante. A conversa que Nelson Barbosa, o ministro da Fazenda, teve no Instituto Lula, semana passada, foi sugestiva. Barbosa apanhou do PT, da CUT e até o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, bateu no ministro. Todas as medidas de Barbosa foram consideradas "remédio amargo". Lula insistiu que é preciso mudar a economia e atéironizou: "Todo mundo que entra no governo vira Levy", disse, numa referência ao ex-ministro Joaquim Levy, o antecessor do ministro Nelson Barbosa no cargo.

Lula é o último cartucho da presidente Dilma para conter um processo que começa a correr nesta semana e que pode se tornar irresistível, depois das manifestações de ontem. O recado foi muito claro na principal palavra de ordem dos protestos, fosse em Belém do Pará ou em Curitiba, fosse em São Paulo, no Rio de Janeiro ou Brasília: "Fora Dilma".

 

Se é a última trincheira de Dilma, há sérias dúvidas se Lula pode ser a bala de prata, para usar uma imagem recorrente nas campanhas da presidente, que vai matar a crise e interromper o impeachment. Principalmente se Lula fizer o "cavalo de pau" na economia nos termos exigidos pelo PT e movimentos sociais organizados, como a CUT e o MST, com quem Lula tem andado atiracolo. A decretação do fim do projeto de reforma da Previdência ou a venda de parte das reservas para investimentos são medidas que tendem a agravar em vez de atenuar a crise econômica.

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Repercussão rápida e intensa nas redes sociais e no exterior 

João Luiz Rosa

 

Em um país onde as pessoas passam mais de 9 horas por mês nas redes sociais, 60% acima da média mundial, a internet ocupou um papel de destaque nas manifestações contra o governo, ocorridas ontem em todo o país.

Da zero hora de sábado até 18 horas de ontem, o Twitter registrou 2.436.582 menções a termos relacionados aos protestos. O período de maior movimento ocorreu do meio-dia às 15 horas de ontem, quando foram registradas mais de 665 mil citações. A hashtag #VemPraRuaBrasil permaneceu durante todo o domingo entre os "trend topics" - a lista de assuntos mais falados, que é gerada por algoritmo. O levantamento não mostra se a maioria dos comentários é favorável ou contrária às manifestações.

O Twitter não tem dados oficiais sobre os comentários feitos sobre as manifestações de março do ano passado, mas segundo o Monitor de Temas, uma ferramenta de medição da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Dapp), no sábado o número de citações superou em 57% o total registrado na véspera dos protestos de um ano atrás -foram 170 mil citações versus 108 mil.

Nos perfis de políticos e autoridades, o tom foi de prudência, com poucas referências diretas às manifestações. O senador Aécio Neves (PSDB/MG) foi um dos poucos a mostrar uma grande atividade na rede. De sábado até a noite de ontem, ele postou 10 mensagens sobre as manifestações no Twitter. Em uma delas, publicou uma foto ao lado do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB/SP), e do senador Aloysio Nunes (PSDB/SP). A mensagem recebeu mais de 500 "curtidas".

No perfil da presidente Dilma Rousseff foi publicado, ontem à noite, um "retuíte" do Blog do Planalto, que remetia para uma nota sobre as manifestações. Segundo o texto, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, "a liberdade de manifestação é própria das democracias e por todos deve ser respeitada".

A internet também mostrou a repercussão dos protestos no exterior. O jornal argentino " Clarín " publicou em sua página principal, com destaque, uma reportagem da AFP, acompanhada de um álbum de fotos com imagens das ruas no Rio, em Brasília, Belo Horizonte e São Paulo. O " El Cronista " publicou uma coluna assinada pelo diretor de redação Fernando Gonzalez. No texto, ele diz que Lula não aderiu à "intolerância populista de Chavez que destruiu a Venezuela" nem à posição de confronto que acabou com a popularidade de Cristina Kirchner, mas afirma que o ex-presidente compartilha a com eles a "vulnerabilidade" produzida por episódios de corrupção.

 

O papel decisivo do PMDB não escapou à percepção dos correspondentes estrangeiros. O " The Wall Street Journal " publicou, no sábado, uma reportagem sobre a convenção do partido, e o risco, para o governo, de perder o apoio da legenda. Ontem, saiu com outra reportagem, sobre as manifestações. O espanhol " El País " também destacou o isolamento do governo sem o PMDB. O " Financial Times " afirmou que os protestos podem ser decisivos em influenciar uma decisão do partido. O jornal britânico lembrou que o PMDB é majoritário, mas está fragmentado.