Valor econômico, v. 16, n. 3963, 15/03/2016. Política, p. A8

Em depoimento à Lava-Jato, Lula diz que será candidato

André Guilherme Vieira

Em depoimento prestado em condução coercitiva à Operação Lava-Jato no dia 4 de março no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que será candidato a presidente em 2018 e lançou um desafio aos investigadores que apuram suspeitas de seu envolvimento em crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, peculato e ocultação de patrimônio supostamente relacionados a desvios na Petrobras: "Vão ter que ter coragem de me tornar inelegível". O ex-presidente deverá ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) até maio, apurou o Valor com fontes a par da investigação.

Lula comparou sua situação na Lava-Jato à do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu no mensalão, processo em que foi condenado por integrar esquema de pagamento de propinas a deputados em troca da aprovação de projetos de lei de iniciativa e de interesse do governo federal. Dirceu também é réu por corrupção e lavagem na Lava-Jato.

"É o que estão tentando fazer comigo agora, só que o que estão tentando fazer comigo vai fazer com que eu mude de posição, eu que estou velhinho, estava querendo descansar, vou ser candidato à Presidência em 2018 porque acho que muita gente que fez desaforo pra mim, vai aguentar desaforo daqui pra frente".

A declaração de Lula foi parte de sua resposta à uma pergunta da PF sobre o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, já condenado por corrupção e lavagem originados em desvios da Petrobras. Os delegados da PF queriam saber se Lula tinha conhecimento de que Vaccari recebia valores decorrentes de percentuais de contratos firmados por empreiteiras com a Petrobras.

"Eu não acredito que o Vaccari tenha acertado percentual com empresa pra receber, não acredito, não acredito", disse Lula.

No depoimento, o ex-presidente confirmou ter visitado o tríplex 164-A no Condomínio Solaris, no Guaruja, imóvel reformado pela OAS e que é alvo da Lava-Jato.

Lula disse que visitou o tríplex uma vez em companhia de sua mulher, Marisa Letícia e do então presidente da OAS, Leo Pinheiro

Ele confirmou que Marisa Letícia e o filho do casal, Fabio Luis, visitaram o tríplex outra vez e que "o Leo dever ter ido junto".

Segundo o ex-presidente, na primeira visita ele disse a Leo Pinheiro que "o prédio era inadequado porque além de ser pequeno, um triplex de 215 metros é um triplex 'Minha Casa, Minha Vida', era pequeno".

Lula explicou que Pinheiro disse que pensaria em um projeto para o apartamento. "Quando a Marisa voltou lá não tinha sido feito nada ainda. Aí eu falei pra Marisa: 'Olhe, vou tomar a decisão de não fazer, eu não quero'. Uma das razões é porque eu cheguei à conclusão que seria inútil pra mim um apartamento na praia, eu só poderia frequentar a praia dia de finados, se tivesse chovendo. Então eu tomei a decisão de não ficar com o apartamento".

Lula aproveitou as perguntas sobre o tríplex para fazer críticas à atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e da imprensa.

"Eu acho que eu estou participando do caso mais complicado da história jurídica do Brasil, porque tenho um apartamento que não é meu, eu não paguei, estou querendo receber o dinheiro que eu paguei, um procurador disse que é meu, a revista Veja diz que é meu, a Folha diz que é meu, a Polícia Federal inventa a história do triplex que foi uma sacanagem homérica, inventa história de triplex, inventa a história de uma offshore do Panamá que veio pra cá, que tinha vendido o prédio, toda uma história pra tentar me ligar à Lava-Jato".

Questionado sobre a divisão da Petrobras por partidos - a Lava-Jato sustenta que as diretorias foram fatiadas entre PP, PMDB e PT - Lula disse que o critério não era partidário."Não é de partido político não, é fazer com que as pessoas que ajudaram a ganhar as eleições participem do governo". O ex-presidente, contudo, entrou em contradição.

 

Ele confirmou que trocou diretores da Petrobras no início de seu mandato, em 2003. "Houve [troca], era tudo tucano, p... Só tinha tucano, eu fui obrigado a tirar".

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Nem diante de delegado da PF, ex-presidente desce do palanque

Maria Cristina Fernandes

Nem diante de um delegado da Polícia Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desce do palanque. Ciente de que o depoimento estava sendo gravado e depois seria tornado público, Lula se valeu de várias das perguntas para fazer sua defesa com o mesmo discurso que repetiria naquele dia tanto no diretório nacional do PT quanto na quadra dos bancários.

Lula começou o depoimento bem humorado. "Nem o dízimo da Igreja é espontâneo, se o padre ou o pastor não pedir, meu caro, o cristão vai embora, vira as costas e não dá o dinheiro", disse ao delegado da PF, Luciano Lima, que lhe perguntara se era comum as empresas procurarem o Instituto para oferecer doações.

Trancado nas quatro paredes de uma sala no pavilhão de autoridades do aeroporto de Congonhas, Lula tentou cativar a simpatia dos investigadores com a imagem de 'analfa' rude que exploraria à exaustão nos discursos públicos que se seguiriam naquele dia. O delegado parou o depoimento quando Lula, que tinha deixado seu apartamento sem café da manhã, pediu um misto quente. "Se quiser pode continuar, sei falar de boca cheia", disse o ex-presidente ao contar de suas refeições como metalúrgico.

Lula impacientou-se pela primeira vez quando o delegado perguntou sobre os pagamentos do instituto para a G4, empresa de Fábio Luiz da Silva, filho do ex-presidente. Ainda que sem descer do palanque, Lula respondeu à maioria das questões, mas foi na sua relação com José Carlos Bumlai que mais se valeu de sua prerrogativa de ficar calado. Limitou-se, na maior parte das perguntas sobre o pecuarista, a movimentar a cabeça, positiva ou negativamente.

Chamado de 'querido' 31 vezes, nos momentos em que Lula tentava disfarçar a impaciência, o delegado da PF o deixou discursar no início sobre seus feitos no governo mas, do meio para o fim do depoimento, começou a interrompê-lo. Em quatro oportunidades, quando questionado sobre o sítio de Atibaia e o triplex do Guarujá, o ex-presidente disse estar "de saco cheio".

Numa das vezes, em que Lula se queixou dos vazamentos, o delegado, ao perguntar se Lula havia visto um dos inquéritos mostrados no 'Jornal Nacional' chegou a sugerir que a origem era a defesa dos réus: "O senhor viu que estava escrito assim 'cópia ao advogado'".

Lula fez questão de dizer que foi ele mesmo quem estabeleceu o valor de U$ 200 mil por palestra, mesmo valor cobrado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton - "Nós fizemos mais do que ele, então nós merecemos pelo menos igual". Ao longo de todo o depoimento, reafirma que nunca vira a cor do dinheiro que entra no instituto ou em sua casa. Paulo Okamotto, presidente da entidade, e a ex-primeira-dama, Marisa Letícia, é que cuidariam das finanças empresariais e pessoais de Lula, que nem cartão decrédito tem.

O ex-presidente revelou desconforto com as delações premiadas dos empreiteiros: "Os empresários estão numa situação muito confortável, eu chego lá falo o seguinte 'Olha, eu não tenho nada, foi o X que me forçou, ele que me pediu, ele que não sei das quantas'".

O delegado não se deixou intimidar pela postura do presidente, mas se alterou quando parlamentares aliados pressionaram para assistir ao depoimento depois que o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) conseguiu ter acesso à sala. Luciano Lima foi informado que os manifestantes tinham começado a se aglomerar no aeroporto e quis apressar o depoimento para não agravar o clima de tensão.

 

Durante o depoimento, em discussão com auxiliares, o delegado mostrou preocupação com o carro que levaria Lula para que o ex-presidente não fosse exposto aos fotógrafos ou cinegrafistas. E diz que foi esta a razão que levou a força-tarefa a escolher o aeroporto para o depoimento, jogando por terra a tese de que Lula teria sido levado a Congonhas para ser embarcado a Curitiba.