Valor econômico, v. 16, n. 3963, 15/03/2016. Política, p. A9

Wagner diz que atos não foram espontâneos

Leandra Peres

Lucas Marchesini

O governo considera que as manifestações de domingo, que reuniram número recorde de pessoas pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff, foram "produzidas" por setores de oposição e que o catalisador do movimento não é político, maseconômico. O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, considerou que o "carro-chefe" da insatisfação demonstrada no domingo é a piora na economia.

"Sem querer desmerecer, pois o governo reconhece que foram significativos, mas também nunca houve uma manifestação tão produzida, pelo menos no centro que é São Paulo", disse Wagner. "Não me venha falar em espontaneidade. A comparação com a Diretas Já não é apropriada", concluiu em seguida.

O ministro citou como exemplos a Fiesp e o proprietário da rede de restaurantes Habib´s, que seria "super amigo" do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), além de federações e do comércio, da gratuidade nas passagens do metrô e mesmo da mudança no horário do jogo de futebol, que foi realizado na manhã de domingo, como exemplos dessa produção.

Wagner garantiu que o governo não prepara uma guinada e nem mudanças na pauta econômica para lidar com a crise. O ministro insiste que o caminho continua sendo a renegociação das dívidas estaduais, o que dará "fôlego" para os Estados investirem, e a retomada de obras públicas. No máximo, admite que o governo avalia usar reservas internacionais para abater parte da dívida pública, embora não haja decisão, mas nega que os recursos possam ser usados para financiar investimentos, como defende o PT.

"[As manifestações] não mudam a agenda do governo. Continuamos nos esforçando para retomar o crescimento da economia. Não conheço nenhuma resposta rápida para a economia e nenhuma aventura", explicou Wagner. "Não tem como recuperar o bom humor das pessoas e famílias sem recuperar a economia. O único remédio para um governo que tem uma avaliação ruim émelhorar a vida das pessoas", concluiu.

A pressão do PT para que o governo mude o rumo da política econômica não deve refluir. Os deputados do partido se encontraram ontem com o ministro Wagner para insistir na necessidade de novas medidas. "A bancada vai insistir. É uma pauta que não vamos arredar o pé" afirmou o deputado Vicente Cândido (SP).

Na avaliação do ministro da Casa Civil, o processo de insatisfação não está restrito ao governo, o que foi demonstrado pelas vaias recebidas pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) e pelo governador Alckmin. "O Geraldo e o Aécio acharam que iam ser o rei da festa, mas o rei da festa foi o Moro", afirmou em referência o juiz da Lava-Jato, Sergio Moro.

Foi para o juiz que o ministro Jaques Wagner reservou as maiores críticas. Numa primeira afirmação, ele disse que Moro estava quase atingindo o "objetivo" que havia traçado quando escreveu um artigo em que tratou da Operação Mãos Limpas, na Itália, que seria a "criminalização da política". Numa segunda referência, Wagner se corrigiu dizendo que esse não seria o objetivo do juiz Sergio Moro, mas a consequência da Operação Mãos Limpas que pode se repetir com a Lava-Jato. "Alguém viu algo tão espetaculoso por tanto tempo?", questionou o ministro.

Na defesa que fez do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Wagner continuou no ataque ao Ministério Público, afirmando que há uma tese de que Lula chefia uma gangue e com isso a investigação vem se concentrando em pessoas e não fatos. "Tem gente babando sangue. [O Lula] virou troféu, por isso a disputa entre Curitiba e São Paulo", ataca Wagner.

O ministro acrescentou que está preocupado porque o país estaria se preparando para "um novo salvador da pátria" e que quando há a negação da política, o caminho que resta é do "autoritarismo".

Na visão do ministro da Casa Civil, o ex-presidente Lula não fez nada diferente do que fazem os presidentes e ex-presidentes de países como França e Estados Unidos na defesa da indústria e empresas de seus países. De acordo com Wagner, o que se forma é uma "visão primária" sobre o papel do presidente.

 

O ministro voltou a dizer que não considera o impeachment uma saída para a crise econômica e nem mesmo para a baixa popularidade de um presidente. Sugeriu que a oposição poderia ser mais "criativa" patrocinando a criação de um mecanismo de 'recall' para o presidente da República e que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quer apressar avotação do impeachment porque "deve estar com pressa para ver se [ele] sai de cena" e que procura dar um "troco" no governo por acreditar que a presidente comanda o ritmo das investigações da Operação Lava-Jato.

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Ruas deram 'combustível', diz presidente da Riachuelo

Cynthia Malta

"As ruas deixaram um recado eloquente", diz Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, uma das maiores redes de varejo de moda do país. Em entrevista ontem ao Valor, o empresário observou que as manifestações realizadas no domingo dão força ao processo deimpeachment da presidente Dilma Rousseff.

Os protestos, realizados em mais de 260 cidades pelo país, forneceram "combustível para o Congresso se mexer" em relação ao processo de impeachment da presidente, diz Rocha, que também integra o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) e o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Em sua opinião, a saída de Dilma aceleraria a recuperação da economia. "Na agonia lenta, de três anos, a economia continuaria em queda livre", diz Rocha, referindo-se a 2018, quando termina o segundo mandato de Dilma.

Na hipótese de saída da presidente, o empresário observa que o vice-presidente Michel Temer "seria um bom perfil para fazer uma coalizão."

"Temer passará à história como um grande presidente se conseguir implementar o programa Uma Ponte para o Futuro", disse Rocha, referindo-se ao documento publicado pelo PMDB no fim do ano passado.

O presidente da Riachuelo nota que mais empresários estão expondo suas opiniões de maneira firme, contra o governo Dilma. "Está cada vez mais claro que neste novo capítulo o empresário tem que ser protagonista". Ele aplaudiu as declarações recentes do presidente da Springs Global, Josué Gomes da Silva, e de Pedro Passos, sócio-fundador da Natura - os dois fizeram fortescríticas ao governo federal.

Para Rocha, "seria bom vermos uma atitude monolítica do empresariado para que o ciclo mude de fato". Mas no varejo, ele vê esse tipo de discussão andando de forma mais lenta do que na indústria.

Ele pondera que há dois tipos empresários: os de "mercado", que não dependem do governo para operar, e os de "conluio". "As entidades [de classe] têm que abrigar esses dois tipos de empresários. Isso retarda as tomadas de posição".

 

Rocha ressalta que a recessão bate mais forte no pequeno varejista - "as grande redes estão ganhando 'market share' pois estão mais estruturadas". Lembrou que em 2015 cerca de 100 mil varejistas de pequeno porte fecharam as portas.

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Fiesp espera que processo comece na quinta-feira

Marta Watanabe

 

Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entidade que se manifesta desde dezembro a favor do impeachment da presidente Dilma Roussef, disse que as manifestações de domingo deixaram clara a vontade da sociedade no processo de impeachment. Segundo ele, a expectativa é que o Supremo Tribunal Federal se manifeste sobre as regras do processo amanhã, permitindo que o impeachment seja já iniciado na quinta-feira.

Skaf destacou que o processo de impeachment é legal e legítimo e não se trata, portanto, de golpe. "As manifestações de ontem [domingo] foram uma prática de cidadania, realizada com paz e cidadania." Segundo o presidente da Fiesp, a entidade não está preocupada com o atendimento de seus pleitos por um novo presidente e uma nova equipe de governo. "Essa seria uma visão muito pequena. O que queremos é um governo com legitimidade, capaz de fazer os investimentos retornarem, o consumo rodar e a economia se recuperar."

Roberto Giannetti da Fonseca, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), declara que a entidade é apolítica, mas diz que com as manifestações "melhora muito" o cenário pró-impeachment. "Ficou inegavelmente provado que a sociedade quer mudança e que ninguém quer golpe", diz ele. "Temos que seguir todo o previsto na Constituição Federal."

 

Fonseca joga, porém, perguntas para um cenário mais à frente. Para ele, é preciso que surjam novos nomes e novas lideranças políticas. Esses movimentos, diz ele, se declaram desligados do mundo da política. "Mas se o objetivo é derrubar a Dilma, é preciso pensar em qual é o 'day after'", diz. Se houver a mudança por impeachment, o novo presidente será o atual vice-presidente, Michel Temer, aponta ele. "Ele terá uma nova equipe e trará novas relações institucionais com o governo, mas 2018 está num horizontepróximo. Se novos nomes não surgirem, teremos os de sempre".

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Tom antipolítico diferencia protestos atuais dos de 1992

Cristiane Agostine

 

Antipolíticos, sem líderes definidos e com perfil elitizado, as manifestações do domingo em favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff são diferentes das que pediram a saída do então presidente Fernando Collor do cargo, em 1992. Com respaldo de entidades empresariais como a Fiesp, os protestos tiveram seu caráter espontâneo reduzido e foram marcados por discursos em favor da moralidade. Esses são alguns dos pontos destacados pela presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Angela Alonso, sobre os atos que levaram ontem milhões de pessoas às ruas.

"É um fenômeno muito diferente do que houve com o Collor, quando se tinha lideranças bem definidas, articuladas com o sistema político", afirmou Angela, professora livre-docente do Departamento de Sociologia da USP.

Em São Paulo, a pulverização dos grupos organizadores do ato na Paulista e a rejeição dos manifestantes à partidarização do protesto, com hostilidade a lideranças tucanas como o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, e o governador Geraldo Alckmin, são exemplos da ausência de lideranças definidas e caráter antipolítico que os atos pró-impeachment ganharam. "O público participante varia a cada ato e eles não seguem uma liderança", afirmou Angela.

Os interesses e as motivações que levaram os manifestantes às ruas foram variados. Em comum, estava a defesa da moralidade e a transformação do juiz responsável pela Lava-Jato, Sergio Moro, em um "justiceiro", disse Angela.

"A pauta é predominantemente sem foco, com discurso moralista e antipolítica. Lembra muito o que houve na Espanha, com a negação ao político. Isso cria uma dificuldade para o governo, porque não há liderança para se negociar", afirmou Angela, durante uma conferência pelo telefone organizada ontem pela GO Associados.

A socióloga relativizou a importância da manifestação ter reunido grande público, diante da maioria obtida pela presidente Dilma Rousseff na eleição de 2014. Além disso, diferentemente dos atos anteriores, o protesto de domingo teve forte apoio de entidades de classe e de empresários, além de políticos, que deram apoio financeiro, de organização e logística. "O caráter de espontaneidade foi diminuído, porque teve uma preparação para esses atos", afirmou Angela.

A presidente do Cebrap lembrou que, apesar do crescimento do tamanho do protesto contra Dilma, o perfil dos manifestantes que foram à avenida Paulista se manteve elitizado, de acordo com o Datafolha. Dos entrevistados, 77% disseram que possuem curso superior, enquanto na capital paulista o índice é de 28%. Em relação à renda familiar, metade dos entrevistados disse que está entre cinco e 20 salários mínimos. No município de São Paulo, o percentual nessa faixa é de 23%. Ao serem questionados pelo Datafolha sobre a ocupação, 12% afirmaram que são empresários - em São Paulo a atividade é citada por apenas 2%.

Em caso do impeachment da presidente, se as investigações prosseguirem, os manifestantes poderão voltar às ruas contra seu sucessor. "A situação pode melhorar momentaneamente, mas o governo poderá ficar sob ameaça. Essa massa que foi às ruas contra a Dilma poderá voltar ", afirmou. "Se o Temer não estiver a salvo, pode haver uma nova troca de governantes."

Também presente ao debate, a pesquisadora sênior do Cebrap Maria Hermínia Tavares de Almeida afirmou que a crise de governo enfrentada por Dilma é ainda mais preocupante em um sistema presidencialista como o do país, porque o governo depende da capacidade de negociação da presidente.

Parece pouco provável que o governo retome a capacidade de articular. Milagres acontecem, mas é muito pouco provável que o governo consiga recuperar a capacidade de fazer política", afirmou Maria Hermínia.

 

Para a pesquisadora, a continuação da presidente no comando do país está nas mãos do PMDB e da decisão do partido de continuar ou não no governo.