Valor econômico, v. 16, n. 3970, 24/03/2016. Política, p. A6

PF encontra planilhas com doações da Odebrecht a 200 políticos

Por: Por André Guilherme Vieira e Letícia Casado

Por André Guilherme Vieira e Letícia Casado | De Curitiba e Brasília

 

A Operação Lava-Jato encontrou planilhas com nomes de cerca de 200 políticos entre os documentosapreendidos nos imóveis de Benedicto Barbosa da Silva Júnior, presidente afastado da Odebrecht Infraestrutura. Os documentos relacionam políticos (senadores, deputados, governadores, prefeitos e vereadores), divisões da Odebrecht e valores, mas não há indicativo se são repasses lícitos, doações ilegais para campanhas eleitorais, ou mesmo se de fato foram realizados. Todos os principais partidos do país são afetados.

Moro: Juiz da Operação Lava-Jato afirmou ser "prematura conclusão quanto à natureza desses pagamentos"

As doações relacionadas se concentram em campanhas para Câmara e Senado e as eleições municipais de 2008 e 2012. Grande parte dos políticos mencionados se manifestou ainda ontem, negando envolvimento noesquema de corrupção da Petrobras e recebimentos ilegais de campanha.

As buscas realizadas pela Polícia Federal (PF) fazem parte da 23ª fase da ação policial, a Acarajé, que teve como alvos o publicitário João Santana - marqueteiro das campanhas presidenciais de Dilma Rousseff (2010 e 2014) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2006) - e a mulher dele, Monica Moura, além do executivo, apontado pelos investigadores como o homem de confiança de Marcelo Odebrecht para tratar de doações eleitorais e repasses de propinas a políticos. Ontem, o casal de publicitários e o operador de propinas Zwi Skornicki foram indiciados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo recursos desviados da Petrobras.

Também foram encontradas anotações feitas à mão, com menções sobre repasses a partidos e políticos, além de ajustes feitos com outras empresas envolvendo obras. Foram encontrados ainda documentos com anotações que usam códigos esportivos - nomes de times de futebol e de tenistas profissionais - parecidas com outras já descobertas pela Lava-Jato, sobre a existência de um "bingo" que definia lotes das empreiteiras que estariamassociadas em cartel na Petrobras (ver a reportagem O cartel do 'Sport Clube Unidos Venceremos').

O material que a PF anexou ao processo eletrônico da Justiça Federal do Paraná na terça-feira foi colocado sob sigilo no começo da tarde de ontem pelo juiz federal Sergio Moro. Em despacho, o magistrado responsável pelaLava-Jato na primeira instância escreveu que "foram apreendidas listas com registros de pagamentos a agentes políticos". Mas ressalvou ser "prematura a conclusão quanto à natureza desses pagamentos" e que o "referido Grupo Odebrecht realizou, notoriamente, diversas doações eleitorais registradas nos últimos anos". Moro destacou que "não se trata de apreensão no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht", onde os investigadores descobriram o que consideram se tratar de um departamento para organizar pagamentos de propina, com programa de tecnologia próprio para coordenar o fluxo de dinheiro.

Por envolver políticos com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal (STF), como senadores e deputados federais, Moro determinou que o Ministério Público Federal (MPF) se manifeste sobre remeter o material à Corte "para continuidade da apuração em relação às autoridades com foro privilegiado". Na terça-feira, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo, determinou que a investigação sobre o ex-presidente e recém-nomeado ministro Luiz Inácio Lula da Silva fosse deslocada para o STF, em

razão de diálogo do ex-presidente com Dilma Rousseff captado em escuta telefônica - o ministro entendeu que Moro deixou de ter competência para atuar na investigação após o surgimento da conversa com Dilma.

A planilha mostra codinomes usados para identificar políticos. Eles são classificados por "função" (SAR, CAP e COR) e marcados de acordo com o "sponsor" ("patrocinador", em inglês). No quesito "sponsor" há setealternativas: Braskem, Odebrecht Agroindustrial, Odebrecht Defesa e Tecnologia, Odebrecht Realizações Imobiliárias, Foz do Brasil, Odebrecht Transport e Infraestrutura. Cada nome de político está em um ou mais desses campos. A última página traz o valor correspondente a cada uma das pessoas.

Os apelidos são diversos, mas apenas alguns citados têm codinome - Jarbas Vasconcelos Filho ("Viagra"), Eduardo Paes ("Nervosinho"), Raul Jungmann ("Bruto"), Eduardo Cunha ("Caranguejo"), Jorge Picciani ("Grego"), Sergio Cabral ("Proximus"), José Sarney ("Escritor"), Renan Calheiros ("Atleta"), Humberto Costa ("Drácula"). Os valores totalizam R$ 46,4 milhões.

A Operação Lava-Jato reuniu evidências que apontam que mesmo as doações eleitorais feitas pela Odebrecht e registradas na Justiça Eleitoral seriam pagamentos de propina disfarçados, para ocultar a origem dos recursos -contratos superfaturados com a Petrobras. O núcleo político é um dos quatro investigados pela força-tarefa.

Outra tabela apreendida mostra o nome do candidato na eleição de 2010, seguido por "beneficiário" e por"solicitante/responsável", "valor" e "pagamento", além de informações como CNPJ e dados bancários de transferência. O nome do senador Ciro Nogueira (PP-PI), por exemplo, está na coluna de candidato; "Nervosinho/Diversos" na de "beneficiário" (Nervosinho é o apelido de Eduardo Paes); o "valor" é 200 mil e o pagamento, 160 mil. Ciro Nogueira recebeu uma doação de R$ 160 mil na campanha de 2010 transferidos pela empresa Leyroz de Caxias.

Os políticos citados negam envolvimento no esquema de corrupção investigado pela Lava-Jato (ver reportagemTodo arco partidário é citado nas planilhas).

Há também uma outra planilha com o que se imagina ser uma totalização de doações a partidos. Não há indicação do período em que as mesmas foram feitas. A PF investiga se o total indicado - 57.365 - refere-se a R$ 57,365 milhões.

Esses indícios, somados aos apreendidos na fase Xepa, que revelou a existência de uma estrutura organizada na Odebrecht para o pagamento de propinas em espécie e por dólar-cabo, estão sendo analisados pelosinvestigadores.

Os documentos são confrontados com outros dados e informações e mostrados a delatores - a Lava-Jato já tem mais de 60.

Mas chamou a atenção da PF o fato de que as planilhas encontradas na casa de Benedicto Júnior tenham características similares às apreendidas durante as buscas da fase Xepa.

A revelação de que a Odebrecht teria estruturado uma divisão especializada em repasses de propinas foi o mais duro golpe já sentido pela Odebrecht desde o início da Operação Lava-Jato. Até há pouco tempo, a maiorempreiteira do país afirmava ser vítima de injustiças e distorções por parte da força-tarefa da Lava-Jato. Seus advogados adotaram a estratégia de confrontar o juiz Sergio Moro e recorreram aos tribunais superiores embusca de uma nulidade que afetasse a operação. Todos os recursos foram negados.

Na quarta-feira o conglomerado divulgou uma nota pública dizendo que seu herdeiro, Marcelo Odebrecht - preso desde 19 de junho do ano passado e já condenado em primeiro grau por corrupção e lavagem - está disposto a fazer delação premiada.

O MPF divulgou dois comunicados nos quais nega haver em curso qualquer negociação para a colaboração de Odebrecht. Os procuradores consideram que as provas reunidas até agora são suficientes para comprovar as suspeitas de envolvimento do grupo empresarial e de seus dirigentes em um esquema

de corrupção e formação de cartel que ultrapassou as fronteiras da Petrobras e chegou a outros setores da administração pública, de acordo com as investigações.

O tiro de misericórdia disparado contra a Odebrecht partiu de uma funcionária que detinha total confiança de Marcelo Odebrecht e dos altos escalões do grupo. Trata-se da secretária Maria Lúcia Guimarães Tavares.

Maria Lúcia entrou na empresa em 1977, no escritório de Salvador e começou atuando na área de concorrência.

Ascendeu como responsável de um setor extremamente sensível para o grupo, o de operações financeiras. Presa na fase Acarajé, ela forneceu as informações essenciais para a Polícia Federal deflagrar a fase Xepa daoperação.