O globo, n. 30.159, 03/03/2016. Economia, p. 21

Resgate aéreo

Governo apressa regras para aliviar setor. Passageiro poderá pagar por bagagem acima de 10kg

Por: Geralda Doca/ Glauce Cavalcanti

 

    - BRASÍLIA E RIO- O governo antecipou a permissão para aumento de 20% para 49% do capital estrangeiro nas companhias aéreas, por intermédio de uma medida provisória ( MP), em razão do agravamento da crise no setor de aviação civil, que tem na Gol o caso mais sensível. As ações da empresa dispararam ontem 21,33%, a R$ 2,73 com a expectativa de entrada de capital após a mudança. E, sem margem para novas desonerações, o governo decidiu pôr em consulta pública o quanto antes uma série de medidas para reduzir o custo das empresas, como acabar com a obrigatoriedade da assistência aos passageiros em caso de atraso e cancelamento de voos por problemas meteorológicos, e permitir a cobrança nas bagagens acima de dez quilos.

    Para trazer de volta os passageiros que sumiram dos aeroportos, as regras vão abarcar incentivos à entrada de companhias low cost, que têm como principal preocupação vender passagens a preços baixos. Entre as características das low cost que atuam no exterior estão a não existência de lugares marcados nos aviões, voos diretos ( sem conexão), eliminação de serviço de bordo e divulgação de preços de forma separada ( sem tarifa de embarque) para evidenciar o valor baixo do bilhete.

    A orientação dada à Agência Nacional de Aviação Civil ( Anac) é coletar sugestões e baixar as novas regras o quanto antes, dada a urgência da situação. Elas farão parte de uma resolução que vai definir as regras gerais do transporte aéreo.

    O ministro interino da Secretaria de Aviação Civil ( SAC), Guilherme Ramalho, explicou que a presidente Dilma Rousseff decidiu baixar por MP a ampliação do capital estrangeiro nas empresas — um assunto discutido há anos no governo e no Congresso — por causa da crise no setor. Ele destacou que as empresas estão retirando aviões de circulação e cortando rotas. E disse que a situação das estrangeiras é mais favorável:

    — Nos últimos meses, tivemos uma queda na movimentação muito ligada à retirada de aeronaves de circulação no mercado pelas empresas. Entendemos que essa medida vai auxiliar as empresas a buscar novas parcerias. Praticamente todas as empresas brasileiras já têm parcerias com empresas estrangeiras. O setor, do ponto de vista internacional, passa por um momento bastante positivo, em função da queda no preço do combustível.

    Segundo o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas ( Abear), Eduardo Sanovicz, pela primeira fez, o governo decidiu enfrentar o problema com “firmeza”, o que pode tornar as companhais mais competitivas:

    — Acabar com a indenização por motivo de força maior é um passo importante.

     

    ‘ TÊM QUE SER CRIADAS E REGISTRADAS NO BRASIL’

    Ramalho lembrou que a restrição ao capital estrangeiro impediu, no passado, a capitalização de empresas em dificuldades financeiras, como foi o caso da chilena LAN, que demonstrou interesse na falida Varig; da irlandesa Ryanair, na WebJet ( comprada pela Gol); e da SkyWest, na Trip. A MP permite a ampliação do capital estrangeiro dos atuais 20% para 49%, podendo chegar a 100%, nos casos de acordos de reciprocidade. Ou seja, se um país oferecer a brasileiros a oportunidade de deter 100% do controle de uma empresa aérea, o Brasil poderá oferecer a mesma contrapartida.

    O ministro mencionou que acordos de reciprocidade já funcionam nos países do bloco da União Europeia ( fora do bloco o limite para o capital estrangeiro é de 49%). Em outros países, como os Estados Unidos, o percentual é de 25%.

    Ramalho destacou que, para voar dentro do país, as empresas precisam ser criadas no Brasil:

    — Para operar no Brasil têm que ser brasileiras, criadas aqui, registradas no Brasil (...), tem que ser a American Airlines do Brasil. A MP autoriza aumento do limite do capital votante, detido por estrangeiros, em empresas aéreas brasileiras.

    Ao ser indagado se a MP foi feita sob encomenda para ajudar a Gol, ele negou, alegando que a medida não beneficia nem “A” nem “B”: o objetivo é assegurar sustentabilidade ao setor.

    Fontes do setor aéreo, porém, afirmam que a MP é uma “medida de desespero” destinada a ajudar a Gol. A empresa já fez pleitos junto ao governo, defendendo a participação do capital estrangeiro em 100%. Segundo interlocutores do Planalto, a MP foi motivada pelas próprias empresas, que relataram à Secretaria de Aviação Civil ( SAC) dificuldades financeiras. As companhias pediram uma manifestação do governo a respeito da decisão da comissão especial do Senado, criado para atualizar o Código Brasileiro de Aeronáutica ( Cbaer), que propõe elevar a fatia do capital estrangeiro para 100%.

    — Como alguns setores são contrários, no caso da Defesa, por exemplo, sob alegação de que o setor é estratégico, o governo resolveu se posicionar — disse uma fonte do Palácio do Planalto.

    Ramalho disse acreditar na aprovação da MP pelo Congresso, porque a discussão sobre o tema já está amadurecida. Apesar da urgência do governo, fontes ligadas às empresas argumentam que, enquanto a MP não for aprovada, nenhum “aventureiro” vai injetar recursos nas empresas.

    Mesmo assim, o mercado financeiro já antecipa a possibilidade de mudança de cenário. “Esperamos reação bastante positiva das ações da Gol, que tende a ser a mais beneficiada pela medida justamente por ser aquela em mais difícil situação. Ela afasta o risco mais imediato de calote, dado que é bastante provável que a Delta amplie sua fatia dos atuais 9,5%, capitalizando a empresa”, avalia Gabriel Casonato, analista da Empiricus.

    Ele afirma que, com a ação da Gol acumulando queda de quase 80% em 12 meses e sem perspectivas de recuperação de resultados a curto e médio prazos, o aumento de capital estrangeiro era uma “alternativa mais viável para um fôlego mais imediato à companhia”.

    Relatório da BB Investimentos afirma que eventual aumento de capital da Delta na Gol teria efeitos positivos. “Nossa visão de longo prazo para a Gol melhorou desde que a gestão da companhia passou a demonstrar trabalho focado em melhorias operacionais e ampliação de caixa”.

    Na semana passada, a Gol anunciou que receberá até R$ 1 bilhão de sua subsidiária, a Smiles, em forma de compra antecipada de passagens. De imediato, haverá aporte de R$ 376 milhões. Suspendeu operações para sete destinos, sendo quatro deles internacionais: Miami, Orlando, Caracas e Aruba, no momento em que as empresas apostam em voos para o exterior para ampliar receita em dólar.

    Companhias aéreas e fundos de investimento são vistos como os dois principais agentes para investir no setor. A agilidade desse movimento, porém, dependerá da economia do país.

    — A medida é positiva e deve atrair o interesse de aéreas estrangeiras. Mas vivemos uma crise econômica, e o país perdeu o grau de investimento. O impacto positivo não deve vir a curto prazo — disse Robson Bertolossi, presidente da Jurcaib, que representa as companhias aéreas internacionais no país.

     

    ‘ É MELHOR QUE A CAMUFLAGEM QUE VIVEMOS’

    Para analistas, a medida pode se mostrar insuficiente para ter efeito sobre o preço do bilhete:

    — A medida não deve afetar o preço das tarifas ou a qualidade dos serviços porque não mexe na concorrência. Mexe na capacidade das empresas de receber capital internacional — pondera Paulo Furquim, professor do Insper. — Tem efeito financeiro no estoque da dívida das empresas brasileira, dando fôlego ao ajustar esse problema de endividamento. A maior qualidade da medida é ajudar companhias à beira da insolvência.

    Para mexer na concorrência, continua Furquim, seria preciso chegar aos 51% de participação internacional Ou seja, permitir o controle estrangeiro.

    Para Elton Fernandes, professor da Coppe/ UFRJ, a medida vai legitimar um movimento que o mercado viabilizou apesar das limitações da lei:

    — É melhor que a camuflagem que vivemos. O mercado já antecipou a mudança. A abertura é inevitável. A indústria não se mostra sustentável, embora o Brasil seja um grande mercado.

    Respicio Espirito Santo, professor de Transporte Aéreo da UFRJ, vê o teto de 49% como um passo positivo para o setor, que deve caminhar para a liberação plena de participação estrangeira:

    — Grandes e sérios investidores estrangeiros querem ter o controle majoritário ou mesmo total sobre empresas. E aí entra a necessidade de se permitir até 100%, independentemente de haver reciprocidade ou não de outros países.

    TAM e Gol divulgaram notas reafirmando apoio à abertura ao capital estrangeiro. A Azul preferiu não comentar. Ano passado, a companhia vendeu 5% de suas ações para a United Airlines e outros 23,7% para o chinês HNA Group, em ações fora do bloco de controle. Mês passado, passou a figurar como sócia da TAP Portugal.

     

    “Tivemos queda na movimentação ligada à retirada de aeronaves de circulação pelas empresas”
    Guilherme Ramalho

    Ministro interino da Secretaria de Aviação Civil ( SAC)

    Órgãos relacionados:

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    Infraero terá alívio de até R$ 600 milhões

     

    - BRASÍLIA- Para dar fôlego à Infraero, o governo incluiu na MP que amplia a participação do capital estrangeiro nas companhias aéreas o fim do chamado Ataero ( adicional tarifário), que foi incorporado à tarifa. Com isso, a estatal deixará de repassar à União entre R$ 500 milhões e R$ 600 milhões por ano.

    — O Ataero está sendo transformado em tarifa, o que dará maior transparência para o usuário, e tudo o que for arrecadado com a tarifa ficará com o aeroporto — disse o ministro interino da Secretaria de Aviação Civil ( SAC), Guilherme Ramalho.

    A medida faz parte do esforço do governo em preparar a Infraero, que perdeu receitas com as concessões, para a abertura do capital. O processo está previsto para 2017. A estatal viu sua receita encolher desde que o governo iniciou o processo de privatização de aeroportos. Alguns dos terminais já concedidos incluem os aeroportos de Guarulhos, Galeão, Brasília, Viracopos e Confins. Nos planos do governo há previsão para a privatização de mais terminais em Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis.

    — Essa é uma das medidas que ajudam a Infraero a restabelecer seu equilíbrio econômico financeiro — disse o ministro.

    Já para os operadores privados nada muda, porque as tarifas foram fixadas nos contratos assinados entre os concessionários e a Agência Nacional de Aviação Civil ( Anac). Os valores arrecadados serão incluídos no pagamento das outorgas, explicou Ramalho.

    Os valores recolhidos com o Ataero eram destinados ao Fundo Nacional de Aviação Civil ( Fnac), abastecido com os recursos das outorgas. O ministro explicou que, com o resultado das concessões, o Fundo já dispõe de recursos suficientes para investir em aeroportos de menor porte.