O globo, n. 30.159, 03/03/2016. País, p. 4

‘Deus sempre no controle’

Mulher de Eduardo Cunha tenta tranquilizar deputado após votação no Supremo; peemedebista conversa com filha e advogados e nega que deixará presidência da Câmara

Por: EDUARDO BRESCIANI

 

Minutos depois de a maioria dos ministros do STF votar a favor de tornar réu o deputado Eduardo Cunha, sua mulher, a apresentadora Cláudia Cruz, tentou tranquilizálo com mensagens de texto. Cunha também trocou torpedos com uma das filhas, Camila, e com seus advogados.

A mulher mandou mensagens religiosas, tentando confortar Cunha. “Calma. Deus sempre no controle. Ele move. Ele põe. Ele tira. Ele faz”, escreveu ela. Depois, pediu: “Confia no senhor mesmo que o vento esteja ao contrário ele não te abandonou ( sic)”.

A filha perguntou como o pai estava e recebeu como resposta: “Tranq filha ( sic)”.

Com os advogados, Cunha ressaltou ter previsto na véspera que o recebimento da denúncia do Ministério Público Federal contra ele seria “parcial”, ou seja, que os ministros fariam restrições à peça do MPF.

 

PREOCUPAÇÃO COM O CARGO

Nas entrevistas, Cunha tentou usar a seu favor uma minúcia do voto do ministro Teori Zavascki para argumentar que não poderá ser afastado do cargo. Alegou que, como a Corte não aceitou paralisar o seu processo por ele fazer parte da linha sucessória da Presidência da República, não poderá afastá- lo do cargo usando esse mesmo argumento.

— Passaram muito tempo dizendo que tornando réu tinha que ser afastado. Alegavam até que era o terceiro na linha de sucessão e, por isso, teria que ser afastado. Contestamos na preliminar o mesmo fato: se tem de ser afastado por estar na linha sucessória, ninguém pode, então, ser processado por atos estranhos ao mandato. A rejeição dessa preliminar mostra que não existe razão para afastamento de quem se torna réu. Essa matéria já foi vencida — disse.

Ele acompanhou boa parte do julgamento ao lado de colegas, mas já estava presidindo os trabalhos na Câmara quando se formou a maioria no STF para torná- lo o primeiro presidente da Casa a virar réu no exercício da função.

Entre os que não o deixaram só ao longo da tarde estavam o líder do PTB, Jovair Arantes ( GO), os peemedebistas Hugo Motta, Carlos Marun e Lúcio Vieira Lima, e os oposicionistas Rodrigo Maia ( DEM- RJ) e Wladimir Costa ( SD- PA).

Nas conversas com os aliados, Cunha avaliou que o fato de Teori Zavascki ter rejeitado parte das acusações pode ajudálo na tentativa de mostrar que o procurador- geral da República, Rodrigo Janot, se excede nas acusações.

— Estou absolutamente tranquilo, porque estou com a verdade, estou com a inocência. Eu não tenho nada com que me preocupar. Tornar réu não é sentença de ninguém. Tanto é que já fui réu em 2013 e fui absolvido por unanimidade em 2014. Querer me condenar por ter me tornado réu seria não me dar o direito de um julgamento correto — afirmou, à imprensa.

Para os aliados de Cunha, o revés no STF não provoca uma mudança imediata na correlação de forças na Casa. Eles avaliam que o recebimento da denúncia já estava “precificado” desde que o presidente da Casa foi abandonado por PT e PSDB.

 

DEBANDADA DE ALIADOS

Apesar disso, alguns manifestam preocupação com o processo no Conselho de Ética. Eles afirmam que, caso o processo de cassação avance, poderá haver uma debandada. Os opositores de Cunha, por sua vez, falam em aumentar a pressão para que ele deixe a função, e em trabalhar para que o Conselho consiga dar celeridade aos trabalhos.

Cunha destacou que ainda fará “muitos recursos” em relação às decisões do colegiado, inclusive contra a de admitir a representação que pede sua cassação. Afirmou ter confiança do afastamento do presidente do conselho, José Carlos Araújo ( PSD- BA), que deu o voto de minerva pela admissibilidade. Chamou ainda de “meio golpe” a sessão em que a decisão foi tomada:

— Foi assim um meio golpe. Avisaram aos parlamentares que não ia ter a reunião, os parlamentares foram embora e tentaram fazer de surpresa depois da sessão, foram catando gente em casa para vir aqui correndo porque estão tentando sempre fazer a coisa errada e descumprindo o regimento. Sem contar que não julgou a suspeição dele ( Araújo). Tem uma série de fatores que meus advogados farão os recursos correspondentes.

Ainda que pretenda recorrer da decisão, Cunha comemorou o fato de ter sido retirada do processo do Conselho a acusação de ter recebido propina desviada da contratação de navios- sonda da Petrobras. Aos seus pares, ele responderá apenas por ter mentido à CPI da Petrobras ao negar ter contas no exterior. ( Colaboraram André Coelho e Letícia Fernandes

 

“Confia no senhor mesmo que o vento esteja ao contrário ele não te abandonou ( sic)”

Cláudia Cruz

Em mensagem ao marido, Cunha

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Cunha agora está desarmado

Por: IVAR A. HARTMANN

 

Estratégia de protelação do peemedebista com o uso de tecnicalidades processuais foi neutralizada pelo STF; esta foi a derrota mais importante do deputado ontem

Amaior derrota de Eduardo Cunha na sessão do Supremo de ontem parece ser a formação de maioria de seis ministros para início da ação penal contra ele. Mas a derrota mais importante ocorreu antes, quando todas as alegações preliminares da defesa foram rejeitadas. A arma principal de Cunha até aqui sempre foi a protelação e o recurso a tecnicalidades processuais.

Assim como na Câmara, também no Supremo a estratégia central do deputado nunca foi discutir o mérito das acusações.

Primeiro seus advogados usaram uma analogia para pedir prazo em dobro para a defesa. Não convenceram a todos os ministros, mas acabou colando. Era setembro, e o Supremo ainda não tinha se acostumado com as chicanas processuais de Cunha.

Depois veio a tentativa de atrasar o julgamento da denúncia até 2017. Cunha queria ter a mesma prerrogativa da Presidente da República e não ser processado por crimes alheios ao exercício da função de líder da Câmara.

Alegou também que provas coletadas pela Polícia Federal durante esse prazo não poderiam ser usadas. Tampouco as declarações do executivo Júlio Camargo, por não fazerem parte de acordo formal de delação. Tudo muito criativo, mesmo sem qualquer base legal.

Foram três agravos regimentais durante a tramitação do inquérito. O afã protelador era tão grande que um dos agravos foi interposto quando os autos do inquérito sequer estavam com o Supremo.

No início do julgamento, Cunha teve todas suas alegações preliminares rejeitadas quase unanimemente e sem muita discussão. Os ministros não restaram minimamente impressionados pelas diversas alegações inovadoras e sequer se detiveram nos agravos. A mensagem dada pelo Supremo é de que a tradicional estratégia de protelação e exploração de questões processuais não vai mais vencer casos sozinha.

O que importam são as provas. O ministro Teori Zavascki teve o cuidado de notar que encontros para discutir propina foram confirmados com dados de geolocalização de celulares. O sistema informático da Câmara atesta que uma manobra suspeita foi feita com o login e a senha de Cunha. Reuniões dos envolvidos estão devidamente marcadas na agenda oficial e assim por diante.

Com os seis votos pelo recebimento da denúncia contra ele, Cunha perdeu uma batalha. A guerra continua. Mas com sua estratégia de preliminares e agravos neutralizada, Cunha agora está desarmado.

 

Ivar A. Hartmann é professor da FGV Direito Rio

 

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