O globo, n. 30.159, 03/03/2016. País, p. 6

Lava-Jato acha indícios de mais repasses da Odebrecht a Santana

Movimentação em dinheiro teria sido feita em 2014, fora de contabilidade oficial

Por: THIAGO HERDY* / RENATO ONOFRE / CLEIDE CARVALHO

 

CURITIBA E SÃO PAULO - A força tarefa da Operação LavaJato identificou novos indícios de pagamentos da Odebrecht ao marqueteiro João Santana em dinheiro e fora de contabilidade oficial de campanha eleitoral. Os pagamentos teriam sido feitos no Brasil e constam de novas anotações localizadas pelos investigadores na última fase da operação.

Os documentos deverão ser levados hoje ao juiz Sérgio Moro, que decidirá pela prorrogação ou não da prisão do marqueteiro e de sua mulher e sócia, Mônica Moura. Ontem, a defesa do casal protocolou pedido de revogação da prisão e argumentou que o dinheiro recebido foi fruto do trabalho em campanhas, sem que soubessem a origem dos valores. Nos novos arquivos e em documentos apreendidos em fase anterior da Lava- Jato, há menções ao termo “feira”, que a polícia entende se tratar de João Santana e de sua mulher, vinculado a pagamentos realizados aos dois, ligados a campanhas.

Na última sexta- feira, ao pedir prorrogação da prisão do casal, a PF já havia mencionado pagamento da Odebrecht no valor de R$ 4 milhões a “Feira”. O documento estava na casa de Maria Lúcia Tavares, funcionária da Odebrecht presa na última fase da operação e libertada ontem.

A força tarefa da Lava- Jato não conseguiu ter acesso ao sistema onde a tabela foi gerada e impressa. Os investigadores acreditam se tratar de contabilidade paralela da Odebrecht. Os pagamentos, em reais, teriam ocorrido em 2014, durante o período em que Santana trabalhava para a campanha de reeleição da presidente Dilma .

A Polícia Federal cogita novo indiciamento do empresário Marcelo Odebrecht, ex- presidente da holding. Em nota, a Odebrecht informou que “não se manifesta sobre fatos que envolvem inquérito em andamento”. A assessoria de Santana também não comentou.

 

POLIS VAI RETIFICAR DECLARAÇÃO DE 2014

A Receita Federal identificou diferenças entre as informações prestadas pela empresa do marqueteiro, a Polis Propaganda, que recebeu R$ 70 milhões da campanha de Dilma, e as declarações de renda de Santana e Mônica referentes ao exercício de 2014.

Santana informara em sua declaração que recebera R$ 21,9 milhões da Polis Propaganda a título de lucros e dividendos. A empresa, porém declarou R$ 34,1 milhões. Mônica, por sua vez, declarou ter recebido R$ 6,043 milhões da Polis em 2014. A empresa informou R$ 3,7 milhões. Somada, a diferença entre o valor declarado pelo casal e o informado pela Polis alcança R$ 9,5 milhões.

Procurada pelo GLOBO, a assessoria de Santana informou que a Polis Propaganda vai retificar as informações apresentadas ao Fisco em 2014, que estavam equivocadas.

O casal já tinha retificado suas declarações de imposto de renda de cinco anos consecutivos, de 2010 a 2014, durante o ano passado, acrescentando empresas no exterior que não foram informadas inicialmente. A Polis Propaganda também havia informado ter retificado informações do exercício de 2013. Assim como em 2014, os valores não batiam com as declarações de renda do casal.( Enviado especial)

_______________________________________________________________________________________________________

Defesa de empreiteiro repudia teoria do domínio do fato

Advogados de Marcelo Odebrecht afirmam que empresário atuava delegando poderes e autoridade

Por: THIAGO HERDY

 

CURITIBA - Nas alegações finais apresentadas à Justiça, a defesa de Marcelo Odebrecht usa depoimentos de delatores da Lava- Jato para argumentar que o empresário é inocente e afirma que, por falta de provas do envolvimento dele em qualquer crime, o Ministério Público Federal usa equivocadamente a “teoria do domínio do fato”. Os advogados dizem que os procuradores atribuem ao empresário a posição de cúmplice de delitos supostamente cometidos por executivos do grupo “como se o presidente de uma holding estivesse numa posição de garantidor em razão de um pretenso dever de vigilância de todos os executivos integrantes das diversas empresas do grupo”.

Para a defesa, a denúncia contra o empresário é baseada em conjecturas e presunções e “procura agora encher com nada o oco da acusação”. O Ministério Público Federal afirmou, na denúncia, que a troca de mensagens entre Marcelo e executivos do grupo mostra que, apesar de pregar a descentralização administrativa, o empresário detinha controle de cada uma das empresas controladas pelo grupo.

Advogados alegam que o grupo atua baseado no princípio da confiança, “com total delegação e a absoluta descentralização de poder e de autoridade”. Na avaliação deles, “em face do elevado grau de descentralização reinante no âmbito das empresas que integram o Grupo Odebrecht, nem se pode falar em subordinação”.

 

RECURSO A DEPOIMENTO DE DELATORES

A defesa também usou a favor de Marcelo o depoimento de delatores da Lava- Jato: o doleiro Alberto Youssef, o empresário Ricardo Pessoa ( UTC) e os ex- funcionários da Petrobras Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco. Todos disseram não ter tido contato com o empresário ou tratado de assuntos relacionados a propina com ele.

No caso de Paulo Roberto Costa, os advogados afirmam que a transcrição do depoimento dele omitiu um trecho no qual fala sobre Marcelo: “Literalmente, disse Paulo Roberto Costa, em trecho que foi omitido na transcrição: nem põe o nome dele aí porque com ele não, ele não participava disso”.

Costa fez a afirmação ao comentar sobre as negociações do preço da nafta pela Braskem, empresa controlada pelo Grupo Odebrecht e que tem a Petrobras como sócia. A matéria- prima é fornecida pela Braskem e havia investigação sobre possível benefício à empresa, em detrimento dos lucros da estatal.

Os advogados ressaltam que nenhum delator acusou o empresário e que “é altamente improvável que, num universo de dezenas de delatores, alguém pudesse ter participado de atividades ilícitas e, assim, não ser mencionado por nenhum deles. Pode- se dizer, com absoluta segurança, que a probabilidade disso acontecer é zero!”

Sobre as anotações do empresário, os advogados dizem que elas foram feitas depois das apreensões realizadas nas empresas do grupo.

 

THIAGO HERDY, enviado especial

_______________________________________________________________________________________________________

Dilma diz que tentam criar ‘ impeachment cautelar’ de Lula

Em jantar com o PDT, presidente defende seu mentor político, apesar das relações estremecidas

Por: LETICIA FERNANDES / DIMITRIUS DANTAS

 

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Apesar do estremecimento da relação, a presidente Dilma Rousseff defendeu o ex- presidente Lula em jantar com lideranças do PDT na última terça- feira. Ela afirmou, segundo relatos, que estão tentando criar uma “nova modalidade” no país, que seria o “impeachment cautelar” de Lula. Isso significaria desgastar a imagem do ex- presidente para impedi- lo de ser candidato em 2018. Segundo a presidente, o objetivo hoje é “execrar” Lula via Lava- Jato.

O termo “impeachment cautelar” também foi usado pelo presidente do PT, Rui Falcão, para defender Lula. Na reunião do diretório nacional do partido, na última sexta- feira, ele afirmou que o objetivo da campanha contra o ex- presidente é “impedir sua eventual candidatura”.

Os advogados de Lula pediram ao Conselho Nacional do Ministério Público ( CNMP) explicações sobre o vazamento do inquérito que apura um suposto tráfico de influência do petista em favor da Odebrecht. Cópias dos documentos foram publicados pela revista “Época” há duas semanas. O processo é comandado pelo procurador Douglas Ivanowski Kirchner, do 5 º Ofício de Combate à Corrupção do Ministério Público. Além do vazamento, a defesa de Lula questiona o procurador do DF por distribuir o processo para ele mesmo, e não a outro procurador, e de impedir o acesso dos advogados ao inquérito.

A Procuradoria da República do Distrito Federal informou que os membros da investigação agiram de forma legal e amparados pelas regras que disciplinam o rodízio de procuradores.

Na semana passada, a procuradoria já havia declarado que os dados sigilosos publicados pela revista foram obtidos sem sua autorização, e uma investigação foi instaurada para apurar o fato e seus responsáveis. Sobre a falta de acesso aos documentos do inquérito, informou que o havia negado, em dezembro de 2015, pelo caráter sigiloso das investigações no período. Após nova análise, diz a procuradoria, o acesso foi autorizado e os dados concedidos à defesa de Lula.

Sobre o pedido protocolado no CNMP, o procurador Douglas Kirchner preferiu não se pronunciar. A revista “Época” também optou por não se manifestar sobre o assunto. (* Estagiário sob supervisão de Flávio Freire)

_______________________________________________________________________________________________________

‘Impeachment ainda fede, mas está morto’

Por: VINICIUS SASSINE

Advogado da União deixa hoje o cargo e diz que do processo contra presidente só resta um viés político

 

BRASÍLIA - Advogado- geral da União há seis anos e cinco meses, um dos mais longevos na função, Luís Inácio Adams deixa hoje o cargo e afirma que o impeachment da presidente Dilma Rousseff “está morto, mas não foi enterrado e continua fedendo”.

 

O senhor deixa o governo com um processo de impeachment da presidente em curso no Congresso, o julgamento das contas de 2014 em aberto na Comissão Mista de Orçamento ( CMO) e ações de cassação no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE). A saída não deixa a presidente mais exposta a essas ofensivas?

Não. Primeiro porque, no âmbito das contas, a minha última grande participação foi ontem ( terça, 1 º ) na CMO. Originalmente, eu sairia dia 1 º e isso foi postergado por dois motivos: a participação na CMO e a assinatura do acordo com a Samarco ( realizado ontem). Houve um bom debate técnico na CMO, mas o que está presente agora, e eu percebi isso também na comissão, é a movimentação política. E não é o advogadogeral que atua, evidentemente.

 

Hoje o impeachment não tem viés jurídico?

Não. Hoje o impeachment no Congresso vai ter um viés eminentemente político. No STF, existe uma pendência de embargos que não deve alterar a realidade do processo. Está mais ou menos estabilizado do ponto de vista jurídico. O que existe é um esforço político de revivê- lo.

 

Mas o imponderável que a LavaJato representa, com novas revelações, não significa que o impeachment possa ser reavivado?

Não. O que a Lava- Jato traz tem a ver com processo de campanha, não com o processo da atividade presidencial. O processo de impeachment está associado à atividade presidencial. E nesse caso em particular da campanha, o TSE é a instância que tem pertinência.

 

O que vai acontecer com o processo nos próximos meses, na opinião do senhor?

Eu acho que o impeachment está morto. Apesar desses pequenos soluços, desses “revivals”, não tem base popular, e um impeachment não acontece sem base popular. Tem de ter uma forte pressão e uma identidade no Congresso. Exige também uma unidade dentro do Congresso, que eu acho que não existe, como mostraram os eventos recentes: a eleição de ( Leonardo) Picciani para líder do PMDB ( na Câmara), o posicionamento do PMDB que decresceu do ponto de vista da margem de apoiamento, o papel moderador do Senado nesse processo. Tem coisas para acontecer, mas não acredito que esse processo de impeachment consiga prosperar. É como algo que morreu mas não foi enterrado. Continua fedendo, mas está morto.

 

Adams."Não há unidade no Congresso para impeachment ser aprovado"

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados
  • Congresso Nacional
  • Senado Federal