Valor econômico, v. 16, n. 3957, 05/03/2016. Brasil, p. A3

Quadro fiscal ameaça corroer inclusão social, diz Schymura

Por: Claudia Safatle

Por Claudia Safatle | De Brasília

 

O quadro fiscal do país é dramático. As expectativas apontam para déficits primários sucessivos nas contas públicas nos próximos anos. Se a crise não for equacionada, o retrocesso na inclusão social "pode atingir proporções assustadoras".

Foi a partir dessa constatação que Luiz Guilherme Schymura, presidente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), dedicou a última "Carta do Ibre" à discussão de medidas de controle eredução dos gastos sociais com base em conceitos e princípios objetivos de busca da equidade e da inclusão.

"A atual crise econômica impulsionou a inflação e está provocando quedas dramáticas na arrecadação real e elevando o desemprego. Dessa forma, as enormes conquistas sociais desde o início da década passada estãoameaçadas", alerta a carta.

Segundo dados oficiais, 90% do crescimento de 4,3 pontos percentuais do PIB da despesa primária do governo federal de 1999 a 2015 decorre de gastos sociais, como previdência do setor privado, programas sociais e custeio de educação e saúde. Nesse período a despesa com a folha de salários dos servidores públicos recuou 0,3 ponto percentual do PIB e os gastos com o custeio administrativo caíram 0,36 ponto percentual do PIB. Portanto não há gordura para cortar nessas áreas.

Seja em função da sua evolução passada e das perspectivas futuras, "parece claro que a despesa social é o cerne do problema fiscal", salienta. A solução para compatibilizar as políticas de transferência de renda com ofuncionamento equilibrado da economia seria, assim, passar um pente-fino nos programas sociais, para que eles sejam destinados a quem realmente deles precisa. Foi isso, inclusive, o que o governo da presidente DilmaRousseff tentou fazer no primeiro ano do segundo mandato, quando tornou mais restritivas as regras de acesso ao abono salarial, seguro-desemprego, auxílio doença e pensão por morte, cita Schymura.

No momento em que o país caminha para o terceiro ano seguido de déficit primário, se encontra na mais severa recessão e os prognósticos para a evolução da dívida bruta chegam à cifra de 90% do PIB ao fim de 2018, ficaclaro que a parte dolorosa do ajuste fiscal "ainda está por vir".

A tarefa que se impõe ao governo e à classe política, hoje, é difícil e complexa, qual seja: "Restringir programas sociais sem sacrificar o objetivo último de aprofundar a democracia e ampliar direitos".

As saídas que a "Carta do Ibre" procura explorar passam, segundo Schymura, pela revisão das regras de acesso a esses programas. "Com isso, os direitos seriam preservados somente para aqueles que teriam as características essenciais para se tornarem beneficiários daqueles recursos", assinala. "Esse é um princípio que pode ser estendido à revisão de uma ampla gama de gastos federais."

Por mais que seja bom aposentar-se aos 50 ou 55 anos, o fato é que frente à crise fiscal e à mudança demográfica, é preciso impor uma idade mínima para a aposentadoria para que o benefício seja concedido a quem já está em uma faixa etária de perda de capacidade de trabalho.

Da mesma forma, ele sugere que se enfrente a indexação dos benefícios previdenciários à variação do salário mínimo, trocando essa correção, por exemplo, por um índice confiável de inflação específico para a terceira idade.

Uma outra possibilidade está na universidade pública gratuita. "É perfeitamente cabível questionar se alunos provenientes das classes mais abastadas, que podem pagar pela universidade, deveriam ter acesso ao ensino superior gratuito."

Priorizar os mais necessitados é, assim, um conceito que pode ser estendido a praticamente todo o leque de transferências previdenciárias e sociais que caracteriza o atual Estado de bem-estar social.

"Pode também orientar uma revisão do custeio de educação e saúde e até as políticas de subsídios a indivíduos (como o Minha Casa, Minha Vida) e empresas", diz a carta. "O que busco é foco e esse discurso casa com o daeficiência alocativa e com ganhos de produtividade", conclui.