Valor econômico, v. 16, n. 3957, 05/03/2016. Política, p. A8

"SÓ SAIO DAQUI ALGEMADO", DISSE LULA À PF

Por: André Guilherme Vieira

Por André Guilherme Vieira | De São Paulo

 

Ao abrir a porta de seu apartamento para os investigadores da Operação Lava-Jato, na sexta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ao delegado Luciano Flores de Lima que não sairia dali para prestardepoimento, "a menos que fosse algemado". A informação consta de relatório sobre a condução coercitiva cumprida pela Polícia Federal (PF) em São Bernardo do Campo (SP), e enviado no fim da tarde de ontem ao juiz federal Sergio Moro. O Valor obteve acesso ao documento, preparado como resposta a críticas de advogados ao uso da condução coercitiva para obrigar Lula a prestar esclarecimentos.

"[Lula] Disse ainda que, se eu quisesse colher as declarações dele, teria de ser ali. Respondi então que não seria possível fazer sua audiência naquele local por questões de segurança, pois tão logo alguém tomasse conhecimento disso, a notícia seria divulgada e poderiam ocorrer manifestações e atos de violência nos arredores daquele local, o que prejudicaria a realização do ato", informa o delegado em relato de três páginas.

Segundo Flores, Lula leu o mandado de busca e apreensão que acabou sendo cumprido em sua residência e, em seguida, foi informado de que eles deveriam sair "o mais rápido possível daquele local". "(...) Em razão danecessidade de colhermos suas declarações, a fim de que sua saída do prédio fosse feita antes da chegada de eventuais repórteres e/ou pessoas que pudessem fotografar ou filmar tal deslocamento".

Lula foi informado de que o salão presidencial anexo ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo, estava preparado para recebê-lo. "Local seguro, discreto e longe de eventuais manifestações que certamente poderiam ocorrer de forma mais violenta, caso fizéssemos sua oitiva naquele local ou na superintendência da PF em São Paulo", justifica o delegado.

Lima disse a Lula que, caso ele se recusasse a acompanhar os investigadores, "teria que dar cumprimento ao mandado de condução coercitiva que estava portando".

Lula pediu para acionar o advogado Roberto Teixeira, "vindo a falar com ele por telefone, informando que a Polícia Federal estava querendo levá-lo para o aeroporto de Congonhas para ouvi-lo e que havia um mandado de condução coercitiva para tanto", contou o delegado no documento.

Lima relatou a Moro que a equipe de investigadores deixou a garagem subterrânea do edifício onde Lula reside às 6h30, "em uma viatura discreta, com películas escuras nos vidros laterais, pedindo a ele que se mantivesse em posição atrás do motorista e sem aparecer entre os bancos, pois assim impediria que qualquer pessoa que estivesse na rua conseguisse captar sua imagem".

Segundo o delegado, a chegada ao salão em Congonhas ocorreu às 7h20 e os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato aguardavam a chegada dos advogados de Lula, "o que ocorreu por volta das 7h45, momento em quemostramos os mandados e permitimos que eles conversassem em local próximo, sem a nossa presença".

Lima reportou ao juiz que cerca de 15 minutos depois os advogados retornaram e disseram que estavam prontos para o depoimento, "sendo dito pelo ex-presidente que iria prestar as declarações necessárias". O ex-presidente foi informado de que não precisaria responder às perguntas.

O delegado disse que todos os presentes foram informados de que as perguntas e respostas seriam gravadas em áudio e vídeo para transcrição. "Foi autorizada a gravação também pelo telefone celular de um dosadvogados do ex-presidente Lula, atendendo-se, assim, ao pedido que a defesa fez naquele momento", informou.

Segundo Lima, o depoimento terminou por volta das 11h e foi lavrado um termo de audiência. Em seguida, a Polícia Federal permitiu o acesso ao local de parlamentares "que batiam na porta e chegaram a forçar para entrar naquele recinto, durante a audiência".

O delegado relatou, ainda, que insistiu para que o ex-presidente aceitasse a segurança da PF para levá-lo onde quisesse ir, mas que Lula dispensou o serviço, dizendo que "preferia sair dali com seus companheiros de partido e advogados, em veículo próprio, sem o acompanhamento".

A defesa de Lula condenou, por meio de uma nota, a condução coercitiva. De acordo com os advogados Roberto Teixeira e Cristiano Martins, "houve, inegavelmente, grave atentado à liberdade de locomoção" de Lula, e a tentativa de vinculá-lo ao esquema de corrupção na Petrobras "apenas atende anseio pessoal das autoridades envolvidas na operação, além de configurar infração de dever".