Valor econômico, v. 16, n. 3958, 08/03/2016. Política, p. A10

Afinal, qual é o PIB do Brasil?

Antonio Licio

Desde 2012 muito se tem falado sobre o "pibinho" brasileiro, alusão pejorativa às diminutas taxas de crescimento recentes de nosso PIB "real": 1,92% (2012); 3,01% (2013); 0,10% (2014) e -3,8% (2015). A essas taxas de crescimento estão associados valores de R$ 1,193 trilhão; R$ 1,229 trilhão, R$ 1,232 e R$ 1.185 (IBGE) trilhão. A metodologia usada para este calculo é universal e normatizada pelas Nações Unidas, que manda retirar as variações de preços de todos os produtos e inserir os preços de um período base, escolhido localmente - no Brasil, o ano de 1995 - que são multiplicados pelas novas quantidades. Exemplo: um certo produto teve produção de 100 unidades no ano 1, cotado aos preços de R$ 100 a unidade, gerando um PIB total de R$ 10 mil.

No ano 2 o aumento de quantidades foi de 10%, para 110 unidades e seu preço, de 20% para R$ 120/unidade, resultando em novo PIB "corrente" de R$ 13.200, aumento total de 32%. A regra da ONU manda descartar o aumento de preços e o novo PIB "real" seria de R$ 11 mil, aumento de 10%. O índice de correção, de 20%, é chamado de "deflator implícito". O PIB, uma medida de valor, transforma-se num "índice de quantum" e por trás dessa regra há uma "falsa teoria", pela qual todo aumento de preços é inflacionário, o que não é verdade.

Variações de preços também decorrem por alterações de preços relativos, não inflacionárias, principalmente em se tratando de produtos comercializados internacionalmente. Entre os anos de 2002-2013 houve uma brutal alteração, para cima, de preços relativos de commodities agrícolas - cerca de 150% para todos os produtos, exceto carnes suínas e leite -, enquanto os preços de bens de origem não agrícolas, mantiveram-se estáveis. Quando isso ocorre, a regra da ONU não mais reflete o PIB verdadeiro.

Entre 2002-2013 o PIB corrente do Brasil cresceu 246% e o IPC, 86%, o que resulta num "PIB sem inflação" de 9% ao ano

Isso pode ser mostrado com vários exemplos, mas imaginem os países árabes onde o PIB se deriva direta ou indiretamente da produção de petróleo, cujos preços quadruplicaram entre 2000 e 2013, as quantidades mantiveram-se estáveis e a base de tempo foi o ano 2000. A regra diria que não teria havido aumento de PIB e renda nesses países! Esses mesmos preços caíram 60% apartir de 2014, reduzindo o PIB na mesma proporção.

Imaginem agora um país chamado "Mato Grosso", onde o PIB adviria na sua grande maioria de commodities como soja, milho, algodão e carnes, cujos preços internacionais aumentaram pelo menos em 100% entre 2002-2013 depois de décadas de queda. Se mantivesse as mesmas quantidades produzidas, esse "país" teria o dobro de renda e poderia dobrar as compras externas de produtos cujos preços não aumentaram (tanto) - automóveis, máquinas, celulares etc. Aceitar alterações de preços relativos decommodities como inflacionárias é desvio conceitual e quem disso discordar irá também discordar das conclusões deste artigo.

Se os argumentos acima são suficientes para se discutir o PIB "real" do Brasil, qual seria, então, nosso PIB? O candidato natural seria o PIB corrente deflacionado por algum índice de preços diferente do deflator implícito, como o IPC. Observando os dados de PIB do Fundo Monetário Internacional para todos os países, o PIB brasileiro é mostrado como o PIB corrente dividido pela taxa média de câmbio do ano, ou R$ 5,158 trilhões e US$ 2.391 trilhões (2013), muito distante do PIB "real" controverso de R$ 1,229 trilhão que, se convertido em dólares do ano, torna-se US$ 570 bilhões, que nada significa. Estaríamos, então, discutindo sobre o "nada"!

Entre 2002-2013 o PIB corrente do Brasil cresceu 246% e o IPC, 86%, o que resulta num "PIB sem inflação" de 160%, ou 9% ao ano. Surpresa? Talvez, mas vários indicadores no período também surpreenderiam: aumento do licenciamento de automotivos de 135% (Anfavea); aumento do consumo de eletricidade de 150% (MME); aumento de passageiros domésticos aerotransportados de 200% (Anac) dentre outros, números absolutamente incompatíveis com crescimento de 49% do "pibinho", mas compatível com aselasticidades-renda da demanda desses produtos.

Ao forte aumento de preços relativos das commodities agrícolas a agricultura brasileira respondeu como jamais visto, duplicando as quantidades produzidas. Quando a um aumento de preços de 100% se segue um aumento de quantidades também de 100%, o produto aumenta em 300%, mas se os preços são mantidos os mesmos (base 1995), este aumento será só de 200%. Por uma estimativa "grosseira" o valor do produto agrícola teria aumentado 300%, que subtraída a inflação de 86%, ainda restaria 214%. Foi mais ou menos isso que ocorreu no Brasil entre 2002-2013.

Para se chegar a uma nova estimativa do PIB desenvolvemos pesquisa especifica visando o valor do PIB agrícola em 2013 pelo método de calculo de produtos "finais", onde somente os produtos de consumo final e exportações (menos importações) são computados, excluindo-se os bens intermediários (e bens de capital). O resultado foi de R$ 1,435 trilhão, que dividido pelo total do "consumo de famílias" do ano de R$ 2.543 trilhões (IBGE, Contas Trimestrais, deduzidos os gastos públicos de saúde e educação ali agregados), resultou num quociente de 56%. Esta seria a capacidade de tração que o setor agrícola tem sobre a economia global: cada 10% de crescimento gera um mínimo de 5,6%, tudo mais constante. Para 214% de crescimento agrícola, teria havido 120% de aumento global, no mínimo. Se o crescimento do setor não agrícola for tomado como igual ao todo físico do período - 49% - teríamos um total de 120% mais 49% = 169%, bem próximo dos 160% acima estimados.

 

Os anos de 2014 e 2015 foram deixados de fora pelo fato de que esses mesmos preços agrícolas terem iniciado queda em meados de 2014 de 50-60%, embora hoje estabilizados, mas ainda superiores em 60-80% do ano-base 2002.Nova pesquisa será necessária para justificar o atual estado de recessão e as perspectivas de saída, onde o setor agrícola ainda terá o papel de grande protagonista.