O globo, n. 30.175, 19/03/2016. País, p. 6
Por: Evandro Éboli
-FEIRA DE SANTANA (BA)- A presidente Dilma Rousseff fez um discurso ontem um duro contra o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato. Em Feira de Santana, na Região Metropolitana de Salvador, onde entregou moradias do Minha Casa Minha Vida, Dilma afirmou que juiz que faz grampo em presidente no exterior vai para a cadeia. Ela acusou Moro, sem citar seu nome, de ter ferido a Lei de Segurança Nacional.
— Esse grampo na Presidência da República, ou com qualquer um de vocês, não é algo lícito. É ilícito. E é previsto como crime na legislação. Não é por ser eu, Dilma, é por eu ser presidenta. O dia que deixar de ser, isso vale para mim. Mas presidente do Brasil, e de qualquer país democrático do mundo, tem garantias constitucionais. Ele não pode ser grampeado, a não ser com autorização expressa da Suprema Corte do país. A não ser que a Suprema Corte autorize, não sou passível de grampo. Se não, fere frontalmente a Lei de Segurança Nacional (LSN), que protege o presidente.
No discurso, Dilma citou a situação do presidente dos Estados Unidos:
— Em muitos lugares do mundo, quem grampear um presidente vai preso se não tiver autorização judicial da Suprema Corte. Vou dar um exemplo. Se grampeiam o presidente da República dos Estados Unidos... Veja o que acontece com quem grampear. É por isso que eu vou tomar todas as providências cabíveis.
A presidente contou ao público como foi a conversa dela com Lula:
— Quero falar do fato grave que aconteceu. (...) Eu, ao convidar o presidente Lula ( para ser ministro), ele ia para São Paulo. Dona Marisa, mulher do presidente, estava doente e ele não ia voltar para a cerimônia de posse. Aí, liguei ( para Lula) e disse: ‘ Tô mandando aí no aeroporto para pegar sua assinatura para a gente usar se você não puder voltar para a cerimônia de posse amanhã’. Pois bem. Essa conversa apareceu gravada, grampeada. É um fato grave.
RICHARD NIXON
Dilma rebateu a citação que Moro fez do ex-presidente americano Richard Nixon ao se referir à situação vivida pela presidente Dilma.
— Outro dia deram como exemplo o presidente Nixon (o exemplo foi citado esta semana por Moro). O que ele fazia? Ele grampeava todo mundo que entrava na sala dele e todos os telefones eram... Telefonemas que recebiam, ia para lá, pá, grampeava. E aí? Não ficou assim não. A Suprema Corte dos Estados Unidos mandou entregar todos os grampos e proibiu ele de grampear. Era o presidente grampeando. Ele não pode grampear porque deu na cabeça dele. O exemplo é o seguinte: nem presidente da República pode grampear sem autorização, o que dizer de outras hierarquias. Esse exemplo do presidente Nixon não é válido. É de forma incorreta — disse Dilma.
O discurso da presidente foi interrompido por gritos como “não vai ter golpe” e “Dilma, guerreira, do povo brasileiro”. Ela também fez uma defesa de Lula e disse haver “muita gente do contra” que não quer deixá-lo ajudar o Brasil nesse momento. Dilma afirmou que o chamou para ajudar porque está passando por dificuldade:
— Quando vocês estão enfrentando alguma dificuldade não chama um parente ou um amigo para te ajudar? Pois eu chamei um grande amigo meu e de vocês para me ajudar. Chamei para me ajudar o presidente Lula. O presidente Lula aceitou, mas tem muita gente que não quer, porque não quer ver ele trabalhando para ajudar o povo brasileiro. Para ajudar o governo, para o país voltar a crescer e a criar emprego.
Dilma estava acompanhada do ministro Jaques Wagner, de deputados e outras autoridades. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), também fez ataques a Moro em seu discurso. Disse que há juízes trocando a carteira de juiz pela carteirinha de partidos políticos.
Em Brasília, a oposição criticou as declarações de Dilma. O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), disse que é mais um “destempero” da petista:
— A presidente vem novamente nesta linha, criando uma fantasia de que não poderia estar numa escuta interceptada. O alvo não havia sido ela, mas o ex-presidente Lula. Dilma que deveria ter mais cuidado em saber com quem está falando e não trazer toda essa crise para dentro do Palácio do Planalto. É mais um destempero da presidente.
Para o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), Dilma entrou em colapso:
— Essa pressão da presidente é mais um ato de desespero. Ela “colapsou”. É uma sucessão de erros.
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Para Rodrigo Janot, gravação foi legal
Por: Mário Camera/ Renato Onofre
— Uma coisa é ter um alvo que não tem prerrogativa de foro. As pessoas que ligam para este alvo não são objeto de escuta, o objeto de escuta é o alvo. Se as pessoas ligam para este alvo, a escuta que está em curso vai captar essa gravação. É assim que funciona — disse Janot. —Incorreta seria se tivesse sido determinada pelo juiz de primeiro grau, e não pelo Supremo Tribunal Federal, em linhas de telefone de uso da presidente da República. Isso é incorreto. Só o Supremo poderia fazê-lo — ponderou.
Janot disse também que a interceptação da conversa pode ser considerada legal se foi realizada antes de a operadora telefônica responsável pelo grampo ter sido intimada. No entanto, a gravação ocorreu 46 minutos após a Polícia Federal enviar e-mail para suspender o grampo.
— Se há uma decisão judicial que interrompe uma interceptação telefônica, tem de haver uma intimação à empresa telefônica para que ela cesse a interceptação. Até a empresa ser intimada, a interceptação telefônica tem validade — afirmou Janot, ao explicar que “a empresa telefônica não vai adivinhar que houve a suspensão da interceptação”.
A conversa entre Dilma e Lula aconteceu às 13h32m da última quarta-feira. O juiz federal Sérgio Moro, no entanto, ordenou a suspensão do grampo telefônico às 11h44m daquele mesmo dia, e a publicou no site da Justiça do Paraná uma hora depois. Entre 12h17m e 12h18m, as operadoras foram comunicadas da decisão. Às 12h46m, a PF enviou email à operadora para suspender o grampo (46 minutos antes de a conversa ser gravada).
Sobre a decisão de Moro de divulgar o áudio, Janot afirmou que isso depende do fim da necessidade de sigilo na diligência.
— Eu não sei como foi feita a diligência em si. (...) Após realizada essa diligência, se não existe mais necessidade de sigilo para preservar a diligência, essa diligência pode ser tornada pública. É isso que eu preciso saber.
Ao ser consultado sobre a divulgação do conteúdo das escutas, segundo procuradores da Lava-Jato, Janot teria determinado apenas que fosse mantido o padrão das demais fases da investigação. O diálogo entre ele e as autoridades ocorreu antes de a PF anexar os áudios da gravação da conversa entre Lula e Dilma. O telefone da presidente não foi grampeado. A interceptação foi feita no telefone de um segurança do ex-presidente, pois Lula não tem celular.
Foram os procuradores da força-tarefa que pediram a Moro que decretasse o fim do sigilo antes do envio dos autos à Procuradoria Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal, o que deveria ser feito assim que Lula assumisse como ministro da Casa Civil. No cargo, que garante ao ocupante foro privilegiado, Lula não pode ser julgado por Moro, apenas pelo STF.
O pedido dos procuradores a Moro foi feito às 13h39m, sete minutos após a conversa entre Dilma e Lula. O diálogo foi anexado ao processo às 15h37m. Às 16h19m, o juiz decretou o fim do sigilo dos autos, tornando possível o acesso dos jornalistas.
O juiz já havia determinado o fim das escutas e pedido que a PF fosse informada com urgência, inclusive por telefone. As operadoras de telefonia começaram a ser informadas sobre a decisão pouco depois de meio-dia. Todas foram avisadas antes das 13h.
A operadora Claro, responsável pelo celular que Lula usou, só encerrou a interceptação às 23h33m, mais de 10 horas depois de ser comunicada, quando a conversa já repercutia.
“Incorreta seria se tivesse sido determinada pelo juiz, e não pelo STF, em linhas de telefone de uso da presidente da República”
Rodrigo Janot
Procurador-geral da República
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Escutas envolvendo a presidente provocam polêmica entre especialistas
Por: Ruben Berta
Os desdobramentos jurídicos da inédita interceptação telefônica envolvendo a presidente Dilma Rousseff ainda serão motivo de muita discussão. Especialistas ouvidos pelo GLOBO divergem sobre vários aspectos, desde a legalidade da escuta em si até a sua divulgação. Outro ponto polêmico é o fato de a gravação ter sido realizada após o juiz Sérgio Moro ter determinado a interrupção das escutas, o que seria determinante para a anulação de uma prova de um eventual crime ou infração.
— Vivemos um momento muito delicado e temos uma situação perigosa, onde uma escuta tomou contato não só com uma pessoa de foro privilegiado, mas simplesmente com a presidente da República. Acredito que, independentemente da questão do uso ou não da prova nesse momento, é muito importante que o STF (Supremo Tribunal Federal) se pronuncie, crie uma jurisprudência para casos que possam vir a acontecer futuramente. Estamos falando da presidente, há uma questão de segurança nacional envolvida — disse o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano.
O jurista comentou ainda que considerou vagas as justificativas do juiz Sérgio Moro para divulgar os áudios, com base no interesse público:
— É um tema de discussão, a interceptação pode até se justificar. Mas não a divulgação. O juiz é um escravo da lei. Ele sabia que havia a voz da presidente ali e teria que ter enviado aquele conteúdo para a análise do Supremo. E não divulgar logo na sequência.
“INTERESSE PÚBLICO EVIDENTE”
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, tem uma visão diferente. Ele se disse indignado com as afirmações de membros do governo de que Sérgio Moro teria cometido um crime ao divulgar os áudios envolvendo Dilma Rousseff:
— Houve uma decisão justificada do juiz Sérgio Moro, com interesse público evidente. Ele era o responsável pelo processo, portanto poderia definir a quebra do sigilo dentro da lei, como o fez. Agora, se o governo acha que há crime, deve representar ao Ministério Público para que avalie se houve uma conduta ilegal ou não. Somente acusar não é nada mais do que pressão política em cima de um magistrado.
O tema é tão intrincado que dois estudiosos e autores de publicações sobre o uso de interceptações telefônicas em processos judiciais têm visões completamente distintas sobre o caso. O professor César Dario Mariano da Silva, da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, que se debruça sobre o tema há 20 anos, disse que Moro agiu dentro da total legalidade:
— Haveria a necessidade de envio ao Supremo caso se fosse detectado que a pessoa com foro privilegiado, a presidente, estivesse participando de um crime. Se um deputado, por exemplo, for gravado combinando venda de drogas com um traficante, é o caso de envio para uma Corte Superior.
“SUJEITO ÀS SANÇÕES DO CÓDIGO”
Mas não haveria indícios de que Dilma estava cometendo um crime de obstrução da Justiça?
— Esse crime de responsabilidade sequer existe formalmente. Seria uma infração política, que teria de ser analisada pelo Senado, num eventual processo de impeachment.
Sobre a divulgação do áudio, o jurista também é taxativo:
— O juiz da causa é ele (Sérgio Moro). E a regra é de dar publicidade, principalmente quando estão envolvidas autoridades públicas.
Já Lenio Streck, professor do Programa de Pós- Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos-RS), tem visão oposta e faz uma lista de objeções, ponto a ponto:
— Ponto 1: o próprio Moro já admitiu que a escuta foi irregular, na verdade ilegal, porque foi feita depois que ele havia determinado a suspensão. Ponto 2: o delegado da Polícia Federal responsável cometeu um crime ao enviar ao juiz uma escuta feita de forma ilegal. Ponto 3: o juiz divulgou o produto de um crime, portanto está sujeito às sanções do Código Penal. E o ponto 4: é óbvio que, quando foi detectado que a presidente da República aparecia nas gravações, Moro deveria ter lacrado o conteúdo e enviado para o Supremo. É coisa que se aprende no primeiro ano da faculdade.
“A regra é de dar publicidade, principalmente quando estão envolvidas autoridades”
Dario Mariano da SIlva
Professor da Escola Superior do MP-SP
_ “Moro deveria ter lacrado o conteúdo e enviado para o Supremo”
Lenio Streck
Professor da Unisinos-RS