O globo, n. 30.175, 19/03/2016. País, p. 9

Em gravação, Rui Falcão cobra nomeação para proteger Lula

Em conversa com Jaques Wagner, petista fala de pedido de prisão do MP
 

-BRASÍLIA E RIO- Uma conversa gravada pela Justiça entre o novo chefe de gabinete na Presidência, Jaques Wagner, e o presidente do PT, Rui Falcão, pode dificultar ainda mais a nomeação de Lula para o Ministério da Casa Civil. Na conversa, que ocorreu no dia 10 de março, após o Ministério Público de São Paulo denunciar o ex-presidente pelos crimes de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, Falcão cobra de Wagner uma reação do governo, e chama o promotor Cássio Conserino de “louco” por pedir a prisão preventiva de Lula.

No diálogo, o presidente do PT mostra-se preocupado, e cobra de Wagner, então ministro da Casa Civil, e da equipe do governo alguma iniciativa, por temer que a juíza da 4ª Vara de São Paulo, Maria Priscilla Ernandes, acatasse o pedido de prisão do MP no mesmo dia da denúncia. A magistrada, no entanto, encaminhou, quatro dias depois, o caso para o juiz federal Sérgio Moro.

Em outro momento da conversa, Falcão pergunta a Wagner o que aconteceria se Lula fosse nomeado ministro naquele mesmo dia, em situação hipotética. Wagner disse que não sabia.

“A outra coisa é o seguinte: se nomear ele (Lula) hoje, o que que acontece?”, pergunta Falcão. “Aí não sei, eu tô por fora”, responde Wagner. “Então, consulta isso também...”, diz Falcão. Na sequência, Wagner pergunta ao presidente do PT se Lula já havia aceitado assumir algum ministério. Falcão responde que não, mas ressalta que aliados de Lula, como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e integrantes de movimentos sindicais, o estavam pressionando para aceitar.

Caso a prisão de Lula fosse decretada, Wagner sugeriu que todos cercassem o prédio onde mora o líder petista, em São Bernardo do Campo, e se preparassem para “sair na porrada”. Ao final da conversa, Falcão pediu a Wagner que ele tomasse uma decisão de “Estado-Maior”:

“Alerta a presidente. Toma a decisão de estado-maior aí p*.”

Wagner pediu ontem uma varredura nos aparelhos de comunicação e salas estratégicas da Presidência. Assessores do Planalto suspeitam de grampos em telefones e escutas ambientais em salas e gabinetes onde acontecem reuniões. Como o diálogo de Falcão e Wagner é o primeiro divulgado em que não estão Lula ou seus familiares, há receio de que as conversas foram interceptadas de telefones fixos do Planalto. No diálogo mais controverso, onde Dilma fala a Lula sobre o termo de posse, é possível escutar a música de espera da secretária eletrônica do palácio antes de Dilma atender.

Em nota, Wagner classificou a divulgação das gravações como “mais uma tentativa de gerar interpretação desvirtuada” de suas palavras. Ele afirma que o grampo foi ilegal, já que nem ele nem Falcão são investigados. “Ao contrário do que dizem os que buscam distorcer o diálogo, jamais defendi ambiente de conflito e confronto social.”

A avaliação do Planalto é que a decisão do juiz federal Sérgio Moro de divulgar as gravações está no “limite” da lei, e avança sobre a segurança da presidente e da governabilidade do país. Medidas políticas e econômicas que necessitam de privacidade estão ameaçadas, segundo interlocutores de Dilma. As investigações seriam feitas para descobrir onde têm sido feitas as gravações e ao mesmo tempo implantar medidas para fortalecer o sistema de comunicação do Planalto, evitando que novos grampos possam ser feitos futuramente. Polícia Federal e a Abin fariam esse trabalho.

— A gravação foi usada para estimular protestos. Nenhum dos dois é investigado, e Jaques tem foro privilegiado. Querem insuflar as manifestações.

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‘Toma a decisão de Estado-maior’

Rui Falcão: Oi, Jaques. O louco do Conserino aqui pediu a preventiva do Lula. Jaques Wagner: É, eu vi p*. Rui Falcão: Sim, e... Vocês vão deslocar alguém pra cá, como é que é? Jaques Wagner: Deslocar em que sentido? Rui Falcão: Não, acho que tem que vim alguém pra cá, p*, pra se mexer aqui também.

Jaques Wagner: Mas alguém quem? Só pra eu entender. Não, que eu não tô raciocinando. (ininteligível)

Rui Falcão: Não tem ministro da Justiça, não tem...

Jaques Wagner: Não, tem ministro da Justiça. Ele tá no ministério. Rui Falcão: Tem? Jaques Wagner: Claro. Ele tá no posto. Rui Falcão: Alguma iniciativa vocês precisam tomar. Porque tá na mão de uma juíza da quarta vara que não sabe quando toma a decisão, mas pode tomar decisão hoje. Nós...

Jaques Wagner: Ah, ele pediu a preventiva do cara em cima do que?

Rui Falcão: Não... Não tem... Em cima do tríplex, da denúncia, ele é louco. Os três promotores aqui, Jaques.

Jaques Wagner: Tá bom. Deixa eu fazer alguma coisa aqui.

Rui Falcão: É, porque eles podem, a juíza pode despachar agora, tá? Tem os advogados tá lá, “tamo” chamando deputado. Jaques Wagner: Falou, ok. Rui Falcão: A outra coisa é o seguinte: se nomear ele hoje, o que acontece? Jaques Wagner: Aí não sei, eu tô por fora. Rui Falcão: Então, consulta isso também... Porque a gente... Jaques Wagner: Mas ele já decidiu? Rui Falcão: Não, mas nós “tamo”, todo mundo pressionou ele aqui. Fernando Haddad, todo movimento sindical, todo mundo.

Rui Falcão: Alerta a presidente. Toma a decisão de Estado-Maior aí p*. Jaques Wagner: Falou, ok. Rui Falcão: E mantém a gente informado. Ele, tá?

Jaques Wagner: Tá bom.