Valor econômico, v. 16, n. 3955, 03/03/2016. Brasil, p. A4
Faixa mais pobre já se aposenta pela idade mínima, diz estudo
Denise Neumann
A adoção de uma regra de idade mínima de aposentadoria para os trabalhadores que se aposentam por tempo de contribuição pode atenuar a concentração de renda causada pela previdência urbana. A avaliação polêmica aparece em estudo do consultor legislativo Pedro Fernando Nery, que lembra que os trabalhadores mais pobres já se aposentam principalmente pelo critério de idade - eles são mais da metade dos atuais aposentados.
O trabalho se propõe a discutir vários aspectos envolvidos na adoção ou não de idade mínima para a aposentadoria urbana. Entre as diversas questões, contudo, sobressai a ideia de que a regra de idade mínima já funciona para trabalhadores de menor renda e de inserção mais precária no mercado de trabalho (por isso são os que aposentam por idade, sendo 65 para os homens e 60 para as mulheres), enquanto os profissionais de renda média e alta que se aposentam por tempo de contribuição são aqueles com inserção mais organizada no mercado de trabalho.
"Estes profissionais são os representados pelos sindicatos, são os que aparecem no debate. Os que já se aposentam por idade são os invisíveis", diz Nery. E quem já se aposenta por idade, o faz mais tarde que os demais e por isso recebe o benefício por menos tempo.
Hoje, no critério de tempo de contribuição, os homens se aposentam, em média, aos 55 anos e as mulheres, aos 52 anos. Considerando a expectativa de vida atual, os homens receberão aposentadoria por 24 anos, e as mulheres por 30 anos - nesse caso, pelo mesmo período de contribuição. Nery aponta que esse dado é reflexo do desequilíbrio do sistema. Existem pouco mais decinco trabalhadores na ativa para cada aposentado. Em 2050, daqui a 34 anos, serão menos de dois na ativa para cada aposentado.
A partir das projeções de outros economistas, Nery calcula que as despesas com aposentadoria, pensões e o benefício de prestação continuada (um salário mínimo para maiores de 65 anos que não contribuíram e estão em famílias pobres) vão passar de R$ 338 bilhões em 2015 para R$ 1,3 trilhão em 2050, aumento de 285% em termos reais e sem considerar o impacto da adoção da fórmula 85/95, que amplia os gastos da Previdência ao longo do tempo.
Nery pondera que, antes da adoção do fator 85/95, a aposentadoria por tempo de contribuição seria mais equilibrada atuarialmente do que os benefícios menores, porque os menores ganham muito com o aumento do mínimo, sem contrapartida contributiva. A regra do 85/95, no entanto, deixa a aposentadoria por tempo de contribuição mais desequilibrada ao permitir uma aposentadoria maior por mais tempo.
O total de beneficiários do INSS passará de 29 milhões de pessoas em 2015 para 85 milhões em 2050, ou seja, "1,6 milhão de novos benefícios sendo pagos a cada ano", diz Nery. Adotar uma idade mínima, afirma, permite reduzir o ritmo de entrada de novos beneficiários no sistema, pois as pessoas ficarão trabalhando mais tempo e depois receberão o benefício por menos tempo. Assim, além da questão da desigualdade, a adoção da idade mínima é fundamental para o equilíbrio das contas da Previdência no médio e longo prazo.
Nery fez também estimativas regionais do pagamento dos benefícios por tempo de contribuição para avaliar a concentração de renda. Em São Paulo, 26% do total de benefícios são aposentadorias por tempo de contribuição, mas no Norte são 4,2% do total, e menos de 2% em Rondônia e Roraima. "A proporção é maior nos Estados mais ricos e menor nos mais pobres evidenciando o potencial concentrador de renda na ausência de idade mínima na Previdência urbana", aponta o estudo.
Nery calculou um valor de aposentadoria por tempo de contribuição por habitante. O valor per capita em São Paulo era de R$ 1.609 em 2013 (valores corrigidos de 2015) e de apenas R$ 196 na região Norte.
Nery concorda que causa "estranheza" a ideia de que um segurado com benefício de R$ 2,5 mil esteja na metade mais rica da população, mas diz que um estudo que está sendo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que dois terços dos trabalhadores que se aposentam por tempo de contribuição estão entre os 40% mais ricos da população. Outro estudo do Ipea, de 2012, considera que o Regime Geral da Previdência Social responderia por 18% da desigualdade de renda.