Valor econômico, v. 16, n. 3955, 03/03/2016. Política, p. A5

STF deve abrir ação penal contra Cunha

Letícia Casado 

Carolina Oms

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve virar réu hoje em ação penal da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem, a maioria dos ministros, o relator da ação, Teori Zavascki, e outros cinco integrantes da corte votaram pelo acolhimento parcial da denúncia contra Cunha.

Para Teori, a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) conseguiu apresentar indícios mínimos de que Cunha teria utilizado o mandato para pressionar empresas a pagar propina em dois contratos com a Petrobras. Ele rejeitou, no entanto, a parte da denúncia que apontava participação de Cunha no acerto inicial para os desvios nesses contratos entre 2006 e 2007.

A sessão será retomada hoje. Os ministros ainda podem mudar seus votos ou pedir vista. Se nada mudar, o STF deve confirmar a abertura da ação penal - tornando o presidente da Câmara réu e assim abrindo espaço para debater o pedido da PGR para afastar Cunha da presidência da Câmara. Para a procuradoria, ele usa o cargo para atrapalhar as investigações que correm no Conselho de Ética da Casa.

A decisão do STF também vale para a ex-deputada federal pelo PMDB, Solange Almeida, atual prefeita de Rio Bonito (RJ). Ela e Cunha são acusados pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Ambos negam as acusações.

Para Teori, "há indícios robustos para nesses termos receber parcialmente a denúncia". O ministro disse ainda que "elementos confortam sobejamento do crime de corrupção passiva, majorado ao menos na qualidade de partícipe por parte do deputado Eduardo Cunha para se incorporar a engrenagem espúria de Nestor Cerveró" ex-diretor de Internacional da Petrobras e jácondenado por corrupção pelo Juiz Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato no Paraná.

O voto de Teori foi seguido pelos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Marco Aurélio Mello. Devem votar hoje à tarde Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello, além do presidente da Corte, Ricardo Lewandowski. O ministro Luiz Fux está fora do país.

Após a sessão, Marco Aurélio disse que "o que está havendo no Paraná e também na órbita do Supremo revela que a impunidade não pode mais prevalecer".

A PGR afirma que Cunha "recebeu vantagens indevidas para facilitar e viabilizar a contratação do estaleiro Samsung ", responsável pela construção dos navios-sondas sem licitação, por meio de contratos firmados em 2006 e 2007. Juntos, os dois contratos somam quase US$ 1,2 bilhão e, segundo a PGR, geraram propina de US$ 40 milhões, paga entre 2006 e 2012.

Outro indício de ato criminoso apontado pela PGR é o fato de que parte dos pagamentos destinados ao deputado teria sido paga à Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Rio. Duas empresas de Júlio Camargo, a Piemonte e a Treviso, fizeram transferências para as contas da igreja no valor total de R$ 250 mil em 31 de agosto de 2012.

Esses contratos foram firmados entre a diretoria de Internacional da Petrobras -na época comandada por Nestor Cerveró - e a coreana Samsung Heavy Industries -, cujo representante no Brasil era o lobista Julio Camargo. Outro lobista, Fernando "Baiano" Soares, intermediou a negociação.

Segundo a investigação, Baiano fazia a cobrança da propina e repassava ao PMDB. Em 2009 a Samsung rompeu com Camargo e ele parou de repassar os valores a Baiano, que começou a lhe pressionar. Depois, Baiano lhe procurou dizendo que havia um saldo a pagar de US$ 5 milhões e disse que estava cobrando em nome de Cunha. Camargo disse que chegou a se reunir com Cunha para tratar do assunto.

Camargo disse que foi pressionado por Cunha a pagar a propina por meio de requerimentos para que ele prestasse informações em comissão na Câmara. Cunha não era presidente da Casa, mas atuava como parlamentar. Um dos requerimentos foi feito pela então deputada Solange Almeida. Mas os investigadores da Lava-Jato dizem que ela atuou em conluio com Cunha, inclusive usando o login do sistema dele na Câmara para fazer o requerimento.

O depoimento de Camargo que implicou Cunha foi um adendo às informações iniciais prestadas por ele. A defesa de Cunha alega que o lobista mudou a versão para prejudicar o presidente da Câmara e diz que ele pode ter sido coagido. Ontem, o ministro Teori refutou esse argumento: "Não há evidência de que tenha sido pressionado ou coagido a mudar de versão."

 

"Tudo ia bem na propinolândia quando surge uma dúvida jurídica no contrato firmado de condicionamento entre Julio Camargo e a Samsung", disse o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ontem ao sustentar perante os ministros que a denúncia deveria ser acatada. "Existiu em seguida um acerto a pedido de Baiano para que Cunha promovesse a cobrança e auxiliasse no restabelecimento do propinoduto. Cunha engendrou a fórmula através da qual ele restabeleceu o propinoduto."

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Deputado descarta deixar presidência da Câmara

Raphael Di Cunto

Thiago Resende

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) afirmou ontem que "tranquilamente" terminará o mandato, ao comentar o início do julgamento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que deve ser acolhida hoje. Cunha ressaltou que o relator do caso, ministro Teori Zavascki, excluiu algumas acusações feitas pelo MinistérioPúblico.

"Efetivamente tudo que esta lá não tem condição nenhuma de ser provado. Temos material farto probatório para desmascarar esse tipo de situação", disse. O pemedebista descartou ainda a hipótese de deixar a presidência da Câmara. "Tornar-se réu não é sentença para ninguém", disse. Segundo Cunha, " não existe razão para afastamento de quem se torna réu. Essa matéria já foi vencida".

Com a decisão do Conselho de Ética na madrugada de ontem de aceitar a representação contra Cunha por quebra de decoro e a tendência apresentada pelo STF, líderes na Câmara pediram a renúncia de Cunha. "Para a maioria da população brasileira, chegou o limite. Não resta outra alternativa que não o afastamento. Em benefício da democracia. Em benefício da recuperação da nossa economia", discursou Antonio Imbassahy (BA), que comanda a bancada do PSDB. O tucano disse que a saída do pemedebista deverá inclusive "impulsionar" o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Líder do Rede, Alessandro Molon (RJ) também afirmou que Cunha deveria se "afastar voluntariamente" para responder ao processo no Supremo e o que tramita no Conselho de Ética da Casa.

Deputados de pelo menos outros cinco partidos - PT, DEM, PPS, Rede e PSOL - manifestaram-se a favor da saída do pemedebista. O líder do PSD, Rogério Rosso (DF), no entanto, avaliou que Cunha tem condições de permanecer: "A tensão política deve se acirrar, mas do ponto de vista jurídico, todo mundo tem o direito ao contraditório e a presunção de inocência." Maurício Quintella Lessa (AL), que lidera o PR, afirmou que a situação de Cunha "não é boa para a imagem da Câmara, mas é ele que terá que avaliar o que fazer".

Cunha afirmou que recorrerá da decisão do Conselho de Ética "Tem muito recurso, muita coisa errada feita ali. Os meus recursos serão feitos e meus advogados tratarão do jeito que tem que tratar", afirmou o pemedebista, citando como exemplo questionamentos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ao plenário da Casa.

Um dos argumentos de Cunha é que o presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), desempatou a votação, decidindo a favor da continuidade das investigações, mesmo após uma questão de ordem que poderia considera-lo suspeito para opinar nesse caso por ter "atuado de forma imparcial". Araújo não colocou o assunto para análise no colegiado, frisou.

A representação acusa Cunha de mentir à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras ao negar ter contas no exterior e, segundo a PGR, também ter participado de irregularidades em contratos da estatal. Apenas a primeira parte foi mantida no relatório do deputado Marcos Rogério (PDT-RO).

"Ficou restrito àquilo que tem que ser. Aquilo que cabe ao próprio Conselho. Não tratar de processo judicial nem de coisas antigas", afirmou o pemedebista. Aliado do presidente da Câmara, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) afirmou que a alteração do parecer deve abrandar a pena, "como censura ou suspensão do mandato, mas não em cassação".

O relator e outros integrantes do Conselho entendem, porém, que, se a investigação do Conselho recolher provas de que houve corrupção, haverá punição mais grave. Rogério espera que o processo chegue ao plenário da Câmara no fim de maio ou em junho.

 

Na madrugada, o parecer pela abertura de processo rachou o Conselho ao meio. O placar ficou empatado: 10 a 10. Votaram com o pemedebista os representantes do PR, PP, PTB, PSC, PMDB e SD. Foram favoráveis à abertura do processo PSDB, PRB, PSB, PT, PDT, DEM e PPS. Até que Araújo chancelou a continuidade do processo: "Minha intenção é investigar, saber a verdade, e que os por ventura acusados possam apresentar provas de que são inocentes." (Com agências noticiosas)