O globo, n. 30.178, 22/03/2016. Economia, p. 21

Governo quer manter gastos em anos de crise

Por: MARTHA BECK E BÁRBARA NASCIMENTO

 

BRASÍLIA- O governo vai propor ao Congresso a criação de uma regra para “blindar” gastos essenciais em períodos de baixo crescimento. A novidade foi apresentada ontem pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, durante entrevista para apresentar o projeto de reforma fiscal que será enviado ao Legislativo nos próximos dias. Será proposto um Regime Especial de Contingenciamento ( REC) pelo qual a equipe econômica ficaria desobrigada de cortar despesas com serviços básicos ou investimentos prioritários para cumprir a meta fiscal quando a economia apresentar crescimento inferior a 1%. Também será proposta a fixação de um teto para os gastos públicos.

O ministro admitiu que o REC poderá resultar no descumprimento da meta fiscal, mas destacou que o mecanismo é uma forma de preservar despesas que, embora sejam “absolutamente essenciais”, precisam ser cortadas, hoje, quando há alguma frustração nas receitas. Ele afirmou que o contingenciamento de R$ 23,4 bilhões feito pelo governo no Orçamento de 2016, por exemplo, está afetando o funcionamento de órgãos importantes:

— Há reclamações justificadas da Receita e da Polícia Federal de que o contingenciamento está afetando suas atividades. (...) É para preservar a prestação de serviços públicos como segurança, saúde e educação. É para não ter que cortar água e luz de escola e hospital — disse ele, lembrando que também serão poupados investimentos em infraestrutura em fase final de execução.

 

SERVIDORES PODEM FICAR SEM AUMENTO

Barbosa explicou que a Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF) já prevê um mecanismo semelhante para estados e municípios e disse que o governo federal não quer um “cheque em branco”, pois será necessário justificar a preservação de cada gasto. Pelas contas da Fazenda, o montante que hoje ficaria preservado de uma tesourada com o REC é de, aproximadamente, R$ 15 bilhões. Cerca de R$ 9 bilhões com investimentos, R$ 3 bilhões com saúde e outros R$ 2 bilhões com o funcionamento da máquina pública.

Ao ser perguntado sobre a possibilidade de o REC representar o abandono da meta fiscal por vários anos, em função do quadro econômico atual, ele rebateu:

— Não creio que a gente tenha vários anos seguidos de recessão. Estamos trabalhando intensamente, todos os dias aqui no Ministério da Fazenda, para adotar as medidas necessárias para a economia se recuperar mais rapidamente. Estamos tomando todas as medidas para estabilizar a renda e o emprego, e uma das medidas necessárias é que o contingenciamento seja feito de forma racional e preserve as despesas essenciais para a recuperação da economia e do emprego.

Barbosa também admitiu que o governo poderá pedir ao Congresso autorização para realizar um déficit maior que R$ 60,2 bilhões, ou 0,97% do Produto Interno Bruto ( PIB) este ano. A nova proposta deve ser apresentada hoje. Como antecipou o GLOBO ontem, a queda da arrecadação no início de 2016 foi muito maior do que a esperada pela área técnica do governo, o que deve aumentar o rombo anual. Em fevereiro, o governo havia informado que enviaria ao Legislativo uma proposta pedindo autorização para abater R$ 84,2 bilhões da meta fiscal, que prevê um superávit primário de R$ 24 bilhões ( 0,4% do PIB) para a União. Com isso, o resultado deste ano acabaria se convertendo num saldo negativo de R$ 60,2 bilhões. Mas segundo Barbosa, este valor pode aumentar:

— Pode haver alguma alteração ( na proposta que vai ser encaminhada ao Congresso) ou pode haver nenhuma. Os números ainda estão sendo fechados.

Na proposta de reforma fiscal, o teto para os gastos será determinado em proporção do PIB no Plano Plurianual pelo período de quatro anos. Anualmente, os valores nominais a serem obedecidos serão apontados na Lei de Diretrizes Orçamentárias ( LDO).

Caso o teto seja descumprido, o governo será obrigado a acionar gatilhos de contenção de gastos para que o número volte à meta. Entre os gatilhos estão, por exemplo, a suspensão da criação de novos cargos e de aumentos reais ( acima da inflação) para servidores públicos. Em último caso, se os cortes anteriores não forem suficientes, o governo está disposto a suspender o aumento real do salário mínimo e propor um programa de demissão voluntária para servidores.

Barbosa enfatizou que, ao controlar o gasto público, o governo vai ser capaz de diminuir a rigidez do gasto obrigatório. Segundo ele, a cada R$ 100 gastos hoje, R$ 91,50 são despesas obrigatórias. O ministro ainda ressaltou que a experiência internacional mostra que os países que possuem limitadores do gasto têm mais eficiência fiscal.

— Não estamos produzindo uma jabuticaba, nós estamos utilizando experiências que foram bem sucedidas no resto do mundo — disse.

O ministro ainda anunciou uma medida que dará ao Banco Central um instrumento adicional para enxugar a liquidez no mercado. Hoje, a autoridade monetária faz isso apenas por meio de operações compromissadas, o que obriga o Tesouro Nacional a aportar títulos públicos no Banco Central e aumenta a dívida bruta. A ideia é que o governo possa se utilizar também de depósitos voluntários remunerados, feitos pelos bancos de forma voluntária ao BC e remunerados a uma taxa próxima à Selic. Dessa forma, os aportes diminuem e há menor impacto sobre o endividamento. Barbosa, no entanto, negou que o objetivo principal do governo seja reduzir a dívida bruta.

— Nosso objetivo não é reduzir a dívida bruta. É evitar as emissões recorrentes por parte do Tesouro para fornecer títulos para o BC fazer operações compromissadas — afirmou o ministro.

 

RENEGOCIAÇÃO COM ESTADOS

A reforma inclui, ainda, a renegociação das dívidas de estados com a União e um abatimento de 40% nas parcelas pagas pelos governadores por um período de dois anos. Segundo Barbosa, se todos os estados utilizarem os mecanismos de incentivo que estão sendo dados pela União, o impacto sobre as contas públicas deste ano será de R$ 9,6 bilhões. No entanto, ele adiantou que muitos governadores já disseram que não vão querer usar o desconto. Vão preferir fazer operações de crédito. Assim, o impacto mais provável sobre o resultado primário de 2016 é de R$ 6 bilhões. Embora a ajuda aos estados vá ampliar ainda mais o rombo nas contas públicas, o ministro lembrou que ela é necessária:

— É um auxílio necessário num momento em que a economia brasileira passa por dificuldades. É adequado que você dê ( aos estados) um auxílio financeiro e temporário em troca de contrapartidas.

O ministro acrescentou que o governo vai manter as discussões sobre reforma no Fórum da Previdência, mas admitiu que o envio de uma proposta formal sobre o tema ao Congresso vai depender da questão política:

— O governo vai avaliar qual o melhor momento de enviar sua proposta. Eu acredito que tem que haver uma proposta sobre como encarar seu maior gasto, mas vivemos um momento político conturbado. Por isso, a gente trabalha para ter respostas prontas para serem apresentadas quando o momento político permitir.

Sobre a polarização política do momento, ele afirmou:

— Um debate onde todo mundo grita, ninguém ouve ninguém. Não é na base do grito, não é num diálogo de surdos que nós vamos resolver isso.

O ministro pontuou também que, apesar de a apreciação estar atrasada, o governo ainda conta com a aprovação da CPMF para fechar as contas em 2016:

— Infelizmente, com a situação que hoje se tem no Congresso, especialmente na Câmara, a apreciação está atrasada. Mas continuamos achando que essa é uma poupança necessária.

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