O globo, n. 30.178, 22/03/2016. País, p. 7

Delegados da PF ameaçam processar ministro

Em nota, associação repudia afirmação de que Aragão poderá afastar policiais por vazamentos, mesmo sem provas

Por: Jailton de Carvalho

 

- BRASÍLIA- A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal ( ADPF) divulgou ontem uma dura nota oficial repudiando declaração do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, de que poderá afastar, mesmo sem provas, delegados responsáveis por vazamentos de investigações. Os delegados dizem na nota que poderão entrar na Justiça se “qualquer arbitrariedade” for cometida pelo ministro.

“Os delegados de Polícia Federal permanecerão vigilantes a qualquer possibilidade de ameaça de interferência nas investigações”, diz o texto.

Apesar da pressão dos policiais, o ministro da Justiça, Eugênio Aragão, já está procurando um nome para substituir o diretor da PF, Leandro Daiello. Aragão tem alguns nomes em vista, e até já fez um convite, segundo disse ao GLOBO uma fonte. O próprio Daiello já teria sido avisado sobre o interesse do ministro de mudar o comando da PF. No entanto, em nota, a assessoria do Ministério da Justiça disse ontem que não há “nenhuma decisão” sobre a substituição de Daiello.

Aragão emitiu sinais de descontentamento com setores da PF logo na primeira entrevista após assumir o Ministério da Justiça, quinta- feira passada. Disse que não iria tolerar vazamentos seletivos de informações sigilosas, especialmente a difusão de acusações com objetivos políticos. Nos últimos meses cresceram reclamações do governo e de parlamentares do PT contra supostos vazamentos seletivos da Lava- Jato, que serviriam para legitimar ações da PF contra investigados.

Segundo a Associação dos Delegados, a saída do atual diretor resultaria na renovação de vários cargos de chefia, entre eles os superintendentes regionais e coordenadores setoriais. O processo é longo e poderia atrasar o andamento de operações, entre elas a Lava- Jato.

Para o presidente da ADPF, Carlos Eduardo Miguel Sobral, afastamentos preventivos são inaceitáveis, porque implicariam prejulgamento de policiais que estão na linha de frente de determinadas investigações.

Deputados governistas criticam Daiello por não agir energicamente contra os vazamentos. São as mesmas críticas que levaram a transferência do ex- ministro da Justiça José Eduardo Cardozo para a Advocacia- Geral da União. Ao jornal “Folha de S. Paulo”, Aragão também chegou a dizer que só estavam confirmados nos cargos o secretário- executivo do ministério, Marivaldo Pereira, e o secretário para Grandes Eventos, Andrei Rodrigues. A situação dos demais estava ainda em aberto.

Os delegados defenderam a autonomia da PF: “A informação de que o diretor- geral da PF poderá ser trocado em razão do descontentamento do governo com a atuação republicana, isenta e imparcial da PF demonstra a fragilidade da instituição e a necessidade urgente de aprovação da PEC 412/ 2009”, diz a nota da ADPF.

 

 

TRANSCRIÇÃO

 

‘A POPULAÇÃO NÃO DESEJA UMA PF CONTROLADA’

 

A íntegra da nota: “A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal ( ADPF), após reunião com a sua diretoria executiva, vem manifestar total repúdio às graves declarações feitas recentemente pelo ministro da Justiça no sentido de que afastará, sem provas, delegados e policiais de investigações criminais. A entidade não descarta a possibilidade de ingressar com medidas judiciais e administrativas em face de qualquer arbitrariedade que venha a ser praticada pelo ministro da Justiça. Além disso, a informação de que o diretor- geral da Polícia Federal poderá ser trocado em razão do descontentamento do governo com a atuação republicana, isenta e imparcial da PF demonstra a fragilidade da instituição e a necessidade urgente de aprovação da PEC 412/ 2009, em tramitação no Congresso Nacional, que prevê a autonomia orçamentária, administrativa e funcional da Polícia Federal. Do mesmo modo, fica evidente a necessidade de previsão legal de mandato fixo para o cargo de diretor- geral. Os delegados de Polícia Federal permanecerão vigilantes a qualquer possibilidade de ameaça de interferência nas investigações. As manifestações públicas recentes demonstram que a população brasileira não deseja uma Polícia Federal controlada pelo governo, e sim uma Polícia Federal de Estado, firme e atuante contra a corrupção e o crime organizado”.

Órgãos relacionados:

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Nomeação de Aragão é questionada no STF

Para o PPS, ministro também não pode ter cargo no Executivo
 

A oposição tentará impedir, mais uma vez, que um integrante do Ministério Público ocupe o cargo de ministro da Justiça. Em reclamação ao Supremo, o PPS pede que o ministro recémempossado no cargo, o subprocuradorgeral da República Eugênio Aragão, seja afastado da função, em caráter liminar.

O PPS sustenta que, apesar de ter entrado para a carreira do Ministério Público antes da Constituição de 1988, Aragão também não poderia ocupar cargo no Executivo. No dia 9, o plenário do STF decidiu que integrantes do MP não podem ocupar cargos públicos fora da instituição.

No julgamento, ministros disseram que a decisão vale para promotores e procuradores investidos no cargo depois da Constituição de 1988. Assim, os que chegaram antes de 1988 poderiam assumir cargos. É o caso de Aragão. Mas, para o PPS, essa interpretação não ficou registrada na decisão do STF e Aragão teria de se submeter às mesmas regras de quem ingressou após 1988.

O deputado Raul Jungmann ( PPS- PE), responsável pela ação do partido, disse:

— O STF acabou de decidir por dez a um que membro do MP não pode se submeter ao Executivo. A presidente Dilma afrontou a decisão.

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Opinião

 
MÁQUINA DO TEMPO
 
UM IMPROVISO feito pelo ator Claudio Botelho na apresentação de “Todos os musicais de Chico”, em Belo Horizonte, sábado, conflagrou a plateia. Sinal destes tempos politicamente tensos e de intolerância.
 
NÃO HOUVE unanimidade entre os atores sobre a oportunidade daquele “caco” específico, sobre Dilma e Lula. Em todas as sessões, Botelho fez improvisos em função de temas do momento, sem problemas.
 
PARTE DA plateia reagiu contra Botelho e chegou a haver invasão de palco, algo inadmissível por ferir a liberdade de expressão, um direito constitucional.
 
O PRÓPRIO Chico, que depois cassaria o direito de Botelho usar suas músicas no espetáculo, já se viu vítima dessa intolerância, quando sua peça “Roda Viva” foi suspensa, com violência, em São Paulo, por uma invasão de militantes de direita.
 
NÃO SE pode voltar àquele tempo.