O globo, n. 30.178, 22/03/2016. País, p. 8

Partidos políticos em baixa

Série histórica de identificação partidária atinge menor taxa em quase três décadas
 
FÁBIO VASCONCELLOS
 
 
Entre o final da década de 80 e até o ano 2000, a História política brasileira registrou um relativo aumento da identificação dos eleitores com partidos políticos. Esse crescimento, contudo, não foi capaz de barrar uma característica: a maioria dos brasileiros não simpatiza com qualquer uma das atuais 35 legendas. E o cenário de apartidarismo tem piorado. Nos últimos anos, registra- se uma tendência de mais queda das preferências. Ao que parece, os movimentos de crescimento e declínio refletiriam mais a predominância do PT, que soube ocupar a cena política, e a sua atual crise. O curioso é que, nessa mudança, nenhum partido tem conseguido ocupar esse espaço. Nesta reportagem, apresentamos dados, análises de especialistas e um teste disponível na versão on- line: com qual partido você mais se identifica?

Pela série histórica, considerando as médias das pesquisas aplicadas pelo Datafolha sobre preferências partidárias, 2015 foi o pior momento dessa taxa. Nada menos que 69% dos eleitores não tinham qualquer identificação com os partidos. O ano de 2006, pós- mensalão, é um ponto de inflexão importante. É quando a curva da não preferência começa a subir e mantém essa tendência.

A identificação partidária, além de influenciar as disputas eleitorais, é um dado importante na organização do jogo político porque é o meio através do qual as legendas identificam demandas ou buscam apoio na sociedade para levar adiante políticas junto ao Executivo e ao Legislativo. O fenômeno de queda das preferências, porém, não é uma característica isolada da nossa jovem democracia. Diversos países, inclusive nas democracias mais maduras, vivem o mesmo dilema.

Algumas hipóteses na Ciência Política têm sido consideradas para explicar esse declínio. Entre elas está a infidelidade partidária que, com a atual janela de troca de partidos, vai permitir que mais de 50 deputados mudem de legenda sem serem punidos. Outras explicações seriam a frustração dos eleitores no desempenho dos partidos à frente dos governos, personalismo na política, incapacidade das siglas em identificar e representar interesses e crenças dos cidadãos, sobretudo os mais jovens, além dos novos canais de representação e comunicação política.

As taxas de preferência partidária no Brasil começam com 42% em 1989. Elas foram crescentes, até atingir 53% em 1992, no auge do processo de impeachment do presidente Fernando Collor. Os anos seguintes indicaram certa estabilidade na casa dos 45%. A partir do ano 2000, os percentuais passaram a declinar. O período de baixa nas taxas de preferência coincide com outros acontecimentos. Há uma explosão no número de partidos, que passam de 24 no final dos anos 90 para 35 siglas em 2015.

Se mais partidos deveriam, em tese, ampliar as chances de mobilizar preferências, porque se ampliariam os canais de interlocução com os eleitores, o cenário que se seguiu contrariou a premissa. Para muitos especialistas, o grande número de partidos não seria o problema central, mas sim a maneira como os partidos organizam suas estratégias, com discursos menos ideológicos, falta de clareza nas suas posições e atenção excessiva às disputas por cargos.

 

PT BATE RECORDE DE PREFERÊNCIA EM 2010

Se distribuirmos as preferências pelas quatro principais legendas ( PT, PMDB, PSDB e DEM) observamos o quanto o Partido dos Trabalhadores foi o mais hábil em mobilizar os eleitores desde o fim dos anos 1990. No mesmo período, as demais legendas ficaram praticamente estagnadas ou apresentaram queda no período. No caso do DEM ( ex- PFL), há pesquisas em que a legenda sequer foi citada pelos eleitores. Apesar da crise atual do PT, nenhum partido tem conseguido surfar nesse cenário.

O caso específico do Partido dos Trabalhadores indica um aumento das preferências, mesmo após o caso do mensalão, com crescimento considerável até 2010, final do governo Lula e a eleição de Dilma Rousseff. A partir daí, as taxas de preferência no partido vem apresentando seguidas quedas. Essa tendência coincide com as atuais revelações da Operação Lava- Jato, que envolveram líderes históricos do partido em casos de corrupção na Petrobras.

Senadores relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Análise de especialistas

CARLOS RANULFO

CIENTISTA POLÍTICO DA UFMG

Já de algum tempo, os níveis de identificação partidária vêm caindo nas democracias ao redor do mundo. O fenômeno é em boa parte reflexo de mudanças verificadas nas últimas décadas e que resultaram em sociedades marcadas pela intensa circulação de informações, pela explosão das possibilidades de participação e por um comportamento mais individualista, menos propenso ao desenvolvimento e manutenção de identidades coletivas.

Cada vez mais se percebe uma distância entre o que a sociedade pensa dos partidos e a importância que estes últimos mantêm na organização da democracia representativa. O Chile é bom exemplo: tida como uma das democracias mais sólidas e de melhor desempenho na América Latina, o país tem apresentado os menores índices de identificação partidária da região.

No Brasil não tem sido diferente. Entre 1994 e 2014, a democracia atravessou um período de estabilidade, suas instituições se fortaleceram e os indicadores econômicos e sociais apresentaram sensível melhora. Não obstante, os partidos sempre foram vistos com desconfiança. Exceção feita ao PT, nenhum deles chegou a dois dígitos de preferência entre o eleitorado. O PMDB — com a maior bancada no Congresso e o maior número de prefeitos no país — oscilou em torno dos 5%. Melhor desempenho não teve o PSDB, mesmo após oito anos no Palácio do Planalto e mais quatro participações consecutivas no segundo turno das eleições presidenciais.

Após 2013, o percentual dos que manifestam alguma preferência partidária caiu ainda mais e chegou a seu nível mais baixo. De um lado, despencou a preferência pelo PT, em processo acelerado pela crise econômica e pelos desdobramentos da Lava- Jato — incluídos aí os vazamentos seletivos e o mal disfarçado viés político de membros do Ministério Público, a Polícia Federal e de parcela da imprensa. Mas de outro, nenhuma legenda apresentou crescimento expressivo: o que emergiu foi um antipetismo visceral, intolerante e marcadamente autoritário.

O que vem pela frente? O enfraquecimento do PT implica na perda do único ponto de referência dotado de solidez no sistema partidário brasileiro e aponta para um cenário de instabilidade política : basta ver que as manifestações de 2013 e 2015 — tão diferentes em tantos aspectos — possuem em comum o fato de não se vincularem a qualquer partido político.

Mas o enfraquecimento do PT significa também a perda da mais importante via de incorporação cidadã que o Brasil experimentou após a ditadura. É por isso que uma democracia com par tidos fragilizados não será igualmente ruim para todos. Ela afetará muito mais aqueles que se encontram em desvantagem do ponto de vista econômico.

 

JAIRO NICOLAU

CIENTISTA POLÍTICO DA UFRJ

Não sei quantos brasileiros torcem por um time de futebol, mas imagine que fossem cerca de 40%. Imagine ainda que metade desses torcem por um único time e a outra metade se disperse entre mais de duas dezenas de times. Em linhas gerais, este é o cenário da preferência pelos partidos no Brasil, dos anos 1990 até 2014. Em média, cerca de 40% dos entrevistados nas pesquisas de opinião diziam ter simpatia pelo PT, e a outra metade se distribuía pelos outros partidos — apenas PSDB e PMDB recebiam tradicionalmente um número de citações acima de 1%.

Talvez não haja evidência mais contundente da força do PT na sociedade do que este volume de cidadãos simpáticos ao partido. O partido soube captar este lastro na opinião pública criando redes de mobilização de simpatizantes durante as campanhas eleitorais e conquistando muitos votos de legenda para deputado federal, deputado estadual e vereador. Nas eleições de 2014, cerca de 20% dos votos para deputados federal conquistados pelo PT foram de legenda; ou seja um 1/ 5 dos deputados do partido foram eleitos pelo voto de legenda.

Falar do PT é necessariamente parecer hiperbólico. O partido chegou em primeiro ou em segundo lugar em todas as disputas para presidente; um petista fiel pode se orgulhar de ter escrito/ digitado o número 13 doze vezes nas disputas para presidente. O PT é a mais bem sucedida organização partidária da história brasileira, com cerca de um milhão de filiados, e está à frente do governo federal mais tempo do que qualquer outro partido na História democrática brasileira.

Mesmo após a crise do mensalão em 2005, a simpatia pelo PT continuou no mesmo patamar. Mas houve uma mudança fundamental: o partido perdeu apoio na classe média e cresceu entre os mais pobres e menos escolarizados. O Estudo

Eleitoral Brasileiro, pesquisa de opinião feita em 2014, mostra que o partido tinha apoio de 23% dos eleitores com ensino fundamental incompleto, mas apenas 10% entre os eleitores que concluíram o ensino superior.

O resultado que mais impressiona nos gráficos é a queda vertiginosa de preferência pelo PT desde 2015. Se o partido já havia perdido apoio expressivo na classe média, seu declínio recente na opinião pública só pode ser explicado pela perda de apoio entre os eleitores com menor renda e escolaridade; estão indo embora os petistas da última década.

Fiel à sua história de superlativos, o PT vive uma crise assombrosa, que além de se refletir nas taxas de preferência dos eleitores deixa uma série de perguntas no ar: quem irá ocupar espaço que ele provavelmente perderá nas próximas eleições? Será que a clivagem PT x anti- PT que organiza a vida política desde o final dos anos 1980 perdurará? A agenda de reformas sociais, o principal legado da era petista perderá força? Mais do que mortais, os partidos são organizações adaptativas. Mudam seus nomes, ideologia e estratégias eleitorais para sobreviver. O caminho de reconfiguração do PT não deve ser fácil nem lento. Por ora, nos resta observar o vazio que se anuncia no sistema partidário: o declínio do partido não indica o crescimento de nenhum outro.

Órgãos relacionados: