O globo, n. 30.178, 22/03/2016. País, p. 9

Na contramão, Argentina não se envolverá na crise do Brasil

Posição de Macri difere de líderes de Bolívia, Equador e Venezuela

Por: Janaína Figueiredo

 

- BUENOS AIRES- Ao contrário de outros chefes de Estado da região, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, não está disposto a aderir a uma campanha latinoamericana de respaldo ao governo de Dilma Rousseff e, também, de condenação a uma suposta tentativa de golpe no Brasil. Essa será a mensagem que Macri dará, amanhã, ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em encontro na Casa Rosada. Segundo fontes do governo, Macri “não vai se meter em discussões internas do Brasil, seu interesse é defender, apenas, o respeito às instituições e às normas constitucionais”.

— Não estamos na mesma linha que presidentes como Evo Morales ( Bolívia), Rafael Correa ( Equador) e Nicolás Maduro ( Venezuela). Nosso apoio é ao governo brasileiro e a suas instituições — enfatizou uma das fontes consultadas pelo GLOBO.

A crise política brasileira está evidenciando claras diferenças entre Macri e seus sócios na União de Nações Sulamericanas ( Unasul). Enquanto Evo Morales pede uma reunião de emergência do bloco “para defender a democracia no Brasil, a paz, a presidente Dilma, o companheiro Lula e os trabalhadores”, o chefe de Estado argentino limita- se a expressar sua preocupação e desejo de que “o Brasil saia desta situação da melhor maneira possível”.

— A Obama e a quem nos perguntar, vamos dizer a mesma coisa, que é coerente com a postura que sempre tivemos: a necessidade de respeitar as instituições — assegurou outra fonte.

Ontem, a ministra das Relações Exteriores do país, Susana Malcorra, disse não estar informada sobre a proposta do presidente da Bolívia e afirmou que, para o governo argentino, o momento requer, apenas, um encontro de chanceleres do Mercosul. A ministra deixou claro que a Casa Rosada não tem o menor interesse em pegar carona na campanha liderada por Morales, Correa e Maduro.

— Qualquer passo que se dê neste processo deve ser dentro do que estabelecem as pautas democráticas e a Constituição do Brasil.

A chanceler de Macri admitiu, ainda, que caso não sejam respeitadas as instituições e suas regras, o Mercosul poderia analisar a suspensão temporária do Brasil.

Já os governos de Bolívia, Equador, Venezuela e até mesmo Uruguai têm sido ousados em suas declarações e na adesão à tese de golpe defendida por Dilma, Lula e o PT.

— Existe um golpe de Estado midiático e judicial contra a presidente Dilma Rousseff — disse Nicolás Maduro.

O chefe de Estado equatoriano, Rafael Correia, por sua vez, comparou a suposta tentativa de golpe no Brasil ao Plano Condor, a aliança entre ditaduras latinoamericanas nas décadas de 1970 e 80 para perseguir, sequestrar e assassinar opositores políticos.

— Querem tirar um presidente democraticamente eleito.

Em Montevidéu, o governo Tabaré Vázquez, que tem a presidência temporária da Unasul, está preparando, segundo seu chanceler, Rodolfo Nin Novoa, uma declaração “de apoio à ordem institucional e à presidente Rousseff”.

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Operação faz primeira prisão fora do país

Raul Schmidt Felippe era suspeito de repassar propina na Europa

Por: Renato Onofre/ Alessandro Giannini

 

- CURITIBA, SÃO PAULO- A Lava- Jato realizou ontem sua primeira operação internacional com a prisão, em Lisboa, de Raul Schmidt Felippe Junior, apontado pelo Ministério Público Federal como mais um operador de propina de contratos da Petrobras. Batizada de “Polimento” pelas autoridades portuguesas, a 25 ª fase da operação foi um desdobramento da 15 ª , que levou à prisão Jorge Zelada, ex- diretor Internacional da estatal.

Schmidt teve prisão preventiva decretada pelo juiz Sérgio Moro e será ouvido hoje em Portugal. Foragido desde julho de 2015, ele foi preso num apartamento avaliado em três milhões de euros. Segundo o Ministério Público Federal, Schmidt tem dupla nacionalidade ( brasileira e portuguesa) e vivia em Londres, onde possuía uma galeria de arte até o início da operação, quando fugiu e passou a ser procurado pela Interpol.

Schmidt representou empresas do grupo norueguês Sevan e intermediou negócios na área de exploração de petróleo. Mantinha em seu nome contas em nome de várias offshores — Atlas Asset, Global Offshore, Goodall Trade, Vega Wolrdwide, SCI Lumiere e Polar Capital. As contas teriam sido usadas para repassar propina a três ex- diretores da Petrobras — além de Zelada, Renato Duque e Nestor Cerveró.

Na Europa, Schmidt se apresentava como mecenas e colecionador de arte, além de ter se aventurado no mundo do cinema. Ele tem ao menos um crédito como produtor executivo do filme “Jean Charles”, sobre o brasileiro que foi confundido com um terrorista e assassinado pela polícia inglesa no metrô de Londres. Uma pessoa próxima da produção conta que Schmidt praticamente comprou o crédito como produtor executivo para se apresentar como homem do cinema e viajar pelo mundo em festivais.

 

VIAGEM E VINHOS COM DUQUE

Outro filme do qual Schmidt participou foi “Simonal — Ninguém sabe o duro que dei” ( 2009). Neste caso, como investidor, com cerca de R$ 300 mil. Numa escuta da Polícia Federal, ele convida Duque para assistir a uma pré- estreia do documentário no Brasil. Segundo os procuradores, Zelada, Duque e Schmidt eram amigos. Num dos e- mails interceptados, Duque chama Schmidt para uma viagem à região de Bordeaux, na França, com vários casais. “A farra será ótima e os vinhos, maravilhosos”, diz Duque.