O globo, n. 30.176, 20/03/2016. País, p. 3

Reação de confronto

Planalto aposta em ataques às investigações e força das ruas para sair da paralisia

Por: CATARINA ALENCASTRO, SIMONE IGLESIAS E JAILTON DE CARVALHO

 

BRASÍLIA- O governo vai agir em três frentes para tentar sair da paralisia política e econômica: concentrar ataques no que considera abusos da Operação Lava-Jato e do juiz Sérgio Moro; retomar a guerra contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ); e apostar na força da militância petista nas ruas. A reação às investigações é o resultado mais evidente, e o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, demonstra disposição para ampliar o controle disciplinar da Polícia Federal para impedir vazamentos e estuda até mesmo interpelar Moro formalmente.

Neste fim de semana, Aragão declarou que vai afastar policiais envolvidos em divulgação de informações sigilosas. Ele ressaltou, no entanto, que está mirando em investigadores que cometem crime de vazamento e não pensa em interferir no conteúdo das investigações. As medidas judiciais contra Moro, ainda em estudo, seriam adotadas por conta da divulgação da escuta que flagrou Lula e a presidente Dilma Rousseff. Na avaliação dele, por ser detentora de foro no Supremo Tribunal Federal (STF), Dilma não poderia ter um diálogo liberado para divulgação por um juiz de primeira instância. Na mesma linha, deputados do PT anunciaram que irão ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz.

— Moro abusou. E o governo está respondendo aos abusos. Não é estratégia política, é uma reação a uma investida sem limites com foco no PT. Além disso, o governo vai retomar o ataque contra (Eduardo) Cunha, que tem como objetivo entregar a (Michel) Temer, seu aliado, o poder — argumentou uma fonte do Palácio do Planalto.

Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, o novo ministro declarou que “cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe toda será trocada”. Ao GLOBO, Aragão disse que adotará essa conduta se houver fundada suspeita de vazamento.

No discurso que já começou a empregar para alimentar a militância, governo e PT, agora mais amarrados do que nunca, acusam Moro de estar empenhado em uma cruzada persecutória contra Dilma e Lula. E de ter cometido abusos, contra os quais o governo não pretende se calar. Paralelamente, será retomada a guerra contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), que resolveu aproveitar o enfraquecimento do governo para correr com o processo de impeachment. Eleger Cunha como inimigo, na avaliação de interlocutores de Dilma, já se mostrou eficiente junto à opinião pública.

Dessa vez, porém, o impeachment já está em curso e depende menos da atuação de Cunha, que deu início ao processo no final do ano passado. A comissão que analisará a denúncia contra a presidente tem 65 membros, muitos deles aliados que estão dispostos a votar contra Dilma.

 

APOSTA EM LULA COMO ARTICULADOR

O governo se animou com a multidão que conseguiu mobilizar em defesa da presidente Dilma e de Lula anteontem — na Avenida Paulista, a massa ocupou 11 quarteirões, uma extensão considerável (embora bem menor do que a tomada por manifestantes a favor do impeachment no domingo passado, correspondente a 23 quarteirões). Para aliados de Dilma, os manifestantes pró-PT mostraram a força e a capacidade de reação que o governo ainda tem.

— Uma reação nas ruas mostra que o governo tem força e respaldo da população. Contamos com uma importante capacidade de mobilizar as ruas. A saída da crise certamente passa por esse caminho e por outro, que é a nossa condição de refazer as pontes no campo institucional, restabelecendo o diálogo com o Congresso — disse um ministro, que pediu para não ser identificado.

Ao longo de toda a sexta-feira, petistas monitoravam, de dentro do Palácio do Planalto, a movimentação das ruas e comemoravam as adesões. Ao fim do dia, um grande fluxo de funcionários trocava a roupa de trabalho pelas camisetas vermelhas e marchava da sede do Executivo Federal para o Museu da República, onde se concentrou o ato pró-governo em Brasília. Essa militância pró-governo, porém, também foi animada por shows musicais.

Além da trincheira das manifestações, o governo aposta na habilidade que o ex-presidente tem como negociador político.

— O Lula é o Lula. Tem jogo. Vamos para a guerra — comentou um funcionário com um colega, ainda em horário de expediente, em Brasília.

A habilidade do ex-presidente, porém, ainda está sub judice, já que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar suspendendo a nomeação de Lula para a Casa Civil. O petista sequer poderá fazer reuniões no Palácio do Planalto para evitar o impeachment da presidente, que segundo um auxiliar presidencial será a “prioridade das prioridades”. A tarefa não é considerada simples porque há um desgaste imenso na relação do Planalto com a Câmara e também porque o Executivo não tem muito a oferecer em troca do apoio. No entanto, há forte esperança de que o expresidente use de seu “magnetismo político” e, nas conversas cara a cara que manterá com os deputados, conquiste os votos de que o governo precisará para barrar o impeachment.

— Lula vai usar a intuição, algo que está faltando em doses cavalares nesse governo. Tem que construir uma narrativa, porque sabe que, do jeito que está, só pedir não adianta — disse um auxiliar do Palácio próximo ao ex-presidente.

Uma das tarefas mais difíceis será convencer o PMDB a mudar a determinação formal de romper a aliança com o governo. A cúpula do partido tem evitado qualquer gesto de reaproximação, até mesmo com Lula. O vice-presidente Michel Temer, presidente da legenda, não participa das reuniões de governo e não conversou com petista.

Órgãos relacionados:

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Policiais prometem intensificar as investigações

Delegados criticam ministro por ameaçar suspeitos de vazamentos com afastamento

Por: JAILTON DE CARVALHO E RENATO ONOFRE

 

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- Entidades sindicais de delegados da Polícia Federal e do Ministério Público Federal reagiram às declarações do ministro da Justiça, Eugênio Aragão, que ameaçou afastar policiais suspeitos de vazamento de informações sigilosas. Na segunda-feira, a diretoria da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) deverá se reunir para decidir se entra na Justiça com um mandado de segurança para impedir afastamentos preventivos de policiais federais.

Delegados da Operação Lava-Jato em Curitiba também criticaram o ministro. Um deles disse ao GLOBO que, a partir de agora, vão acelerar as investigações da Operação Lava-Jato. A primeira reação partiu do presidente da ADPF, Carlos Eduardo Sobral.

— Lamentamos profundamente, do ministro da Justiça, quando ele diz que vai afastar policiais da Lava-Jato (por suspeita de vazamento seletivo de informações). Isso aí é uma interferência nas investigações — disse Sobral.

As declarações de Eugênio Aragão não foram bem recebidas entre delegados de Curitiba que atuam na Operação Lava-Jato. Eles dizem que uma eventual troca de equipe levaria à paralisação da operação.

— Sabemos que, se trocarem as equipes, tudo vai parar. Não que não existam profissionais capacitados para nos substituírem, não é isso. É que, com certeza, o pessoal que será colocado terá outro objetivo. Não tenho esse tipo de apego, não me importo em ser substituído. O que não vamos admitir é que destruam o nosso trabalho — disse um dos investigadores.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, disse que é um equívoco se falar em vazamentos ilegais na Operação Lava-Jato. Segundo ele, com exceção de um suposto vazamento da operação que resultaria na condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não houve divulgação irregular de dados sigilosos da investigação.

— A imprensa livre discutir um processo que não está sob sigilo não é crime — afirmou Robalinho.

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O dia seguinte

Por: IBSEN PINHEIRO

 

Já falei mais sobre o impeachment de Dilma do que sobre o de Collor, o que é compreensível: naquele, há 20 e tantos anos, eu tinha um papel condutor do processo, e, portanto, impositivamente discreto. Agora, sou tratado como uma espécie de perito, ou consultor, embora não seja nem num nem outro. O que mais me pedem é comparação, especialmente as semelhanças.

É mais fácil começar pelas diferenças. Em 1992, o início do processo foi mais claro. Havia precisa definição do crime de responsabilidade. Agora, frágeis pedaladas, insuficientes e mal caracterizadas, a descumprir o primeiro requisito, o de natureza técnico-jurídica. No segundo requisito, o político-popular, também faltava aquela unanimidade do sentimento popular de 1992, e, sem essas características, configurou-se este ano mais a revanche, o terceiro turno.

Outra diferença: aquele era o primeiro processo de impeachment, não no Brasil, mas nas Américas. Precisei definir em questões de ordem o rito inteiro para ajustar a Lei 1079, de 1950, à nova Constituição e ao regimento interno da Câmara dos Deputados. Tive que indicar o momento da votação, o prazo de defesa e seus limites, o voto aberto em plenário contra um regimento que o previa secreto, a comissão do parecer por aclamação ou voto secreto, dependendo da disputa.

Em 1992, o presidente de então foi ao Supremo e perdeu, o rito foi confirmado. Agora, o STF interveio com excesso, quando, por exemplo, vedou candidaturas avulsas para o plenário compor a comissão, olvidando que a candidatura avulsa é habitual. Ulysses precisou derrotar Alencar Furtado e Fernando Lyra. Aécio, ele próprio foi avulso contra Inocêncio, ou o notório Severino. A rigor, até o presidente da Constituinte de 1823, Antônio Carlos de Andrada e Silva, foi avulso, contra a vontade de Pedro I.

Agora, as semelhanças, surgidas especialmente depois da delação premiada do senador Delcidio e das gravações desta semana. A presidente interferindo numa investigação judicial configura, em tese, o crime de responsabilidade definido no Art. 85, II, da Constituição Federal: atentar contra o livre exercício dos Poderes, no caso o Judiciário (causa, aliás, da prisão do senador Delcidio). Confirma-se minha antevisão da época, que é mais fácil a unanimidade do que dois terços da Calmara, na dependência da voz das ruas, configurando-se a mais recente parecença.

Por fim, a principal semelhança: a necessidade da arbitragem política de uma crise política. Antes de Collor, só no início do segundo reinado, em 1840, na crise da maioridade de Pedro II, o Legislativo arbitrou. Depois, foram os golpes de estado ou as revoluções. Estou convencido de que os partidos políticos deverão ser os protagonistas da superação da crise ou serão suas primeiras vítimas.

 

Ibsen Pinheiro foi presidente da Câmara dos Deputados e conduziu o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor

 

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