Correio braziliense, n. 19302, 31/03/2016. Política, p. 2

Barganha de cargos passa pelos nanicos

Julia Chaib

Naira Trindade

João Valadares

Enquanto negocia com partidos menores a divisão dos mais de mil cargos que deveriam ser deixados vagos pelo PMDB, a presidente Dilma Rousseff lida com um entrave diante da intenção dos seis ministros peemedebistas de permanecerem nos cargos. Mesmo com a oposição do próprio PMDB à possibilidade de os titulares da pasta se licenciarem da legenda — como indicaram que querem fazer —, o governo também perde ao deixar de ter ministérios importantes na manga para barganhar cargos em troca de votos contra o impeachment. Na noite de ontem, a presidente seguia reunida com ministros do núcleo duro para definir como proceder e se exonerará os peemedebistas aliados. O objetivo é atrair partidos pequenos e garantir que a oposição não atinja os 342 votos necessários para aprovação do impedimento.

Ontem, Dilma recebeu os ministros peemedebistas Kátia Abreu (Agricultura), Marcelo Castro (Saúde), Eduardo Braga (Minas e Energia) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia). Após o encontro, Kátia publicou nas redes sociais mensagens dizendo que ficará no governo, assim como os outros ministros da legenda. Em outra postagem, Kátia Abreu ressalta que tudo depende da vontade da presidente Dilma Rousseff. O deputado George Hilton, que havia trocado o PRB pelo Pros para se manter no Ministério do Esporte, acabou deixando a pasta. A petista ganha mais um latifúndio para negociar.

O PMDB, no entanto, diz que não aceitará o licenciamento dos ministros e que provavelmente, eles terão de sair do partido caso decidam por permanecer ao lado de Dilma. O Planalto, por outro lado, também passou a ver o lado bom da saída dos titulares, já que abre a possibilidade de negociação. “Está criando uma situação difícil, de constrangimento eles ficarem no limbo”, avaliou um assessor. O sentimento no Palácio é de que Dilma pode demitir os ministros, mesmo sendo aliados. Neste caso, alguns deles seriam relocados para outros postos.

O núcleo político do Planalto contabiliza hoje ter de 130 a 150 votos para barrar o impeachment. São necessários 172 para que o processo contra a presidente não seja instaurado. Na conta, a oposição, com PMDB, representa cerca de 30% do total de votos na Câmara. A avaliação é de que agora é possível conseguir o mínimo necessário para evitar o processo. Do PMDB, o governo calcula cinco votos. “Ele (o PMDB) deixou de ser importante. Quem precisa comprar votos é a oposição. Não tem como o espaço ficar vazio. Se o PMDB sair, alguém tem que assumir o ministério”, disse um petista.

O ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, rebateu a informação de que o governo abriu balcão de negócios oferecendo cargos por apoio político na Câmara. “Trocas de cargos ocorrem 365 dias por ano no governo. Não existe espaço vazio na política”, afirmou o ministro. Dentre as estratégias adotadas pela presidente Dilma para conseguir apoio está o encontro com artistas e celebridades hoje no Palácio do Planalto.

São mais de mil cargos com o PMDB a serem negociados pelo país. Mas, apesar de ter decidido pela debandada, a entrega de cargos segue em ritmo lento, na avaliação de interlocutores. “O PMDB não quer largar o osso. É uma desmoralização do movimento do rompimento. O partido fez um show eleitoral para as eleições municipais e agora os ministros não querem sair do governo”, afirmou um aliado da presidente.

 

Estratégia

Após o PMDB romper a aliança com o governo, outros partidos que compõem a base aliada começam a se movimentar para decidir se também saltarão do barco. Terceira e quarta maiores bancadas na Câmara, o PP e o PR anunciaram ontem que vão decidir sobre o rompimento com o governo no dia em que a comissão especial de impeachment votar o parecer de instauração do processo na Câmara.

A data prevista varia entre 11 e 14 de abril. “A reunião será no dia anterior à definição da comissão especial do impeachment ou no dia imediatamente posterior. O diretório se manifestará sobre a postura de permanecer no projeto ou tomar outro rumo”, afirmou o líder do PP na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PB), após reunião emergencial da legenda no gabinete do senador Ciro Nogueira (PP-PI).

Nos bastidores, a informação é de que a presidente Dilma Rousseff poderia oferecer um ministério importante para a legenda atrás da fidelidade com votos. Entre as possíveis negociações estaria o Ministério da Saúde, hoje comandado pelo peemedebista por Marcelo Castro. Segundo o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), não haverá negociações de cargo até a decisão da comissão.

Uma das possibilidades cogitadas seria trocar Gilberto Occhi do Ministério da Integração Nacional pela presidência de outra autarquia federal e indicar o deputado Cacá Leão (PP-BA), que tem mais representatividade na bancada de 49 deputados, para a pasta. Já o Ministério da Saúde poderia ser comandado pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR).

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, criticou a negociação de cargos do governo com a base após a saída do PMDB. “O que o governo está fazendo são manobras na tentativa de cooptação através de cargos, emendas e recursos. Isso não é bom para a política e também não vai resolver o problema porque acaba a votação de um processo o governo não vai ter maioria na Casa”, afirmou.

 

Emendas preservadas

 

Em decreto publicado ontem, a presidente Dilma Rousseff decidiu poupar as emendas parlamentares dos cortes que atingiram a maioria dos ministérios. Os gastos incluídos por deputados e senadores no Orçamento-Geral da União não foram atingidos pelo bloqueio temporário de despesas de R$ 21,2 bilhões. Reportagem publicada pelo Correio na última segunda-feira revelou que o Planalto aposta nas emendas parlamentares para evitar o avanço do processo de impeachment de Dilma na Câmara.

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Dilma: "Esse é um processo golpista"

Julia Chaib 

Naira Trindade

No dia seguinte ao desembarque do PMDB do governo, aos gritos de “não vai ter golpe” vindos de uma plateia formada em grande parte por integrantes de movimentos sociais e militantes do PT, a presidente Dilma Rousseff lançou ontem a terceira fase do Minha Casa Minha Vida. Diante das manifestações pró-governo, o Salão Nobre do Palácio do Planalto, onde ocorreu a cerimônia, se transformou em palco de ato em defesa do mandato da petista e críticas ao juiz Sergio Moro, ao vice-presidente Michel Temer e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Em discurso, Dilma foi categórica sobre o atual tentativa de destituição do mandato: “Esse é um processo golpista”.

A petista reconheceu que existe a previsão constitucional do impeachment, mas ponderou que, sem crime de responsabilidade, ele se configura como golpe. Dilma disse ainda que por se tratar de um regime presidencialista, no Brasil, não há “possibilidade de o presidente ser eleito por voto proporcional, só majoritário”. “Assim sendo, não existe essa conversa: não gosto do governo, então ele cai. Isso está previsto no parlamentarismo. No caso do presidencialismo, está previsto o impeachment. Agora, é absolutamente má-fé dizer que, por isso, todo impeachment está correto. Impeachment sem crime de responsabilidade é o que? É golpe”, afirmou. Dilma disse que as contas do ano passado ainda serão apresentadas, por isso, não se pode afirmar que ela cometeu crime no atual mandato.

A presidente afirmou ainda que existe o risco de perda de direitos com um novo governo. “A democracia do Brasil não caiu do céu. Ela foi conquistada com muito empenho, com grande participação de todos nós. Brasileiros e brasileiras que, ao longo dos anos, resistimos, metabolizamos e no fim engolimos a ditadura. (...) Querem tirar o governo para golpear direitos garantidos da população. Se fazem isso contra mim, o que não farão contra o povo?”, afirmou.

Estiveram na cerimônia representantes de movimentos em defesa da moradia no Brasil, além do Movimento Sem-Terra, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outros. Ministros e governadores também compareceram. Entre eles, estavam os titulares da Saúde, Marcelo Castro; da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera; e da Agricultura, Kátia Abreu, apesar do desembarque do PMDB.

Dilma foi aclamada tanto pelo palco quanto pela plateia, que gritaram “Renuncia, Temer”, e criticaram Moro e Cunha. O vice ajudou a articular a debandada do PMDB. “Impeachment sem crime de responsabilidade e conduzido por um bandido na presidência da Câmara é golpe sim, senhor”, disse o coordenador nacional do Movimento dos Sem Teto (MTST), Gulherme Boulos. O titular das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), não foi tão enfático na defesa do governo. O Planalto tenta atrair o partido do ministro.

 

Reprovação é de 82%, diz Ibope

 

A porcentagem da população que considera o governo Dilma Rousseff ruim ou péssimo oscilou de 70% para 69% de dezembro do ano passado para março, de acordo com pesquisa realizada pelo Ibope sob encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os indicadores de popularidade da presidente mantiveram-se no menor nível da série pelo quarto trimestre consecutivo. A parcela dos entrevistados que avalia a atual gestão como ótima ou boa oscilou de 9% para 10% no mesmo período. Já os que consideram o governo regular oscilaram de 20% para 19%. Todas as variações ocorreram dentro da margem de erro máxima de dois pontos porcentuais. Segundo a pesquisa, 82% dos entrevistados desaprovam a maneira de Dilma governar, mesmo nível de setembro de 2015. A proporção dos que aprovam também se manteve (14%).