Correio braziliense, n. 19302, 31/03/2016. Política, p. 9

Cautela tucana

Denise Rothenburg

Lisboa — O PSDB não deve participar de um eventual governo Temer, caso o impeachment da presidente Dilma Rousseff seja aprovado pelo Congresso, na avaliação do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que preside a agremiação. “Não estimularei participação efetiva em cargos no governo. Não é necessário”, diz o comandante tucano. Para bons entendedores, está claro que Aécio trabalhará para manter uma certa distância regulamentar da administração Temer, de forma a não contaminar o PSDB para a sucessão de 2018. O próprio Aécio crê que haverá um período muito difícil, mesmo sem Dilma: “Não esperem dias fáceis, mesmo com a aprovação do impeachment. Teremos dias muito, mas muito difíceis”, vislumbra.

Aécio participa, até hoje, do seminário luso-brasileiro de direito, promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Publico (IBD), do ministro do STF Gilmar Mendes, em parceria com a Universidade de Lisboa, na capital portuguesa.

Era por isso que, até bem pouco tempo, o PSDB apostava em novas eleições como saída para a crise, uma vez que remédios amargos são de mais fáceis digestão pelo Congresso quando chegam com a legitimidade das urnas de um novo governo. “O PSDB, enquanto força política, não é beneficiário do processo de impeachment. Muitos relutaram em apoiar, eu entre eles, porque consideravam que o melhor caminho para o Brasil interromper esse ciclo do governo do PT, que perdeu o ativo mais valioso para enfrentar a crise, que é a confiança, era a realização de novas eleições. Assim, viria um governo eleito legitimamente, com uma agenda clara e aprovada pela sociedade e que pudesse ser implementada. Mas o ótimo, que seria essa solução, é inimigo do bom. Hoje, há uma questão emergencial no Brasil. O país não suporta seis meses do atual governo”, disse.

“Nossa responsabilidade é apoiar um governo de transição. Vamos apoiar com todas as nossas forças uma agenda para o país. Participar do governo não é uma coisa que una o partido hoje. Acho que não podemos inaugurar essa lógica de que ele vai constituir o governo da mesma forma. É fundamental mudar costumes”, defende, pregando “um governo acima de partidos políticos”, se Temer efetivamente assumir. “Em acontecendo o impeachment, tem que fazer um governo com os melhores quadros. Nós queremos governar pelo voto na hora em que esse momento chegar. O partido não vai indicar cargos”, afirma.

 

Pedaladas

Técnico na área de direito constitucional e um dos convidados para o seminário, o ex-advogado-geral da União Luís Inácio Adams faz questão de frisar que não usa a palavra golpe para se referir ao processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.  “Não uso e não uso mesmo. Em tese, o processo em si não é golpe, está previsto na Constituição”.  Mas é apenas aí que suas posições destoam do governo que ele serviu como ministro da AGU.

“Não acho que é o caso de crime de responsabilidade a questão das pedaladas. Se fosse para propor impeachment pelas questões fiscais, deveriam propor contra todo mundo. É forçado, claro que é forçado”, afirma, referindo-se ao pedido em tramitação na Câmara.

O vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), único petista de carteirinha presente ao evento, considera que a saída do PMDB agrava a situação de Dilma, mas também dá uma oportunidade para o próprio governo. “Pode haver um efeito colateral contra o Temer e a favor da presidente Dilma. Há uma parcela da sociedade que discorda do governo, do PT, não faz coro com os erros que o PT cometeu nos últimos tempos, mas não abre mão de defender a democracia. Ontem ficou evidente no PMDB um ato com a coordenação de Eduardo Cunha, um movimento para ter dentro de alguns meses um presidente que não teve votos, isso é perigoso. Pode ser que tenhamos uma reação mais forte aí de juristas, intelectuais e artistas, movimentos sociais e sociedade como um todo”, aposta.

 

Frases

"Não esperem dias fáceis, mesmo com a aprovação do impeachment. Teremos dias muito, mas muito difíceis”

Aécio Neves, senador (PSDB-MG)

 

"Pode haver um efeito colateral contra o Temer e a favor da presidente Dilma. Há uma parcela da sociedade que discorda do governo, mas não abre mão de defender a democracia”

 

Jorge Viana, senador (PT-AC)