Correio braziliense, n. 19302, 31/03/2016. Economia, p. 10
Rombo fiscal recorde alcança 10,75% do PIB
Antonio Temóteo
O deficit primário do setor público chegou a R$ 23 bilhões em fevereiro, o pior resultado para o mês desde o início da série histórica do Banco Central (BC) em 2001. A necessidade de financiamento, somada ao pagamento de juros de R$ 29,7 bilhões, levou o rombo nominal do país a R$ 638,5 bilhões nos últimos 12 meses. O buraco nas contas públicas equivale a 10,75% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme dados divulgados ontem pela autoridade monetária.
Com o deficit nominal em patamares elevados — somente no primeiro bimestre a alta foi de R$ 81,1 bilhões —, a dívida bruta do governo chegou a 67,6% do PIB, e a tendência é de elevação ao longo do ano. O BC projetou que o indicador alcançará 67,9% em março e 71,6% no fim de 2015, se o setor público conseguir um superavit primário de R$ 2,8 bilhões, como consta de projeto encaminhado pelo governo ao Congresso.
O chefe do Departamento Econômico da autoridade monetária, Tulio Maciel, explicou que, no cenário do mercado, que estima um deficit primário de 1,5%, a dívida bruta pode alcançar 73,2% do PIB. Segundo ele, o rombo fiscal é reflexo do descompasso entre receitas e despesas, principalmente do governo federal, além da recessão na economia. “Tivermos um deficit elevado em fevereiro, o maior da nossa série, porque as receitas recuaram entre 12% e 13%, refletindo em grande parte o ciclo negativo da atividade econômica. Apesar do esforço de contenção, as despesas obrigatórias seguem crescendo, e isso repercutiu nos resultados apresentados”, afirmou.
Maciel também destacou que a crise afetou a arrecadação dos estados e dos municípios, que devem dar contribuições menores para o esforço fiscal do setor público. Em janeiro, governos regionais contribuíram com superavit de R$ 7,9 bilhões, valor que despencou para R$ 2,7 bilhões no mês passado. Ele ressaltou que os resultados positivos foram sustentados pelo aumento nominal de 3% na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e pela alta de 3,5% nas transferências da União. Entretanto, ele avaliou que o cenário será desafiador nos próximos meses. “Dado o quadro ruim da atividade econômica, será um ano difícil também para os entes subnacionais”, disse.
De acordo com Maciel, as oscilações nas despesas com juros terão efeito sobre o deficit nominal, sobretudo pelos resultados das operações de swap cambial do BC, que equivalem a vendas de dólares no mercado futuro. Em janeiro, os gastos financeiros chegaram a R$ 56,3 bilhões, dos quais R$ 27,3 bilhões correspondiam a prejuízos com as intervenções da autoridade monetária no mercado de câmbio. Em fevereiro, com a desvalorização da divisa norte-americana, os swaps geraram ganhos de R$ 11,7 bilhões e as despesas com juros diminuíram para
R$ 23 bilhões. Nas contas do órgão, em março o resultado positivo com as operações de swap deve chegar a R$ 40 bilhões.
Crise
O economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, afirmou que o deficit público em fevereiro foi influenciado pelos aumentos das despesas discricionárias, aquelas que o governo pode ou não realizar, e dos gastos com abono salarial, seguro-desemprego e benefícios previdenciários, menos passíveis de controle. Schneider ainda comentou que o resultado de fevereiro reforça o cenário desafiador para 2016, com redução da receita, aumento das despesas obrigatórias e espaço limitado para redução dos gastos. Ele destacou que, com a previsão de frustração na arrecadação, o Executivo anunciou uma flexibilização adicional da meta fiscal, prevendo até R$ 96,6 bilhões de deficit, equivalente a 1,55% do PIB, para o governo central. “Esperamos um deficit primário consolidado de 1,6% do PIB em 2016”, detalhou.
Para o economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, o deficit primário ultrapassará os R$ 97 bilhões em 2016. Ele destacou que isso deve ocorrer porque o governo Dilma Rousseff está disposto a abrir os cofres para conseguir o apoio de deputados do baixo clero para barrar o processo de impeachment. Camargo explicou que não há qualquer possibilidade de o Executivo conseguir conciliar essa agenda com a missão de recuperar a credibilidade da política fiscal e econômica. “Teremos mais desemprego, mais recessão, e a confiança dos investidores permanecerá nos piores níveis. Com isso, a economia não crescerá, a arrecadação continuará em baixa e a trajetória de deficit permanecerá”, comentou.
Segundo o economista, a situação das contas públicas é um reflexo das ações praticadas pelo governo ao longo dos últimos anos. Ele destacou que, diferentemente da avaliação de alguns economistas e juristas, as pedaladas fiscais foram um crime grave. Camargo afirmou que será bom para o Brasil se essas práticas forem punidas de forma exemplar. “Quem não respeita a Lei de Responsabilidade Fiscal pratica crime. A norma nunca foi respeitada verdadeiramente”, afirmou.
Argentina cresce 2,1%
O campo foi responsável por boa parte do desempenho da economia argentina no ano passado. De acordo com o Instituto Nacional de Censos e Estatísticas (Indec), o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 2,1%, puxado principalmente pelas exportações agrícolas. A atividade econômica cresceu 0,9% no quarto trimestre e 3,5% no terceiro, segundo o Indec divulgou ontem, enquanto a estimativa mediana dos analistas previa contração do PIB de 0,8% de outubro a dezembro de 2015. As vendas internacionais de produtos agrícolas foram estimuladas principalmente pelo cultivo de soja, que alcançou nível recorde de 61,4 milhões de toneladas métricas. O setor teve expansão de 6,4% em 2015, enquanto a construção civil avançou 5%, segundo o órgão estatístico da Argentina. Essa é primeira divulgação do Indec desde que o presidente Mauricio Macri assumiu a Casa Rosada e determinou “emergência estatística”, por desconfiar dos índices fornecidos pelo instituto.
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Corte atinge Educação em cheio
Rosana Hessel
O governo publicou ontem à noite, em edição extra do Diário Oficial, o decreto de programação orçamentária e financeira para 2016, que distribui entre os ministérios o corte de R$ 21,2 bilhões anunciado na semana passada. A nova tesourada afeta em cheio as pastas da Educação, da Defesa, da Saúde, e de Minas e Energia, conforme dados do Ministério do Planejamento.
O limite para empenho para a Educação foi reduzido em R$ 4,3 bilhões, o maior corte entre os ministérios. A Defesa teve redução de R$ 2,8 bilhões; Saúde, de R$ 2,4 bilhões; e Minas e Energia, de R$ 2,1 bilhões. Esse é o segundo contingenciamento anunciado em pouco mais de um mês. O primeiro, feito em fevereiro, foi de R$ 23,4 bilhões. A Advocacia Geral da União, a Vice-Presidência e o Itamaraty saíram ilesos. O teto de gasto para emendas parlamentares coletivas encolheu R$ 732,7 milhões.
Considerando o limite para o empenho previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada em dezembro pelo Congresso, a soma dos dois cortes afetou de forma mais incisiva o Ministério de Minas e Energia, que teve redução de R$ 5,3 bilhões, ou 79% do previsto na LOA. O teto passou de R$ 6,7 bilhões para R$ 1,4 bilhão. A Secretaria de Aviação Civil também sofreu corte e 54%, ou R$ 1,4 bilhão no teto, que passou de R$ 2,6 bilhões para R$ 1,2 bilhão.
Nos Transportes, a diminuição foi de 45%, com o limite de gastos passando de R$ 9,2 bilhões para R$ 5 bilhões. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) e a Secretaria das Mulheres, Igualdade Social e Direitos Humanos, apesar de não possuírem orçamentos bilionários, também sofreram cortes expressivos, de 41% e 40%, respectivamente. O limite do Mdic passou de R$ 1,1 bilhão para R$ 674 milhões. Já o da Secretaria das Mulheres encolheu de R$ 358,2 milhões para R$ 214 milhões.
Impeachment
Lutando de todas as formas para ter apoio suficiente no Congresso para barrar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o governo poupou todas as emendas individuais de parlamentares do novo corte no Orçamento. Para manter o limite de R$ 6,65 bilhões para essas emendas, a equipe econômica teve que cortar na própria carne e ratear esse contingenciamento entre os ministérios.
De acordo com o secretário do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira, o contingenciamento valerá enquanto o governo não conseguir aprovar no Congresso o projeto que muda a meta fiscal deste ano de superavit de R$ 24 bilhões para apenas R$ 2,8 bilhões. A proposta, no entanto, permite uma série de abatimentos que podem resultar em um deficit de R$ 96,6 bilhões em 2016.
No ano passado, depois das acusações de pedaladas fiscais, o governo foi proibido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de contar com uma meta fiscal que ainda não tenha sido aprovada pelo Congresso, daí a necessidade de congelar gastos. O contingenciado de fevereiro já era considerado insuficiente para o cumprimento da meta de superavit primário deste ano. No primeiro bimestre, o governo central já acumula deficit de R$ 10,273 bilhões. Nos últimos 12 meses, o saldo negativo é de R$ 131,85 bilhões.
Antes do anúncio dos cortes, o governo já havia limitado o empenho de despesas por duas vezes: em janeiro, a 1/18 do permitido na Lei Orçamentária Anual (LOA), limite que foi apertado para 3/18 em fevereiro.