O globo, n. 30.172, 16/03/2016. País, p.8

Novas acusações freiam nomeação de Lula

Denúncia contra Mercadante paralisa governo; ex- presidente se reúne com Dilma para discutir sua indicação

O convite ao ex- presidente Lula para assumir um ministério no governo Dilma mexeu com o mercado: o dólar subiu 3,06%, para R$ 3,764, a Bolsa caiu 3,56%, e as ações de estatais despencaram. Com a crise deflagrada pela delação de Delcídio Amaral, a nomeação ficou em suspenso. Lula passou a noite em reunião com a presidente no Palácio da Alvorada. O temor de analistas é de uma guinada à esquerda na economia. A ideia de usar reservas internacionais para abater a dívida pública, defendida por ala do PT, é criticada por economistas. - BRASÍLIA- A nomeação do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva como superministro do governo, que já era considerada certa pelo PT e pela própria presidente Dilma Rousseff, ficou em suspenso ontem, com o impacto da delação do senador Delcídio Amaral ( sem partido- MS), incriminando o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, numa tentativa de obstruir a Justiça. A delação do ex- líder do governo no Senado criou um clima de confusão que voltou a paralisar o dia a dia do governo. Lula chegou ontem à tarde em Brasília e, em seguida, começou uma reunião com Dilma por volta de 19h no Palácio da Alvorada, onde seriam discutidos ajustes de sua participação no governo, e até onde ele poderia ir na sua pretendida guinada na economia.

MICHEL FILHOEntrando em campo. Lula chega a Brasília, onde se reuniu com a presidente Dilma para tratar de sua indicação para um superministério

Segundo interlocutores, Lula não tinha mais certeza sobre a conveniência de virar ministro. Lula teria uma missão tripla: impedir o avanço do impeachment; repactuar a relação com os partidos aliados, em especial, o PMDB; e animar o mercado e o setor produtivo.

Outro balde de água fria foi a decisão do Supremo Tribunal Federal ( STF) de desmembrar o inquérito do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), e enviar para o juiz Sérgio Moro a parte que trata da mulher do deputado, Claudia Cruz, e de sua filha Danielle, que não têm foro privilegiado. No caso de Lula se tornar ministro, ele ganharia foro privilegiado e manteria sua investigação no STF, mas a parte relativa à dona Marisa e aos filhos Fábio Luis e Luis Cláudio provavelmente também seria remetida para Moro.

Na reunião de ontem, Lula e Dilma conversaram sobre os rumos do governo e quais medidas devem ser tomadas para estancar a crise. O ex- presidente não pretendia apresentar um pacote de mudanças de ministros, tirando, por exemplo, Nelson Barbosa da Fazenda. No entanto, ele avalia como fundamental suspender a reforma da Previdência, anunciar medidas econômicas paralelas ao ajuste fiscal — esta uma agenda fortemente negativa para o governo — e promover assim uma “retomada do ânimo nacional”.

Só a expectativa em torno da decisão de Lula aceitar ser ministro já melhorou o ambiente no Palácio do Planalto. No entorno de Dilma, todos se animaram com o reforço do ex- presidente.

— Dilma não tem conexão popular, não fala a voz do povo, e ela sabe disso. Ele dá novo ânimo para a base e para os movimentos sociais, e é exatamente isso o que ela quer — disse um auxiliar próximo a Dilma.

Segundo essa fonte, a presidente faz questão que Lula ocupe um gabinete no Palácio do Planalto perto dela. Assumindo a Secretaria de Governo, o expresidente despachará no quarto andar, um acima de Dilma, e ao lado do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner.

A Secretaria de Governo foi criada por Dilma na reforma ministerial, no fim do ano passado, numa fusão da Secretaria de Relações Institucionais com a Secretaria- Geral. Nessa mudança, o superministério ganhou as funções de articulação política e de interlocução com movimentos sociais. Além disso, estão sob o seu guarda- chuva o Conselho de Defesa Nacional e o Conselho da República, que pode convocar ex- presidentes. A extinta Secretaria de Micro e Pequena Empresa também virou um apêndice do superministério.

Para ter uma margem de sucesso, Lula precisa rearticular a relação com o PMDB. Ontem, emissários tentaram marcar uma conversa dele com o vice- presidente Michel Temer, que quer evitar o encontro, sob o argumento de que qualquer decisão do PMDB em relação ao governo Dilma será tomada pelo Diretório Nacional do partido nos próximos 30 dias, como decidiu convenção nacional de sábado passado.

Segundo interlocutores de Temer, o vice pretende antecipar uma viagem ao exterior para não participar das articulações que podem selar a ida de Lula para um superministério. Seria uma forma de a cúpula do PMDB não se tornar cúmplice da negociação e manter a rota de distanciamento do governo. Aliados de Temer dizem que ele está “em lugar incerto e não sabido”, tal é a propensão do vice de evitar encontrar Lula.

Na avaliação de caciques peemedebistas, a presença de Lula no governo pode acelerar o processo de deterioração política que tende a culminar com o impeachment:

— Lula no governo significa um peso a mais em um barco furado. Ou seja, afundará mais rápido. As manifestações de domingo tiveram como grande alvo o governo Dilma, mas também o ex- presidente Lula — afirma um interlocutor de Temer.

Lula também tentou se aproximar do PMDB por meio do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), da ala mais governista do partido. Renan, porém, tem emitido sinais trocados: ora acena para o governo, ora para a oposição. Anteontem à noite, ele se reuniu com Dilma, que busca mantê- lo como aliado

O ministro da Advocacia Geral da União ( AGU), José Eduardo Cardozo, negou que a eventual entrada de Lula no governo seja uma forma de fugir da Justiça.

— Ser julgado pelo STF é fugir da Justiça? — questionou Cardozo. ( Colaboraram Cristiane Jungblut, Letícia Fernandes, Isabel Braga e Danielo Fariello)