O globo, n. 30.171, 15/03/2016. Economia, p. 17

Desemprego sem fim

Mais de 3 milhões estão em ocupações precárias, e 21% ficam mais de 1 ano buscando vaga

Por: CÁSSIA ALMEIDA E PRISCILLA AGUIAR

 

O trabalho precário vem aumentando no Brasil. Trabalhadores esperam cada vez mais tempo por uma vaga — 21% ficam mais de um ano desempregados — e sobe a parcela dos que não conseguem ganhar nem um salário mínimo, ou menos que R$ 4 por hora, refletindo o aprofundamento da recessão no país. Luiz Carlos Santos é a síntese da crise econômica. Aos 46 anos, vende escovas de dentes e biscoitos em frente à Central do Brasil, no Centro do Rio. Consegue ganhar entre R$ 700 e R$ 800 por mês e está incluído numa população que somava em janeiro deste ano 3,424 milhões de trabalhadores, 426 mil a mais que no início de 2015, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, que acompanha o mercado de trabalho em seis regiões metropolitanas ( Rio, São Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre). Eles respondem por 14,9% do total de ocupados do país. Em janeiro de 2015, representavam 12,7%.

— Como não posso ficar parado, tenho que correr atrás vendendo meus biscoitos, escova de dente, o que eu conseguir comprar e vender — explica o camelô que era cobrador de ônibus até quase dois anos atrás, mesmo período em que tenta um emprego com carteira assinada.

Santos está em outra estatística que piorou no últimos anos: o tempo para se conseguir um emprego. Hoje, um de cada cinco desempregados espera mais de um ano para conseguir trabalhar de novo. É o chamado desemprego de longa duração. No início de 2014, atingia 14,7% deles. A situação é ainda pior para 7,3% deles, que demoram mais de dois anos na fila por uma vaga.

— A situação está muito difícil. Eu procuro qualquer tipo de emprego, mas nunca tem vaga e, quando tem, exigem muitas coisas, que nem sempre é preciso para a função, como mais tempo de estudo — afirma Santos.

 

RENDIMENTO CAI DESDE FEVEREIRO

Segundo o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, os reflexos da crise no mercado de trabalho começaram no início do ano passado. Os empregados com carteira assinada começaram a ser demitidos:

— Permaneceram no mercado através da informalidade, do trabalho por conta própria, ficaram subempregadas, subremuneradas e subocupadas. E aliviaram a procura, evitando uma fila maior de pessoas procurando trabalho ( o conceito clássico de desempregado).

Segundo Azeredo, essa situação afeta toda a família. A renda na casa cai. Em janeiro, o salário médio do brasileiro recuou 7,4%. Desde fevereiro de 2015, o rendimento do trabalhador vem caindo fortemente em relação aos mesmos meses de 2014:

— Quando o trabalhador vai para o subemprego, afeta a vida do filho que estava fora do mercado se qualificando. Ele perde plano de saúde, num círculo vicioso.

Kelly Alves, de 20 anos, foi obrigada a sacrificar os estudos. Era vendedora de loja, com carteira assinada, mas foi dispensada há cerca de seis meses. Atualmente, trabalha sem carteira num comércio também informal de roupas.

— Eu moro sozinha e não tenho ninguém para me ajudar. Quero muito terminar o ensino médio até para conseguir empregos melhores, mas a situação está muito difícil — lamenta Kelly.

Segundo o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, a crise está se tornando estrutural no mercado de trabalho. As provas desse cenário recessivo estão no desemprego de longa duração. O próximo passo será o desalento ( quando o trabalhador desiste de procurar por não encontrar nada), que tinha se tornado praticamente residual nos últimos anos. O desencanto com a falta de perspectiva não aparece na taxa de desemprego ( parcela da força de trabalho que procura emprego). Ela fica estável, dando uma falsa leitura de que o mercado não está piorando mais.

— No início do ano passado, esperavase que a crise seria mais rápida, e a recuperação viria logo. Não foi o que aconteceu. E começou a repercutir em outros indicadores: o emprego com carteira assinada, o assalariado sem proteção e o trabalho precário. Com o desemprego de longa duração, começa o desalento — explicou.

 

CONTRIBUIÇÃO PARA PREVIDÊNCIA RECUA

O que chamou a atenção do economista Lauro Ramos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea) foi o aumento rápido do trabalho precário:

— Já tivemos uma parcela maior ( que os 14,9%) quando o mercado ia bem. Mas esse salto ( eram 12,7% em 2015) mostra forte deterioração do mercado de trabalho. É uma inserção tangencial, de sobrevivência, é famoso “fazer um bico”, um trabalho bem mais precário. E a situação deve piorar ainda mais: — Temos que lembrar que o primeiro trimestre está se mostrando bem ruim. Uma estrutura um pouco mais fraca, menos pujante, tende a sofrer mais com os impactos. Em um mercado de trabalho menos dinâmico, a crise se faz sentir mais fortemente.

A taxa de desemprego já vinha mostrando a recessão. No início de 2015, era de 5,3%. Um ano depois, em janeiro, subiu para 7,6%. Mas o número de trabalhadores que contribuem para Previdência Social ainda se mantinha. É a primeira vez, desde 2004, que esse indicador cai. Foram 377 mil que deixaram de pagar a Previdência em um ano, seja como trabalhador formal demitido ou como conta própria que não conseguiu mais pagar como autônomo.

— É reflexo da queda na ocupação. É menos dinheiro entrando na Previdência, mas a proporção de trabalhadores se manteve, o que é bom — afirmou Ramos.

Há dois anos vendendo refrigerante e água no Centro do Rio, José Correia, de 62 anos, trabalhou a vida inteira como porteiro de hotel. Aos 60 anos, cinco anos antes de poder se aposentar por idade no INSS, perdeu o emprego. Juntou alguma economias e comprou produtos para vender como ambulante:

— Infelizmente, eu não consegui nada e parado eu não podia ficar. Hoje, eu vou de um lado para o outro debaixo de sol, chuva, não importa, tenho que levar algum dinheiro para casa.

 

Números

 

7,3%

DOS DESEMPREGADOS

Estavam há mais de dois anos procurando uma vaga, em janeiro. Em 2014, essa parcela era de 5,5%

 

3,424

MILHÕES

De ocupados ganham menos que o salário mínimo/ hora

 

7,6%

TAXA DE DESEMPREGO

Em seis grandes metrópoles em janeiro de 2016. Há um ano, era de 5,3%

 

377 MIL

TRABALHADORES

Deixaram de contribuir para Previdência Social no início do ano frente a janeiro de 2015

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Recessão em janeiro foi maior do que a esperada pelos analistas

Indicador do BC mostra perda de 0,6% na atividade econômica. Previsão de inflação cai

Por: GABRIELA VALENTE

 

- BRASÍLIA- O ano de 2016 começou com uma retração da economia brasileira mais forte que a esperada. Nas contas do Banco Central, a queda da atividade foi de 0,61% em janeiro. As apostas dos analistas do mercado financeiro para o Índice de Atividade Econômica da autoridade monetária ( IBC- Br) variavam entre queda de 0,1% e alta do mesmo valor.

E a crise política se aprofundou no momento em que seria o “vale” da recessão econômica, ou seja, o ponto mais baixo da recessão. Economistas apostam que o país sentirá mais fortemente os impactos da crise no primeiro semestre deste ano com a retração do setor de serviços ( motor de crescimento do país na última década). No entanto, a instabilidade política poderia, segundo os analistas, levar o país a um mergulho ainda mais grave.

— Se ela (a presidente Dilma) continuar, continua a estagflação clássica. Hoje, a manutenção desse governo gera uma incerteza. Prolongar é aprofundar essa recessão. Quanto mais cedo sair, mais cedo se recupera — avalia Eduardo Velho, economista- chefe da INVX Global Partners.

De acordo com o IBGE, os serviços encolheram 5% em janeiro, frente ao mesmo mês do ano passado, pior dado para o mês desde 2012, início da série da Pesquisa Mensal de Serviços. Já as vendas do comércio abriram 2016 em baixa de 1,5%. O resultado foi o pior para o mês desde 2005 (- 1,9%) e se igualou a 2006.

A indústria brasileira, por outro lado, abriu o ano em alta de 0,4%, com a primeira taxa positiva após sete meses em queda. Mas, apesar disso, o desempenho no primeiro mês de 2016 ainda não é suficiente para apontar uma mudança na trajetória.

A interferência da crise política na economia somada e a recessão mais grave fizeram economistas do mercado financeiro reduzir a expectativa para a inflação e para o dólar neste ano. A pesquisa Focus, realizada semanalmente e divulgada ontem pelo BC e também divulgada ontem mostrou que a projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo ( IPCA) caiu de 7,59% para 7,46%. A aposta para a moeda americana passou de R$ 4,30 para R$ 4,25 no fim de 2016.

O levantamento do BC com os economistas das principais instituições financeiras do país foi feito na última sexta- feira, antes, portanto, das manifestações de rua que tomaram o Brasil no domingo. Ou seja, a pesquisa não leva em consideração o impacto do pedido popular de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Sinais de enfraquecimento do governo desvalorizaram em 4,5% o dólar na semana passada. É uma resposta do mercado para ressaltar a necessidade de reformas urgentes. Alguns analistas já começam a considerar os desdobramentos de um aprofundamento da crise política. É o caso de Ilan Goldfajn, ex- diretor do BC e economista- chefe do Itaú, que espera uma retração de 4% neste ano. É mais do que os 3,54%, previstos no Focus.

— Queda de 4% faz o Brasil ficar perto da depressão — frisou Goldfajn, que defende reformas para sanar as contas públicas e recuperar a economia.